Nesta segunda-feira, a 14ª coluna da série Sambódromo em Trinta Atos, do jornalista Fred Sabino, nos leva de volta ao desfile de 1997, que teve a grande vitória da Unidos do Viradouro, no que seria o último título do inesquecível carnavalesco Joãozinho Trinta.

1997: Das trevas deu-se o big bang da Viradouro

As expectativas para o desfile das escolas de samba para 1997 não eram das melhores. Duas mudanças no regulamento não caíram bem e contribuíram para tirar um pouco do brilho da festa, sem contar que diversas agremiações atravessavam crises internas.

Para começar, a Liesa aceitou finalmente que temas de origem estrangeira pudessem ser abordados num desfile. Sempre fui contra proibições arbitrárias, mas neste caso achei a “abertura” desnecessária, já que a nossa cultura tem tanta coisa a ser mostrada num desfile, que é quase uma obrigação as nossas escolas desfilarem com enredos nacionais.

Além disso, sob a alegação de se equilibrar as forças nos desfiles e de conter gastos, as escolas foram limitadas a desfilarem com oito alegorias no máximo. A meu ver, isso não mudou nada na questão da divisão de forças, pois as escolas com mais recursos gastaram mais em outras coisas enquanto as agremiações menos favorecidas economicamente seguiram limitadas. E, com todas as escolas praticamente desfilando com o mesmo número de alegorias, convenhamos, a divisão física das escolas na avenida acabou repetitiva.

Por outro lado, com o rebaixamento de quatro escolas em 1996, o número de agremiações caiu para 16, o que deixaria o desfile mais dinâmico. Depois esse número chegaria até 12 nos dias de hoje, o que acho pouco – para mim, 14 é o ideal.

Para piorar, a safra de sambas era das piores em muitos anos, com poucas obras chamando realmente a atenção e nenhuma daquelas tidas como antológicas. Claro que ajudou também o fato de que os enredos não eram dos mais instigantes e criativos na sua maioria.

Uma das escolas que se salvava e prometia um grande desfile era a campeã Mocidade Independente de Padre Miguel. O carnavalesco Renato Lage apostou num enredo sobre o corpo humano e o prenúncio era o de mais um show de high tech nas alegorias. O samba era também considerado um dos que se destacava em meio ao fraco nível daquele ano.

Mordida com a derrota de 1996, a Imperatriz Leopoldinense de Rosa Magalhães escolheu como enredo a compositora e pianista Chiquinha Gonzaga. O samba era inferior em relação ao que a escola vinha produzindo, mas esperava-se, como sempre, mais uma apresentação de requinte da Rainha de Ramos.

Depois do denso enredo do ano anterior, a Beija-Flor escolheu um tema bem mais leve: o do universo das festas. A ideia foi do então jovem estudante Fernando Mello, que enviou carta ao carnavalesco Milton Cunha. Este gostou e desenvolveu o enredo. Mas o samba não era lá essas coisas.

Também não teria um samba de melhor qualidade a Estação Primeira de Mangueira. O enredo seria sobre a história das Olimpíadas, já que o Rio era candidato à sede dos Jogos de 2004 e havia muita expectativa na cidade sobre a escolha da sede, o que aconteceria pouco depois do Carnaval – Atenas seria escolhida.

Duas escolas escolheram temas parecidos: Salgueiro e Porto da Pedra levariam para a avenida a loucura. A expectativa era sobre como cada escola desenvolveria seu enredo, já que a abordagem da escola de São Gonçalo prometia ser mais sobre personagens famosos que enlouqueceram enquanto a salgueirense prometia ser mais densa.

No entanto, louco de verdade parecia o Império Serrano, que, depois de um desfile inesquecível em 1996 que remeteu aos seus melhores momentos, decidiu homenagear Beto Carrero no aniversário de 50 anos da agremiação. Nada contra o personagem, mas era um consenso de que o Império deveria ter aproveitado a ocasião para ter um enredo mais tradicional, com a cara da escola, ou que a própria agremiação fosse homenageada. O samba de Arlindo Cruz e parceiros, embora de boa melodia, tinha uma letra coloquial “graças” ao tema.

Por outro lado, a Unidos de Vila Isabel optou por um tema mais tradicional: “Não deixe o samba morrer”, cujo título deixava bem claro o que a escola se propunha a apresentar. Já a Portela escolheu homenagear Olinda e suas particularidades como o frevo e as tradições locais.

