Mais um Carnaval começa a ser preparado pelas escolas e o primeiro passo disso é a divulgação do tema de seu enredo e da subsequente sinopse, que norteará o jurado para avaliar o quesito “Enredo”.

Como sempre faço na coluna, é hora de dar minha singela avaliação das sinopses do Grupo Especial. Repito que a sinopse não define o resultado da escola, muito menos a qualidade do samba. Já houve grandes sinopses que resultaram em sambas modorrentos (Ilha-2013), como também houve sinopses estabanadas que resultaram em ótimos sambas (Império da Tijuca-2013). Isso sem contar a sinopse campeã do ano passado… Mas poderia fazer uma coluna inteira sobre isso que não mudaria nem o título da Tijuca, nem o que penso sobre ele.

Sei que esta avaliação está completamente atrasada, várias escolas inclusive já estão com suas eliminatórias na segunda semana. Porém, a culpa deste atraso não é minha, nem do blog, nem sua, caro leitor.

A culpa é única e exclusiva da Grande Rio, que até a manhã de hoje, 14 de agosto, sequer seu enredo divulgou. É um atraso fenomenal, que eu nunca havia visto no Especial em uma escola sem qualquer problema político. Nem a Portela da Era Nilo divulgou enredo tão tardiamente. Porém, já estamos em período tão avançado nas outras escolas que em decisão conjunta com a editoria do blog, decidimos divulgar logo esta coluna.

Por causa do atraso, esse ano, ao fim de cada escola, faço um breve comentário sobre o que achei das safras de sambas concorrentes de cada escola. Não sou músico, nem compositor nem nada referente a samba-enredo, logo são apenas pitacos de um mero apreciador do gênero.

Sem mais, vamos as escolas, como sempre já em ordem de desfile. Hoje as escolas de domingo.

20140302_015034Viradouro

Enredo: “Nas veias do Brasil, é a Viradouro em um dia de Graça”

Carnavalesco: João Victor Araújo

A Viradouro adotou uma linha diferente. Segundo informações da própria escola, o Enredo será inspirado em dois “sambas de meio de ano” do saudoso compositor Luiz Carlos da Vila: “Nas veias do Brasil” e “Por um Dia de Graça”. Inclusive o samba enredo será uma junção desses dois sambas que já foi feito, mas ainda não divulgado, pelo presidente da escola, o consagrado compositor Gusttavo Clarão.

Não é algo novo, mas o uso de “sambas de meio de ano” como sambas-enredo é algo que não era utilizado há uns 30 anos, ao menos, nos Grupos Especial e Acesso A.

Aproveitando essa decisão, a Viradouro não divulgou ainda a sinopse do enredo, que está sendo escrita por Milton Cunha. O que posso tentar adiantar ao leitor é que deve ser um enredo bem puxado para o afro, reclamando que o negro não é reconhecido como sua influência cultural na nação o faria merecer (tema da primeira canção) e terminando com a esperança que o dia dessa igualdade chegue (tema da segunda canção).

Para que cada um tire suas próprias conclusões, exponho abaixo a letra de ambas as músicas.

Nas veias do Brasil

(Luiz Carlos da Vila)

Os negros
Trazidos lá do além-mar
Vieram para espalhar
Suas coisas transcendentais
Respeito
Ao céu, à terra e ao mar
Ao índio veio juntar
O amor, à liberdade
A força de um baobá
Tanta luz no pensar
Veio de lá
A criatividade

Tantos o preto velho já curou
E a mãe preta amamentou
Tem alma negra o povo
Os sonhos tirados do fogão
A magia da canção
O carnaval é fogo
O samba corre
Nas veias dessa pátria – mãe gentil
É preciso atitude
De assumir a negritude
Pra ser muito mais Brasil.

