Semana passada, minha analista me perguntou no decorrer da sessão como havia caminhado no samba até chegar ao estágio atual. Por outro lado, a coluna do último domingo do Aloísio Villar também me motivou a contar um pouquinho de como me envolvi com as escolas de samba e o próprio carnaval.

Por mais incrível quanto pareça, eu, Pedro Migão, detesto carnaval.

Sim, leitor, isso mesmo que você está lendo. Não espere me ver em blocos, bailes ou coisa parecida. Muito menos em Salvador, cidade que adoro – mas da qual o axé music e a muvuca das ruas me afastam nesta época do ano. Até tenho curiosidade de um dia ir a Olinda, mas como um espectador quase sociológico da festa, se me permitem o pernosticismo.

73432_327644800690060_754149472_nPode parecer estranho, mas sou apaixonado pelas escolas de samba do Rio de Janeiro, não por carnaval. Nada mais me interessa do que estar na Sapucaí ou na Intendente assistindo às nossas agremiações e desfilando. Pode parecer contraditório, mas não é – outras manifestações carnavalescas não me interessam.

Meu pai, imperiano, me despertou o interesse pelas escolas. No fim dos anos 70 e início dos 80, o desfile das grandes escolas era apenas no domingo de Carnaval, e a quadra do Império Serrano, em Madureira (perto de onde nasci e fui criado) ficava aberta às segundas, com muita gente e a bateria tocando de tempos em tempos. São as lembranças mais precoces que tenho, porque jogar bola na quadra do Arrastão de Cascadura, como eu fazia, não era exatamente uma manifestação carnavalesca.

Aos poucos fui me interessando pelos desfiles e especialmente pelos sambas, enquanto crescia. Assistia aos desfiles pela televisão, embora quase sempre não conseguia ficar acordado – foi no domingo de 1985 que consegui assistir pela primeira vez aos desfiles de ponta a ponta. Minha mãe torce pela Mangueira, embora gostasse de ver os desfiles da Beija Flor – que era a grande novidade naqueles tempos.

Mas, curiosamente, não me decidia por uma escola do coração, embora tivesse carinho tanto pelo Império Serrano como pelo Arrastão de Cascadura – e posteriormente desenvolveria afeição especial pela União da Ilha, do bairro onde resido atualmente. A única coisa que sabia é que queria adotar uma agremiação da área onde fui criado para torcer. O leitor verá no decorrer do texto que não me tornei imperiano sabe-se lá porquê, pois até pelo menos 1999 era a escola com a qual tinha maior ligação orgânica. O curioso é que meu pai, que detestava a Portela, hoje torce mais por ela que pelo Império por minha causa, da minha paixão pela Águia.

Em 1989, já adolescente, me descobri portelense ao ver a águia irromper na avenida. Pelo menos assim é a lembrança que guardo, mas muito tempo depois compreendi que não somos nós que escolhemos a “Majestade do Samba”: é a águia que nos escolhe. Cada portelense é honrado por representar a tradição elegante de Paulo.20140123_192351No mesmo ano teria meu primeiro contato com o carnaval. Tinha um amigo no Colégio Pedro II que era filho do então carnavalesco da Mangueira, e fui convidado a assistir ao desfile de 1990 com ele e a família, no antigo Setor 4 – hoje 10. Foi inesquecível, apesar da quebra do carro que inutilizou o desfile da escola exatamente à nossa frente. Curiosamente, vi apenas o início do desfile da Portela, pois a mãe do Bruno quis ir embora.

Fiquei mais cinco anos acompanhando pela televisão. Sofri com a Portela e o Arrastão em 1995, com o título e a vaga no Especial escapando por meio ponto. Xinguei os jurados de 1991, quando a Portela saiu favorita da avenida e após as notas sequer retornava ao sábado das campeãs. Curti em 92 a descoberta tardia de que meu avô Grimaldo (que, aliás, completaria 92 anos hoje caso estivesse vivo) também era portelense, embora à distância, ao assistirmos ao desfile juntos.