Quem tentava se recuperar era a Unidos do Viradouro, com um enredo desenvolvido por Joãozinho Trinta sobre o surgimento do universo e o desenvolvimento do homem. Infelizmente o carnavalesco teve uma isquemia meses antes do Carnaval, mas isso não prejudicou a preparação da escola. A novidade na Viradouro era a chegada do grande cantor Dominguinhos do Estácio.

Já Acadêmicos do Grande Rio escolheu como enredo a história da estrada de ferro Madeira-Mamoré em Rondônia e, apesar do tema não ser tão popular assim, o samba era o melhor do ano tecnicamente. A União da Ilha também faria um enredo que remetia ao começo do século: a revitalização do Rio promovida pelo prefeito Pereira Passos.

Um enredo de mais fácil leitura teria a Unidos da Tijuca, que falaria sobre o Jardim Botânico do Rio. Já a Estácio de Sá, envolta numa gigantesca crise e sem quadra, tentaria contar a história do perfume.

As escolas promovidas do Acesso para 1997 eram a Acadêmicos de Santa Cruz, que levaria para a Sapucaí um enredo sobre as bandeiras, e a Acadêmicos da Rocinha, que, aproveitando o novo regulamento, teria como tema a Disney World e as criações de Walt Disney.

OS DESFILES

A Rocinha contou com ajuda financeira da Disney para o enredo “A Viagem Fantástica de Zé Carioca a Disney”, mas não fez uma boa estreia na elite. A despeito de as fantasias terem bom acabamento, as alegorias não foram lá muito criativas e praticamente se limitaram a reproduzir as atrações do parque, sem nada de excepcional.

O samba-enredo era fraco, com direito a um criticadíssimo trecho “Mickey Mouse e sua namorada / Formam um casal feliz / Pluto e Pateta fazendo gargalhada / A garotada pede bis”, e nem a boa bateria fez milagre.

Segunda a desfilar, a Unidos da Tijuca entrou multicolorida na passarela para simbolizar as inúmeras espécies de árvores, plantas e flores do Jardim Botânico. A escola contou a história de um dos símbolos do Rio desde os tempos de D.João VI até os anos em que Tom Jobim fez do Jardim Botânico sua segunda casa.

Foi uma apresentação apenas correta, sem grande brilho, até porque o samba-enredo, como muitos da insossa safra de 1997, não empolgou. Pelo menos aparentemente não havia risco de rebaixamento.

portodapedra1997Depois da excelente estreia no Grupo Especial em 1996, a Unidos do Porto da Pedra chegou cercada de boas expectativas. E a escola de São Gonçalo excedeu o que dela já se esperava ao fazer o que seria uma das melhores apresentações do ano. O carnavalesco Mauro Quintaes caprichou na concepção do enredo “No Reino da Folia, cada louco com sua mania”, sobre os loucos mais famosos da história.

Antes do desfile, houve grande apreensão porque as fantasias da bateria e das baianas não chegavam à concentração. Mas, em cima da hora, os figurinos chegaram e todos se vestiram às pressas para entrarem com garra na Sapucaí. O samba defendido pelo excelente cantor Wantuir era contagiante e a harmonia da escola esteve muito boa, acompanhada pela boa bateria.

A concepção alegórica, a despeito de não ser luxuosa, estava muito criativa e tudo estava bem acabado. Gostei muito do abre-alas, com o tigre, símbolo da escola, ladeado por um Portal da Loucura. Loucos como Napoleão (este representado pelos integrantes da comissão de frente), D.Maria Louca, Dom Quixote de la Mancha e Nijinsky fizeram parte do desfile, assim como o Menino Maluquinho, personagem do grande Ziraldo. O “Maluco Beleza” Raul Seixas não poderia ficar fora do desfile e foi representado por uma alegoria.

Foi sem dúvida o melhor desfile até aquele momento e a Vermelho e Branco parecia se consolidar como uma das escolas emergentes do Grupo Especial, não só pensando em fugir das últimas posições como tentando galgar colocações bem mais acima.

Já o grande Império Serrano, ainda triste com a morte do lendário Mestre Fuleiro, passou longe, mas bem longe, de repetir a emocionante apresentação de 1996. As expectativas pessimistas a respeito do enredo patrocinado sobre Beto Carrero se confirmaram e o público não cantou o samba, apesar de mais uma excepcional atuação da cadenciada e afinada bateria.