Por um Dia de Graça

(Luiz Carlos da Vila)

Um dia, meus olhos ainda hão de ver
Na luz do olhar do amanhecer
Sorrir o dia de graça
Poesias, brindando essa manhã feliz
Do mal cortado na raiz
Do jeito que o mestre sonhava

O não chorar
E o não sofrer se alastrando
No céu da vida, o amor brilhando
A paz reinando em santa paz

Em cada palma de mão, cada palmo de chão
Semente de felicidade
O fim de toda a opressão, o cantar com emoção
Raiou a liberdade

Chegou o áureo tempo de justiça
Ao esplendor, do preservar a natureza
Respeito a todos os artistas
A porta aberta ao irmão
De qualquer chão, de qualquer raça
O povo todo em louvação
Por esse dia de graça

Nota: não avaliado

Mangueira

Enredo: “Agora chegou a vez, vou cantar: mulher de Mangueira, mulher brasileira em primeiro lugar”

Carnavalesco: Cid Carvalho

Autor da Sinopse: Cid Carvalho

Ficando na “posição amaldiçoada” de segunda de domingo, a velha Manga tentará a sorte com um enredo autoral de Cid Carvalho, após ficar muito perto de fechar patrocínio com a cidade de Cabo Frio.

Apesar da homenagem à mulher não ser um tema inédito nos últimos carnavais, Cid o enfocou de maneira totalmente diferente nesta sinopse. Ele se utiliza de grandes personagens femininas da história da Mangueira e as junta com outras mulheres bastante famosas com características semelhantes às mangueirenses.

Uma ideia bem montada, apesar de ínfimas falhas de argumentação que, creio, não devem comprometer o desenvolvimento do enredo. Provavelmente o ponto alto do desfile será a homenagem às fundadoras da Mangueira, inicialmente, a D. Zica e, especialmente, D. Neuma ao final do desfile [1].

O único grande problema desta sinopse está no título. Cid Carvalho foi extremamente infeliz na expressão “mulher de Mangueira”, o que acaba sendo um desrespeito até às homenageadas. Sem contar as incontáveis galhofas que estão rolando entre os fãs de carnaval não-mangueirenses.

Nota: 9

Pitaco da safra: basicamente apenas dois sambas chamam alguma atenção e deverão ser eles a monopolizarem a disputa. O primeiro é a da parceria favoritíssima do multicampeão Lequinho, que para botar mais banca ainda, esse ano se juntou a Gilson Bernini. O problema é que o samba é tem dois excelentes refrões e só. Para mim, o melhor samba desta safra é de Renan, Cadu, Alemão do Cavaco & cia, justamente a parceria que já havia sido injustiçada ano passado caindo cedo nas eliminatórias. Este segundo samba é muito bem montado em letra e melodia e, caso escolhido, deve ficar entre os quatro melhores do ano.

20140303_213229Mocidade Independente de Padre Miguel

Enredo: Se o mundo fosse acabar, me diz o que você faria se só te restasse um dia?

Carnavalesco: Paulo Barros

Autor da sinopse: a sinopse não é assinada, mas tudo leva a crer que o autor do texto é o próprio Paulo Barros

Após mil negativas da Unidos da Tijuca, Paulo Barros sai da escola e emplaca seu tão sonhado enredo sobre o fim do mundo. Alias, não é exatamente sobre o fim do mundo, mas as atitudes no último dia de existência dele. Exatamente a ideia que existe na música de Paulinho Moska e Billy Brandão “O último dia”, inspiração assumida do carnavalesco para compor o enredo.

O enredo começa abordando as várias previsões do fim do mundo e, partindo do pressuposto que um dia se descobria que alguma delas é verdadeira, quais as loucuras que você faria sabendo que não haverá nada nem sociedade nenhuma a te repreender logo após o ocorrido.

É uma ideia genial e, pela primeira vez, eu entendi pela sinopse o que Paulo Barros quer mostrar (ou pelo menos acho). Não só entendi a sinopse como já até comecei a imaginar algumas maluquices que ele poderia aprontar aproveitando os ganchos da dela.

É uma texto maluco, típica do “realismo fantástico” da moderníssima literatura nacional (assunto para a colunista Thais Veloso), na qual se começa a pensar em várias reações possíveis no último dia do mundo. Como diz a sinopse: “abriria as portas do hospício” e todos deixariam aflorar seu lado maluco? Correria para a academia? Beberia todas com os amigos? Ou esqueceria a repressão da sociedade, tiraria a roupa e saia pelado? Tudo isso enquanto o mundo desaba sobre seus pés, sem qualquer saída.

O grande ponto fraco desse enredo é o fim, que, após tanta criatividade, caiu no clichê de terminar em carnaval, ao meu ver desnecessariamente. Alias, esse fim não mantém a ideia, não ao menos com o mesmo ímpeto, de todo o resto.