Até que em 96 Ernesto do Nascimento, o pai de meu amigo Bruno, retornou ao seu Império Serrano de coração com um enredo de impacto: uma homenagem ao grande Herbert de Souza, o Betinho. Já mais velho, ganhei uma carteirinha dele que me permitia entrar nos ensaios sem pagar, ficando sempre em um dos camarotes da quadra. Perdi a mesma, mas foi até melhor dada a foto que está lá…Inocentes_Migão

Acompanhei a preparação daquele carnaval de perto, tendo ainda o privilégio de estar na quadra a única vez em que Betinho visitou-a. Não desfilei porque a princípio iria viajar no Carnaval: estava com uma paquera na cidade de Santos e pretendia passar o carnaval lá com ela. Só que deu errado e estávamos os dois, eu e o Bruno, novamente no antigo Setor 4. Era minha volta à Sapucaí.

Em 1997 retornei e fui ao desespero com o boicote da bateria ao mestre Paulinho Botelho. Eu cantava o samba e chorava com a bateria tocando toda errada de propósito. Não fui em 98 por causa da namorada “mala” que tinha à época, em 99 por estar sem grana e em 2000 porque estava começando a namorar a minha hoje esposa e resolvi viajar.

Voltando um pouco no tempo, o curioso é que, à exceção de um breve espasmo no pré-Carnaval de 95, eu jamais havia pisado o Solo Sagrado da Rua Clara Nunes. Não conhecia ninguém na escola e simplesmente não ia. Isso mudaria a partir do pré-Carnaval de 2000, quando comecei a participar de listas de discussão sobre as escolas de samba por e-mail – a saudosa Academia do Samba – e me enturmei com o grupo de portelenses participantes.

Especial 2011 - Segunda 002Houve, neste momento, um claro ponto de inflexão: passei a participar ativamente do carnaval. Seja como desfilante – a partir de 2001, seja como membro do grupo e site PortelaWeb (entre 2000 e 2004, o oficial da Portela), posteriormente como sócio da escola. Deixamos de ser o site oficial quando houve a troca de comando em 2004, tive minha inscrição para sócio negada em 2005 e finalmente aceita em 2007. Tenho quase 40 desfiles desde 2001 (já contando 2014), três títulos do Grupo de Acesso (2004 com a Vila Isabel, 2009 com a União da Ilha e 2011 com a Renascer de Jacarepaguá) e duas idas ao Desfile das Campeãs pela Portela (2009/12).

Vila3Neste meio tempo, voltei a acompanhar o Império Serrano de perto, com o retorno de Ernesto ao posto de carnavalesco entre 2001 e 2003. Em 2004, quando de seu falecimento, fui eu quem negociei com a família e a diretoria da saudosa Neide Dominicina seu velório e sepultamento. Curiosamente, só iria desfilar a primeira vez pela escola da Serrinha em 2010, repetindo a dose em 2012 e 2013 – neste caso, auxiliando na Harmonia depois que uma camisa de diretoria parou em minhas mãos. Outro orgulho que tenho é ter desfilado na histórica Ala de Compositores da União da Ilha em 2011/12, só não repetindo a dose este ano por estar na Diretoria da Portela.20130209_233910

Passei pela bateria da Portela em 2004, vivi intensamente a tragédia de 2005 e depois me afastaria um pouco da rotina diária da Águia devido ao nascimento de minhas filhas, mas sem me afastar do samba. Com a parceria do Aloisio Villar ganhei cinco sambas na Acadêmicos do Dendê (2007/08/10/12/14), mas assumo que não escrevo uma linha: minha função na parceria é auxiliar nos gastos. Mas no modelo atual quem ajuda nas despesas é tão autor quanto quem realmente escreve, o que não deixa de ser uma distorção do sistema.

Também fui Diretor de Planejamento do Boi da Ilha na gestão Cadu Zugliani, oficialmente entre 2007 e 2010, mas na prática até o fim de 2008. Naquela experiência de ajudar a gerir uma escola então do terceiro grupo, com todas as dificuldades da falta de verba e de estrutura, aprendi muita coisa que está me sendo útil agora.

adriani acesso b 2Até chegar ao momento em que passei a escrever uma nota de pé de página na história da Portela, primeiro como integrante (embora com atuação bastante discreta) do grupo político que se organizou dois anos para vencer as eleições, segundo como integrante do Conselho Fiscal para o triênio 2013/16. Quando adolescente dizia em tom de brincadeira que gostaria de um dia ser presidente da escola, mas “à vera” jamais havia pensado em me envolver na política/gestão da agremiação. Entretanto, a situação da escola se tornou tão crítica na (falta de) gestão anterior que, com o perdão do chavão, ou os portelenses de bem se uniam para salvar enquanto era tempo ou a Majestade do Samba iria para o buraco de vez.