Esperava-se ao menos que visualmente alguma coisa fosse surpreendente, mas a escola foi muito irregular. No cinquentenário da Verde e Branco, as homenagens foram poucas, e restritas apenas ao começo do desfile, que depois passou para a reverência ao homenageado.

O Império passeou pelas atrações do parque construído por Beto Carrero, que desfilou no último carro. Problemas de evolução e harmonia comprometeram de vez o desfile. Um ano para os imperianos esquecerem.

Já a Grande Rio entrou na pista com um belo samba e boas possibilidades. Mas também fez uma apresentação de altos e baixos. Os carros alegóricos concebidos pelo carnavalesco Alexandre Louzada foram bonitos e renderam belo efeito, assim como as fantasias, que mesclavam bem o vermelho, verde e branco da escola com outras cores.

O problema é que o enredo, apesar de bem desenvolvido, não era dos mais empolgantes, apesar das histórias de dificuldades dos operários nas obras e das riquezas naturais encontradas nos mais de 300 quilômetros da estrada. Afinal, a construção de uma ferrovia na Região Norte, no começo do século XX, convenhamos, era difícil de carnavalizar.

Para piorar, a agremiação, que desfilou com 4 mil componentes, teve dificuldades de evolução e quase estourou os 80 minutos regulamentares de desfile, sem contar que ainda enfrentou problemas de dispersão. Um desfile bonito, mas frio, até porque o samba, embora muito bonito, estava longe de ser explosivo.

Mangueira97Já a Estação Primeira de Mangueira fez uma boa apresentação ao contar a história das Olimpíadas no ano em que o Rio tentava ser eleito sede dos Jogos de sete anos depois. O carnavalesco Oswaldo Jardim dividiu a escola em duas partes: a primeira, sobre as Olimpíadas da Antiguidade, enquanto a segunda trataria dos Jogos como conhecemos hoje em dia.

Apesar do samba limitado, como sempre as atuações do inigualável Jamelão e da bateria do mestre Alcir Explosão conseguiram empolgar público e componentes – certa vez, Sérgio Cabral, o pai, afirmou que a Mangueira tinha o poder de transformar sambas fracos em sinfonias de Beethoven na avenida, e em 1997 essa máxima funcionou.

Apesar de uma comissão de frente sem brilho, a Mangueira começou muito bem o desfile, com um abre-alas levando seus baluartes cercados por colunas gregas, um gigantesco cavalo alado e o surdo ladeado por ramos de ouro, o símbolo da escola. Gostei muito das primeiras alas e alegorias, sobretudo a chamada “O Olimpo”, com lindas esculturas em espuma, uma das marcas registradas do saudoso carnavalesco.

Já a concepção visual da parte moderna das Olimpíadas esteve aquém. Inclusive o carro que levava diversos atletas famosos dos anos 90 teve problemas de iluminação. De qualquer forma, o enredo, que ainda abordou o projeto social esportivo da comunidade, continuou sendo bem contado até o fim do desfile, que teve alguns descompassos na evolução pelo grande contingente.

Com boas fantasias, que respeitavam as cores da escola, e uma excelente harmonia do começo ao fim, a Mangueira se credenciou a brigar pelas primeiras colocações, mas ficou a impressão de que o sonho do título mais uma vez seria adiado. Mas a Verde e Rosa, comandada pelo presidente Elmo José dos Santos, estava encorpando. Era o “Muda, Mangueira” tendo resultado.

A Imperatriz Leopoldinense fez mais uma boa exibição com o enredo sobre Chiquinha Gonzaga, com fantasias e alegorias maravilhosamente bem concebidas por Rosa Magalhães.

Um dos pontos altos, como sempre, foi a comissão de frente, que voltou a brilhar com os componentes fazendo lindas coreografias com as capas das fantasias, que, quando abertas, representavam teclados de pianos.

Mas a Imperatriz acabou tendo pequenos problemas que comprometeriam a briga pela vitória. Um deles era o samba, que embora correto, passou sem empolgar o público e os componentes. E, o mais grave, dois carros quebraram durante o desfile, o que complicou a parte final da apresentação. Pena.

Já com o sol raiando, o Salgueiro encerrou o primeiro dia de desfiles com um enredo parecido com o da Porto da Pedra, mas com outro viés sobre os loucos: a ideia do carnavalesco Mário Borriello era mostrar como a loucura influenciava na criação de grandes artistas.