Claro, também não preciso dizer que os compositores da Mocidade irão comer o pão que o diabo amassou, como sempre quando se trata de Paulo Barros. Já não bastasse ser uma sinopse de musicalização um tanto quanto complicada, todos sabemos que Paulo Barros ainda adora engessar o máximo possível os poetas, os obrigando a abordar na letra vários trechos da sinopse, tal qual como está lá.

Nota: 9

Pitaco da safra: sambas ainda não foram divulgados.

Vila Isabel

Enredo: “O maestro brasileiro está na terra de Noel. A partitura em azul e branco, da nossa Vila Isabel”

Carnavalesco: Max Lopes

Autor da Sinopse: Marcos Roza

Após passar por problemas gigantescos no último Carnaval, a Vila Isabel finalmente tem como sua presidente aquela que merecia esse posto há muitos anos: Dona Beta. A situação da escola ainda é complicada, mas pelo menos ela parece estar unida e em paz novamente.

O enredo, em tese, será uma grande homenagem ao grande maestro brasileiro Isaac Karabtchesvky. Porém, em vez de fazer aquele enredo biográfico, a sinopse se limita a tentar encenar, de forma corrida até, um espetáculo sinfônico.

Na maior parte do tempo ela se limita a descrever inúmeros concertos, que agrupados da forma como estão, me parece serem os setores. Assim teríamos os setores das óperas, das composições de Villa-Lobos, das sinfonias, etc. Até que, lá no fim, quase que escondido, finalmente aparece o maior trabalho do maestro homenageado: o Projeto Aquarius.

São tantas as citações na sinopse que eu tenho fortes dúvidas se o maestro Karabtchesvky já regeu todas elas, o que tiraria o sentido da homenagem, mas não sou especialista na carreira dele. Ainda sim, uma sinopse bem melhor do que as duas últimas de Roza.

Obs: após a publicação da coluna, recebi a divisão setorial da Vila, que explica muita coisa, mas não justifica outras. Após uma introdução, o desfile passará pelas obras de Carlos Gomes e Villa-Lobos, influências artísticas do homenageado, mesmo que ele não tenha regido todas essas obras. Só após é que o desfile falará dos concertos em si, do balé, da ópera e finaliza com a popularização do erudito, parte na qual também entrará uma singela homenagem a Martinho da Vila. Isso explicaria o fato de que, pelo menos no início a sinopse, são retratadas algumas obras não regidas por Karabtchesvky. Por fim, não importa por qual motivo isso fora escanteado, uma homenagem ao maestro Isaac para ter argumentação sólida deveria dar ampla ressoância ao projeto mais importante de toda sua carreira, o Aquarius. Alias, boa parte das façanhas conseguidas pelo maestro na música erudita brasileira foi regendo obras para tal projeto, especialmente a “Sinfonia do mil” feita ao ar livre em 2006.

Nota: 8

Pitaco da safra: sem assinatura de Andre Diniz, toda atenção se voltou para o Tunico da Vila, bastante injustiçado nos últimos anos lá na terra de Noel. Porém, Tunico não acertou bem a mão. Em uma safra não muito boa, achei os sambas do Alexandre Valle e do Andre Mariz os dois melhores, com Tunico logo atrás.

20140303_034906Salgueiro

Enredo: Do fundo do quintal, sabores e saberes na Sapucaí

Carnavalescos: Renato Lage e Marcia Lávia

Autores da Sinopse: Renato Lage e Marcia Lávia

Finalmente eu elogio um enredo do Salgueiro. É uma prova que, mesmo patrocinado, um enredo pode ser bom.

Sobre a culinária mineira, inspirado no famoso livro de D. Lucinha “História da Arte da Cozinha mineira”, é um enredo que tocou no ponto certo: vai além de apenas apresentar os quitutes mineiros que todos já conhecem, mas busca na história de Minas e das minas de onde ela surgiu.

Daí é que surgiu a cozinha mineira e é por isso que ela mistura de tudo um pouco. Apesar de ser uma história conhecida da época das minas, não lembro dela ter sido contada em nenhuma escola de samba.