Admito que tive de “peitar” tanto minha mãe como minha mulher para poder participar deste processo – e agradeço à paciência das duas, em público, mas tenho consciência que cada um que auxiliou nesta vitória e neste processo de reconstrução fez história. Exerço uma função consultiva hoje, mas consciente que o processo de estruturação de gestão que estamos empreendendo não somente pode traçar um novo caminho às escolas como um todo como permite aos verdadeiros artistas brilharem. Além disso aprendi algumas coisas que trouxe para minha vida profissional.

Confesso aos leitores: minha ficha só caiu quando vi a escola armada no ensaio técnico do último dia 15. Saber que tem um pouco do teu trabalho ali, mesmo que uma parcela mínima, me deu uma emoção e uma alegria imensas, que poucas vezes vivi em minha vida. Mas não vaidade – parafraseando o ex-jogador do Flamengo Ronaldo Angelim, “minha vaidade é ver a Portela bonita na avenida”.432319_165670320217876_635619193_n

Sei que a emoção será muito forte quando a Portela pisar na avenida na madrugada da terça feira de Carnaval. Emoção por ver a Portela retornando ao lugar de onde nunca deveria ter saído, emoção por ter ajudado modestamente no processo, alegria por poder desfrutar de momentos que jamais imaginei desfrutar. Como um soldado, estarei ajudando na Harmonia de alas, envergando orgulhosamente o terno e a gravata. E, leitores, tenham certeza de uma coisa: o presidente Serginho Procópio, o vice presidente Marcos Falcon, Felipe, Vanderson, Luiz Carlos Bruno, Alexandre Louzada, Fábio Pavão, Paulo Renato Vaz, Pedro Farias e outros que estão no dia a dia são guerreiros que devem ser aplaudidos.

20131019_190008Costumo dizer que estou conselheiro, não sou conselheiro. Um dia volto a ser o que sempre fui: um folião apaixonado pelas escolas de samba, enlevado pela minha Portela e que se dedica a viver a festa o ano inteiro. Provavelmente sucedido pela Ana Luisa, minha mais nova, que parece levar jeito para a coisa.

E vamos brincar carnaval!

P.S. – Escolas em que desfilei:

Portela: 11 (2001/05 e 2009/14);
Boi da Ilha: 05 (2006/10);
União da Ilha: 04 (2008/09/11/12);
União de Jacarepaguá: 03 (2004/05/09);
Império Serrano: 03 (2010/12/13);
Renascer de Jacarepaguá: 03 (2011/13/14);
Paraíso do Tuiuti: 02 (2001/04);
Caprichosos de Pilares: 01 (2011);
Unidos do Viradouro: 01 (2004);
Unidos de Vila Isabel: 01 (2004);
Inocentes da Baixada: 01 (2004);
Vizinha Faladeira: 01 (2008);
Tradição: 01 (2004);
Unidos da Ponte: 01 (2002);
União de Vaz Lobo: 01 (2001);
Desfiles no Acesso: 24
Desfiles no Especial: 15;
 

Fotos na sequência: Sapucaí 2013, Portela mesmo ano, sala da vice presidência no barracão da Portela 2014, Inocentes 2004, União da Ilha 2011, Vila Isabel 2004, Império Serrano 2013, Boi da Ilha 2010 e Portela 2012.

5 Replies to “Minha Vida no Carnaval”

  1. Belo relato, Migão. Eu também quero fazer o meu, mas não consigo ter este poder de síntese e acabo ficando com preguiça de escrever muito, hehe. Eu também acompanhava pela TV, depois fui à Sapucaí, mas minha paixão se elevou graças à Internet, quando conheci o Galeria do Samba (apenas lia) e o finado fórum Conversa de Avenida, do qual participava, a partir do pós-Carnaval 2007.

    Torço muito pelo sucesso de vocês na Portela.

    P.S.: Não sei se cabe a pergunta aqui, espero que não tenha sido algum fato triste para você, mas enfim: pode falar por que não desfilou na Portela em 2008?

  2. Bacana Migão, uma trajetória vitoriosa que espero que conte comum belo desfile portelense esse ano para o currículo. Não sou torcedor da Portela, mas esse ano tenho um pouco de torcida por ela pelo carinho que fui recebido.

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