Mas o enredo – embora visualmente a escola não tenha ido mal – não foi de tão fácil assimilação pois a escola adotou uma temática mais pesada e não tão direta como a da Porto da Pedra. Num confronto direto, digamos, a escola de São Gonçalo levou vantagem em tudo.

Por isso mesmo, ao contrário de outros anos, o Salgueiro fez uma apresentação fria para o público, até porque o samba também não era dos melhores. Só mesmo a bateria do Mestre Louro e os componentes, com incrível empolgação, para levantarem o desfile.

De volta ao Grupo Especial, a Acadêmicos de Santa Cruz levou para o sambódromo um enredo sobre as bandeiras e fez uma passagem muito irregular. O começo foi promissor, com boas fantasias, mas do meio para o fim do desfile, o conjunto visual deixou a desejar.

O samba-enredo também não era dos melhores e nem a boa atuação do carro de som e da bateria o salvaram. Diante disso, o risco de rebaixamento existia, embora num conjunto a Santa Cruz tenha passado melhor do que a Rocinha, a primeira de domingo.

Viradouro97aDepois de uma apresentação desastrosa em 1996, Joãozinho Trinta prometia reagir com a Viradouro, com o enredo “Trevas! Luz! A Explosão do Universo”. No começo pensava-se que o tema seria complicado demais, mas João 30 acertou no desenvolvimento, proporcionando uma brilhante e inesquecível apresentação.

O desfile começou com uma bela comissão de frente que representava os átomos antes do big bang que deu origem ao universo, e foi sucedida por um abre-alas totalmente preto (foto acima), simbolizando “As Trevas”.

Viradouro97bEm seguida, numa antítese do primeiro carro, a segunda alegoria era denominada “A Luz”, enquanto a terceira era chamada “A Terra” (foto) e representava o globo em altíssima temperatura, ainda em coloração avermelhada, diferente da qual conhecemos hoje.

Na sequência do desfile, Joãozinho Trinta mostrou os elementos água, fogo, terra e ar, sempre com fantasias de coloração forte, como cada momento pedia, e alegorias de excelente efeito. Gostei muito do carro “O Fogo”, que reproduzia chamas de dragões por intermédio de lâminas em movimento. Outro destaque do desfile foi a ala das baianas, com uma roupa toda clara representando “Seres de Luz”.

No entanto, se visualmente a Viradouro já causava grande impacto, o samba-enredo, que não era tão poético, mas sem dúvida de um balanço irresistível, foi o grande fator para conquistar o público e contagiar todos os componentes, que tiveram ótima harmonia. Mesmo com expressões como “big bang”, a letra do samba permitia um canto fácil ao desfilante.

mestrejorjaoMas a bateria do Mestre Jorjão (foto) foi o elemento (com o perdão do trocadilho) que causou a grande repercussão daquele desfile. Isso porque, além da ótima cadência dada ao samba, a bateria inovou com uma paradinha em ritmo funk, levando o público ao delírio. Pro meu gosto, samba é samba e funk é funk. Mas inegavelmente a execução foi perfeita e rendeu excelente efeito ao já quente desfile.

A despeito de pequenos descompassos de evolução do meio para o fim, a Viradouro encerrou o desfile com a alegoria “Explosão de alegria”, numa mensagem otimista sobre o futuro. Uma síntese perfeita do que foi a melhor e mais empolgante apresentação daquele irregular Carnaval de 1997.

Já a apresentação da União da Ilha pode ser definida como uma explosão de nervos. A começar pelo destempero do presidente Jorge Gazelle ao ver alegorias e fantasias incompletas ainda na concentração. Ele não poupou o carnavalesco Roberto Szaniecki e anunciou sua demissão antes mesmo da escola começar o desfile em inflamadas entrevistas a rádios e televisões.

Foi um desfile irregular, bem sintomático daquele ano, com um enredo (“Cidade Maravilhosa, o sonho de Pereira Passos”) sobre as obras que transformaram o Rio de Janeiro no começo do século. Havia potencial para uma boa apresentação e alguns setores eram bem interessantes, como o que retratava a Belle Époque, mas ficou uma sensação de que tudo poderia ter sido melhor.

