O recente falecimento do cantor Jair Rodrigues (aliás, a meu juízo, o mais completo intérprete de nossa MPB) e a recente audição dos últimos dois CDs de estúdio de Chico Buarque me levaram a pensar algumas coisas, que desenvolvo neste artigo.

Os últimos CDs de Chico Buarque – a meu ver, ao lado de Paulo César Pinheiro, os únicos gênios vivos da música brasileira atual – são, claramente, obras “menores” em sua careira. “Carioca” e “Na Carreira”, entretanto, são melhores que 95% do que se faz em música no Brasil atualmente. Por quê?

A morte de Jair Rodrigues chama a atenção que a MPB está literalmente morrendo e não há substitutos. Chico, Caetano, Gil, Paulinho da Viola, Paulo Cesar Pinheiro, Toquinho e outros do mesmo naipe já ultrapassaram os 70 anos. E o mais assustador é que simplesmente não há quem possa herdar o legado e seguir o curso da história.

Há alguma coisa aqui e ali sendo feita, mas a verdade é quando estes gênios morrerem – e todos já têm idade avançada – a denominada MPB estará praticamente extinta. Pior: substituída por uma “música brasileira” extremamente descartável, praticamente um pastiche de diversos outros gêneros como o sertanejo, o funk e ainda o pagode.

Hoje a música de massa brasileira (exceção feita ao nicho do samba, que abordarei mais à frente) é algo claramente idiotizado. São melodias simples – mas animadas – e letras bastante simplórias, mal trabalhadas e para consumo rápido, imediato e massificado à exaustão. Os “artistas” tornaram-se absolutamente efêmeros, basicamente sanduíches fast food: uma embalagem bonitinha que vai logo para o lixo com um conteúdo que se consome rapidamente e se esquece logo depois. Mata a fome, mas não é algo muito nutritivo.

Este fenômeno pode ser explicado, a meu ver, pela troca no controle da manifestação cultural: antigamente eram os artistas e músicos que tinham o domínio, hoje a batuta (com o perdão do trocadilho) pertence a produtores e empresários. Isso torna mais fácil e rápida – além de lucrativa – a indústria da mídia musical. Estes controladores detêm o “monopólio” do acesso aos grandes veículos de massa, de modo que tudo passa por eles e estes ditam o que deve ser veiculado.

Quanto mais descartável, melhor.

http://www.youtube.com/watch?v=qtFBRJFN3p8

Obviamente não ignoro que música descartável existe desde que o mundo é mundo. Li recentemente o primeiro tomo da biografia de Frank Sinatra e na década de 1940 ele reclamava que estava sendo obrigado a cantas canções de qualidade bastante duvidosa. Contudo, o próprio Sinatra deu seguimento à sua longeva carreira trazendo ao grande público clássicos da canção, como o exemplo acima.

Isso acontecia porque todas as manifestações musicais tinham acesso ao grande público via rádio (primeiro) e televisão (depois). Voltando ao Brasil, não esqueçamos que boa parte do que consideramos hoje os “gênios” da MPB foi forjada no ambiente dos festivais da canção, que tinham transmissão pela televisão e alcançavam o grande público. Quem leu sobre o período sabe que, embora houvesse uma incipiente indústria de entretenimento baseada nos festivais, quem decidia o quê e como se produzia eram os artistas. Havia liberdade criativa.

Hoje em dia, com o controle nas mãos de produtores e empresários, quanto mais idiota, melhor. Tínhamos uma “Disparada” na década de 60 (aliás, a meu juízo a maior canção da MPB), hoje temos “Lepo Lepo”. De “Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei / Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo / E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando / As visões se clareando, até que um dia acordei” a “Do meu ranranranranranranran lepo lepo / É tão gostoso quando eu ranranranranranranran o lepo lepo”.

Hoje, somente a segunda tem acesso aos meios de comunicação de massa. Qualquer um pode ser cantor ou compositor: basta que tenha uma carinha bonitinha e seja capaz de juntar palavras sem sentido como “oh oh sidra sidra / o meu tchurerê tchurerê” ou coisas semelhantes.

Definindo em uma palavra, o que houve foi uma mercantilização da arte e da música. A expressão musical a serviço da maximização de lucros, em fenômeno, aliás, visto em outras áreas da atividade humana. Seria tentador chamar de “neoliberalismo musical”, mas não farei este reducionismo simplório.

O mais importante é gerar o máximo de lucro no menor espaço de tempo possível. Depois jogar fora – como uma embalagem de Big Mac – e buscar outro “artista” a fim de repetir o ciclo. A indústria não pode esperar a inspiração.

Só que a consequência disso é que no máximo em 20 anos a música brasileira em sua totalidade irá se resumir a estas fórmulas prontas, pasteurizadas e idiotizantes com uma melodia animadinha – e simplória.

E ao samba.

Chega a ser curioso o que ocorre com o ritmo brasileiro mais conhecido no mundo atualmente. Ao contrário de outros gêneros como o sertanejo ou mesmo o axé e o funk, que se diluíram nesta expressão mercantilizada, o samba soube se renovar encontrando um caminho interessante: bebendo na fonte dos antigos, mas dando espaço para o surgimento de novos valores.

Além disso, nas últimas duas décadas sambistas da antiga finalmente obtiveram maior espaço e até alguns deles conseguem viver hoje exclusivamente da música, algo que era impensável décadas atrás. De “primo pobre” da MPB a bastião da resistência.

O samba vem atraindo novos consumidores, vem renovando seus artistas e compositores e, embora seja claramente um nicho, conseguiu se estabelecer dentro do mercado de maneira sustentável – e, até, pelos flancos, alcançando a grande mídia.

Inclusive o samba-enredo,que vinha em uma decadência forte nos anos 90 e início deste milênio, vem em franco processo de recuperação. Belas composições vem surgindo especialmente de 2010 para cá (apesar de um espasmo em 2007) e ainda que muitas vezes engessados pelas sinopses dos carnavalescos os compositores podem criar obras primas como os sambas de Portela e Vila Isabel de 2012 e 2013. Além de ótimos sambas apresentados por Imperatriz, Salgueiro, Acadêmicos do Cubango e outras agremiações nos últimos anos.

O leitor duvida? Compare a safra de 2014 com a de 2004, 10 anos antes. A diferença de qualidade é notória. Vale a audição.

Retomando o tema, vale dizer também que a conivência de formadores de opinião e apresentadores com este modelo massificador também contribui para isso. É muito bonito lamentar a morte de Jair Rodrigues, como um destes famosos âncoras fez em uma rede social, mas quantas vezes o dito cujo levou o cantor a seu programa? Pois é.

Sabemos que eles fazem parte de toda uma máquina de entretenimento, lubrificada por dezenas de milhões de reais, mas pelo menos poderiam ficar quietos e não dar demonstrações de hipocrisia explícita.

Bom, leitores, o quadro é este. O último a ser enterrado desligue o som.

One Reply to “A Música Brasileira está (literalmente) morrendo”

  1. Bem, eu sabia que ia discordar.
    1- Música Brasileira e MPB não são necessariamente sinônimos;
    2- A música brasileira não morre, muda de forma;
    3- Graças a Deus que não se faz mais música como antigamente;

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