Dessa ligação historia-cozinha, o Salgueiro aproveita para falar da cultura mineira, afinal, copiando uma citação de Raul Lody usada na sinopse “”Depois do idioma, a comida é o mais importante elo entre o homem e a cultura”

É outra sinopse que comete apenas um pecadilho. Nesse caso é forçar a contribuição indígena, só para se utilizar do lugar comum da união das três raças no fim do enredo. Se ela existe, não ficou claro na sinopse, apesar de uma rápida pincelada logo no inicio.

Nota: 9

Pitaco da safra: logo quando o Salgueiro fez uma boa sinopse, a safra deu PT (e não é o partido político). Como entender?

Grande Rio

Enredo: ainda não divulgado

Carnavalesco: Fábio Ricardo

Autor da Sinopse:

Ultimamente dois boatos são os mais fortes sobre a escola de Caxias. O primeiro daria conta de uma reedição dos sambas de 1992 ou 1993; o segundo, mais recente, diz que a escola está negociando um enredo patrocinado sobre o SENAI. Mas o fato é que até o momento a escola nada divulgou oficialmente, ou seja, qualquer palpite parece prematuro.

[N.do.E.: pelo que conheço da escola, acho bem pouco provável que D. Zica e D. Neuma sejam retratadas no mesmo setor. A conferir. PM]

3 Replies to “Enredos e Suas Sinopses: Domingo”

  1. Boa noite. Como vai Rafael Rafic. Pelo jeito é conhecedor do meu trabalho. Só uma dívida? Quando diz que a sinopse da Vila para o Carnaval 2015, é melhor do que dois textos de sinopses anteriores… Quais textos se refere meu “caro”? Se for aos textos de sinopses da Vila 2013 e 2014, não são de minha autoria. Bom, de qualquer forma eu ESCREVO E DESENVOLVO ENREDOS HÁ 18 ANOS – com o título de primeiro pesquisador de enredos do Carnaval do Rio e fundador do mercado, que não existia. São mais de 200 enredos (sinopses, históricos, justificativas…) é certo que tenha lido. Como profissional qual é o enredo escrito por você? kk abraço.

  2. Prezado Marcos Roza,

    Inicialmente, bem vindo ao blog. Percebe-se pelo seu comentário que o senhor é um novo leitor da página e não leu as minhas colunas sobre enredos dos anos anteriores. Lendo-as, saberá que as duas sinopses anteriores a que me referi não eram Vila 2013 e 2014. Alias, a sinopse campeã da Vila em 2013 recebeu um sonoro elogio na coluna e está superior em alguns patamares em relação a sinopse do ano que vem da escola de Noel.

    Com certeza os dois trabalhos anteriores a que me referi foram Mangueira 2013 (Cuiabá) e Estácio de Sá 2014 (região portuária, em tema muito parecido com a da Portela).

    Não sou escritor profissional de sinopses, mas isso não é um pré-requisito para se opinar. Algum crítico de cinema é cineasta? Alias, não raro os maiores especialistas ou comentaristas de certas áreas nunca trabalharam com ela profissionalmente, isso em nada impede das opiniões deles serem mais respeitadas do que de qualquer outro profissional.

    Dou como exemplo a prof. Barbara Heliodora, apesar de nunca ter sido autora ou diretora de peças de Teatro suas colunas lendárias de críticas teatrais eram respeitadas e temidas pelos maiores atores, autores e diretores de teatro do Brasil.

    Além de Heliodora, posso citar aqui rapidamente outros três exemplos como João Saldanha (que até atuou pouco tempo no Botafogo, mas de forma medíocre) e Rubens Ewald Filho (que apenas escreveu novelas, não filmes, e parcas aparições como ator) e Eugênio Leal.

    Não escrevo sinopses e se me convidassem para tal, recusaria por não ter o tempo necessário para fazer o trabalho de pesquisa necessário, a não ser que eu já tenha um conhecimento prévio suficiente do tema.

    Mas mesmo se eu escrevesse enredos profissionalmente, eu nunca me orgulharia de escrever 11 enredos por ano porque não haveria tempo hábil para pesquisar minuciosamente todos os 11 temas com a profundidade necessária para se fazer uma boa, coerente e coesa sinopse. Ainda mais para uma escola do Grupo Especial que tem a longa extensão de 6 ou 7 setores e exige um texto mais trabalhado e amarrado. Isso se agrava quando se trata de enredo histórico ou biográfico, nos quais a pesquisa é ainda mais fundamental para uma boa argumentação.

Comments are closed.