O samba da Ilha também não remetia às características de leveza da escola, pois era muito longo e não tinha explosão. As fantasias também não eram leves e os componentes não evoluíram à altura das tradições insulanas de empolgação. O desfile foi tão frio, que a harmonia da escola teve de segurar o último carro alegórico por alguns minutos para que a escola cumprisse o tempo mínimo de desfile.

Outra querida escola que teve um desfile para esquecer foi o Estácio de Sá. Sem quadra e com poucos recursos, a Vermelho e Branco sofreu muito para colocar o carnaval na rua. Mesmo com o grande carnavalesco Max Lopes, não foi possível a escola reeditar seus grandes momentos com o enredo “Através da Fumaça, o Mágico Cheiro do Carnaval”, sobre o perfume.

A emoção dos componentes por terem ao menos conseguido chegar à Sapucaí foi contagiante no começo do desfile e muitos choraram. Um deles foi Mestre Ciça, que se despediria da escola naquele ano. A bateria, aliás, foi o ponto alto da Estácio, com ótimas paradinhas e coreografias dos ritmistas. Com uma garra comovente, os componentes fizeram de tudo, mas os problemas estruturais da escola eram visíveis.

Mocidade_97Por outro lado, quem brilhou foi a campeã Mocidade Indepedente de Padre Miguel. O enredo “De corpo e alma na Avenida”, do carnavalesco Renato Lage, cumpriu o que se esperava na avenida. Mais uma vez a Mocidade brindou o público com alegorias muito criativas e no melhor estilo high tech de Renato.

A comissão de frente representava homens-peixe e a vida sob a terra, já que, como lembrava Renato Lage, mais de 70% do corpo humano são formados por água. A seguir, o carro abre-alas simbolizava a célula-mater e era espetacular, apesar de a iluminação ter falhado.

Mas sem dúvida a alegoria que mais chamou a atenção foi a do coração (foto acima), cujos efeitos especiais em neon vermelho funcionaram maravilhosamente bem, numa representação incrível da circulação cardíaca, mesclada a uma engrenagem. Brilhante!

Nos quesitos de pista, o ponto alto foi a maravilhosa bateria do saudoso Mestre Coé, com um andamento espetacular – naquela época, apesar de algumas baterias já estarem aceleradas, muitas ainda mantinham a cadência de verdade que um samba exige.

O samba-enredo era dos melhores do ano (ganhou o Estandarte de Ouro) e foi maravilhosamente defendido por Wander Pires (que também seria agraciado por “O Globo”).

O único senão da Mocidade foi a evolução acelerada, tanto que a escola, a exemplo da Ilha, teve de segurar as últimas alas para não passar abaixo dos 65 minutos mínimos exigidos. De qualquer forma, a escola foi recebida na Apoteose sob os gritos de campeã e prometia disputar o título com a Viradouro – a meu ver a escola de Niterói foi ligeiramente melhor no conjunto da obra.

Um grande atraso marcou a entrada da maior campeã do Carnaval carioca, a Portela. Devido a problemas na dispersão da Mocidade, o brilhante cantor Rixxa precisou gastar o vozeirão dele cantando vários (e lindos) sambas de esquenta antes do desfile – o gênio Paulinho da Viola deu uma palhinha em “Foi um rio que passou em minha vida”.

Lamentavelmente o esquenta foi o que de melhor aconteceu na noite portelense. Logo de cara, uma das garras da águia do abre-alas apareceu quebrada e tentou-se consertá-la desesperadamente já no início do desfile sobre Olinda.

Com um conjunto alegórico inferior ao de outras escolas, um samba limitado (apesar do upgrade normal dado por Rixxa), além de problemas de evolução e (pasmem) de bateria, a Portela passou longe de deixar uma grande impressão. E, tratando-se da Portela, isso é sempre triste, independentemente da escola pela qual torcemos.

Outra agremiação que decepcionou foi a Beija-Flor, que fez (ou tentou fazer) um passeio por festas conhecidas, como Réveillon, Natal, São João, Páscoa, Haloween (um exagero a meu ver, já que havia outras festas melhores e “mais brasileiras” a serem abordadas) e até o Jubileu pelo cinquentenário do município de Nilópolis.

O conjunto alegórico e de fantasias teve alguns bons momentos e tinha boa divisão cromática, mas o enredo não foi de grande impacto e o samba era um dos mais fracos que a grande agremiação já levara para a Sapucaí. Resultado: um gosto de quero (bem) mais.

Pouco antes de o sol raiar, a Unidos de Vila Isabel iniciou o último desfile de 1997 e teve uma apresentação bastante digna, com um enredo exaltando os antigos carnavais e criticando os rumos mercantilistas que a festa vinha tomando já naquela época, de uma forma bem-humorada e não azeda.

O samba era dos melhores da safra e os componentes desfilaram com alegria e desenvoltura. Mesmo sem ter a grana de uma Mocidade ou Imperatriz (escolas mais abastadas da época), a Vila deu o recado com correção na parte visual, mesmo sem grande luxo.

REPERCUSSÃO E APURAÇÃO

Encerradas as apresentações, o consenso era de que o melhor desfile no conjunto foi o da Viradouro, tanto que a escola levou o Estandarte de Ouro de “O Globo”. Mas a Mocidade também passou muito bem e poderia sem dúvida ameaçar a inédita vitória da escola de Niterói.

A apuração teve diversas punições, que seriam decisivas para o rebaixamento. As escolas mais prejudicadas, com quatro pontos perdidos, foram o Império Serrano, com três pontos tirados por merchandising e um em dispersão, e a Estácio de Sá, com três por merchandising e um por ter desfilado com número de baianas abaixo do exigido. Também por “merchan” a Rocinha perdeu três pontos, enquanto Grande Rio e Santa Cruz perderam um ponto por problemas na dispersão.

Como havia descarte da maior e da pior nota de cada agremiação, a apuração até que mostrou equilíbrio, com Viradouro, Mocidade, Imperatriz e Beija-Flor arrancando na frente. Depois do quesito Evolução, apenas as escolas de Niterói e Padre Miguel se mantiveram na ponta, mas, depois de dois 9,5 para a Mocidade em Harmonia, a Vermelho e Branco se isolou na liderança.

No último quesito (Bateria), a Viradouro chegou a levar uma nota 9, que acabou descartada e não tirou a merecida vitória da escola, com 180 pontos. A Mocidade terminou em segundo lugar (179,5), enquanto a Mangueira atropelou nos últimos quesitos lidos para obter seu melhor resultado na década até então, em terceiro (178,5). A Beija-Flor inexplicavelmente terminou em quarto (178), enquanto Porto da Pedra e Imperatriz somaram a mesma pontuação (177,5), mas a escola de São Gonçalo levou a melhor no desempate (Samba-enredo).

As punições já citadas salvaram a União da Ilha do rebaixamento e, com isso, caíram duas das escolas mais tradicionais e queridas da cidade: Estácio de Sá e Império Serrano, ao lado das já previstas Santa Cruz e Rocinha.

RESULTADO FINAL

POS. ESCOLA PONTOS
Unidos do Viradouro 180
Mocidade Independente de Padre Miguel 179,5
Estação Primeira de Mangueira 178,5
Beija-Flor de Nilópolis 178
Unidos do Porto da Pedra 177,5
Imperatriz Leopoldinense 177,5
Acadêmicos do Salgueiro 177
Portela 174,5
Unidos de Vila Isabel 173,5
10º Acadêmicos do Grande Rio 169
11º Unidos da Tijuca 168
12º União da Ilha do Governador 166
13º Estácio de Sá 163 (rebaixada)
14º Acadêmicos de Santa Cruz 163 (rebaixada)
15º Império Serrano 162 (rebaixada)
16º Acadêmicos da Rocinha 153,5 (rebaixada)

Viradouro97c

Depois do título da Viradouro, Joãozinho Trinta recebeu a aclamação não só do público, como das demais agremiações e da imprensa. No Desfile das Campeãs, mesmo com o lado direito do corpo ainda afetado pela isquemia, João desfilou na pista segurando com a mão esquerda uma bandeira do Brasil. Com inteira justiça, o gênio foi ovacionado pelo público.

No Acesso, três escolas empataram com 180 pontos: Tradição, Caprichosos de Pilares e São Clemente, mas um sorteio determinou que apenas as duas Azul e Branco subiriam para o Grupo Especial de 1998. Mais informações no Cantinho do Editor.

CURIOSIDADES

– A TV Manchete brindou seus telespectadores com o Botequim da Manchete não só nos desfiles, mas num excelente programa pré-carnavalesco em que todos os intérpretes cantaram os sambas numa roda de bar com instrumentos de pagode.

– Durante o desfile da Vila Isabel, o último do Grupo Especial, Fernando Pamplona anunciou que aquele seria seu último Carnaval como comentarista. Sem explicar os motivos da “aposentadoria” dos microfones, Pamplona agradeceu ao dono da Manchete, Adolpho Bloch, e destacou que jamais fora tolhido de emitir qualquer opinião nas transmissões da emissora.

– Coincidentemente Joãozinho Trinta e Dominguinhos do Estácio, que jamais haviam estado juntos numa escola, conquistaram na Viradouro o que viria a ser o último título deles no Grupo Especial.

– Foi a melhor colocação da história da Porto da Pedra em sua passagem pela elite do Carnaval carioca. No ano seguinte, a agremiação de São Gonçalo seria rebaixada pela primeira vez, voltando em 2000. Depois de novo rebaixamento naquele ano, a escola voltou em 2002 e permaneceu no Grupo Especial até 2012.

– Wander Pires conquistou em 1997 seu único (até agora) Estandarte de Ouro de melhor puxador. O intérprete vivia excepcional momento pela Mocidade, com a qual conseguira criar grande identificação. Mas, a partir de 2000, Wander trocou muitas vezes de escola: Salgueiro (2000), União da Ilha (2001), Mocidade (2002, 2006 e 2009), Grande Rio (2003-2005 e 2007-2008), Viradouro (2010), Vai-Vai em São Paulo e Estado Maior da Restinga em Porto Alegre (2011), Porto da Pedra (2012), Imperatriz (2013-2014), Portela (2015) e Estácio (2016). Ufa!

– Falando em intérprete que já defendeu muitas escolas, Rixxa fez seu último desfile como cantor principal da Portela – ele esteve de volta em 2014, como auxiliar no carro de som. Depois, ele passou (entre outras escolas) por União da Ilha, Imperatriz, Mangueira e Mocidade.

– A Mocidade Independente de Padre Miguel obteve naquele ano de 1997 seu segundo e último Estandarte de Ouro de melhor samba – o outro havia sido em 1974 (“A Festa do Divino”).

– Lamentavelmente o Império Serrano caiu de novo em 1997, a exemplo do que já havia acontecido em 1978 e 1991 – em 1994, a escola deveria ter sido rebaixada, mas escapou. Depois, a querida escola de Madureira cairia mais três vezes, em 1999, 2007 e 2009.

– Uma grande confusão aconteceu durante o desfile do Império Serrano. Isso porque o comentarista da TV Globo Mauro Monteiro (cenógrafo), insatisfeito com o conjunto visual da escola, disse que o presidente José Marcos da Silva, o Marquinhos, deveria apresentar as notas fiscais dos famosos (e enormes) cordões e anéis que ostentava. Informado sobre a crítica, Marquinhos foi até a cabine da emissora tirar satisfações e, dizem, estava armado. Mauro se retratou no ar.

CANTINHO DO EDITOR – por Pedro Migão

Mais uma vez, assisti ao desfile do então Setor 4, hoje 10. Pelo menos onde eu estava, ninguém se deu conta que passava a campeã quando a Viradouro desfilou.

A apresentação da Portela foi muito prejudicada pelo boicote da bateria ao Mestre Paulinho Botelho, oriundo de outra escola e que não foi aceito pelos ritmistas. A bateria errou o tempo todo e por muito pouco não houve consequências mais sérias durante o desfile.

Pelo segundo ano consecutivo a disputa de samba da Vila Isabel teria sido decidida pela “rapaziada”, preterindo o belo samba da compositora Mart´nália.

Apesar do apoio da Disney a Rocinha foi impedida de usar os símbolos da empresa, que passaram estilizados. O samba possui um verso “antológico”: “Mickey Mouse e sua namorada / formam um casal feliz.”

Já no Império Serrano, o carnavalesco de 1996 tinha um enredo pronto sobre coroas para marcar o cinquentenário da escola, que chegou a ser ventilado na imprensa. Com o anúncio do enredo patrocinado Ernesto do Nascimento se afastou da escola e foi substituído por Jerônimo Guimarães, que assinou o desfile sobre Beto Carrero. O curioso é que nos 60 anos a escola repetiria o mesmo erro de apelar a um enredo patrocinado de realização duvidosa – e cairia mais uma vez…

O desfile da União da Ilha foi marcado por uma grande confusão na concentração entre o presidente Jorge Gazelle, o “Peixinho”, e o carnavalesco Roberto Szaniecki, pelo fato de as alegorias terem chegado inacabadas à Sapucaí. Szaniecki foi demitido ainda antes do desfile, com o presidente soltando cobras e lagartos na televisão.

Outra grande confusão foi a apuração do Grupo de Acesso. A Tradição incrivelmente chegou à primeira colocação mesmo com baianas e bateria tendo desfilado sem a fantasia, que não chegou. A escola foi declarada campeã no desempate e se fez um sorteio entre Caprichosos e São Clemente para decidir quem seria a segunda a subir. Até hoje o pessoal da amarelo e preta jura que houve “bolinha fria” no mesmo.

A campeã do Grupo de Acesso B, que desfilou na sexta feira de carnaval, foi a Lins Imperial. A vice campeã, também promovida ao Grupo A, foi a Acadêmicos do Cubango.

Links

O desfile campeão da Viradouro em 1997

O belo desfile que deu o vice à Mocidade

A apresentação da Mangueira com enredo sobre as Olimpíadas

O melhor desfile da Porto da Pedra no Grupo Especial

Fotos: O Globo, Extra e reprodução de internet

6 Replies to “Sambódromo em 30 Atos – “1997: Das trevas deu-se o big bang da Viradouro””

  1. Concordo com praticamente tudo que foi dito sobre este ano. A Viradouro foi realmente a melhor pelo conjunto da obra… e acredito que o impacto causado pela abertura da escola já foi quase meio caminho andado para o título (uma equiparação com Tijuca 2010). A Mocidade também fez um desfile maravilhoso e se ganhasse, não seria injusto também, mas acho que seria injusto a Viradouro não ganhar. E a Porto da Pedra, na minha opinião, deveria ter sido a 3ª colocada. Mangueira e Imperatriz completariam as Campeãs (a Imperatriz sem os problemas disputaria o título também).
    Não gostei da Beija-Flor… um dos piores sambas de sua história, a escola não tinha grandes atrativos visuais e o enredo era o samba do crioulo doido… eram festas retratadas em alas que eu nunca ouvi falar na vida.
    Na parte de baixo, o Império pediu pra cair infelizmente. A Estácio, no fundo, muitos já esperavam que caísse, mas se não tivesse sido punida não cairia, e sim a Ilha (talvez fosse melhor para a Ilha cair naquela época e não em 2001…)

    1. E sim, foi realmente um carnaval de sambas fracos e desfiles fracos também. Assim como a Beija-Flor, também não gostei do Salgueiro, e como foi falado, foi engolido pela Porto da Pedra. O que ficou de marcante no Salgueiro foi a entrevista da Carla Perez na dispersão falando sobre o Dalí rsrs…

  2. De fato um desfile morno,que consagrou a Viradouro. Pela TV, parecia que as arquibancadas tremiam a cada paradinha funk. Lembro da tristeza da Estácio e do Império Serrano com um carnaval milionário mas muito feio – curiosamente, bem lembrado, em 2007 (quando completou 60 anos) também caiu com um desfile de gosto duvidoso. Num geral, um desfile muito irregular, até meu Salgueiro… lembro de ter ficado acordado até o final de domingo e o público não reagia a passagem da escola, apenas quando Carla Perez, que estava no auge na época, passou. Detalhe: podemos considerá-la pé-frio: todas as escolas que ela desfilou não terminaram bem: Salgueiro em 1997, Mocidade em 1998, Mangueira em 1999, Mangueira em 2000 (o carro que ela estava inclusive quebrou na dispersão e atrapalhou a saída da escola).

  3. em 97 foi um ano de carnavais e sambas fracos
    Gostei muito da viradouro ter ganhado o carnaval, uma volta por cima depois de 1 ano que quase foi rebaixada
    Mas a Mocidade fez um desfile lindo com samba fantastico
    até hoje não entendo o 4º lugar da Beija flor ..não merecia
    A Porto da Pedra fez um desfilaço…mas o problemas com ala das baianas fez perder pontos se não um 3 ou 4º lugar não seria surpreendente
    Grande rio fez um desfile a´te que bonito visualmente , tirando o abre alas que não surtiu efeito.
    Po pouco a estacio não se safou …muito pela comunidade.
    não sei se posto escola por escola ..mas fica assim msm
    esperando os proximos

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