A coluna do advogado Gustavo Cardoso deixa um pouco de lado os tribunais e compara a média de gols do último Brasileirão a de outros campeonatos pelo mundo.

Justiça ao Campeonato

Em meu último artigo de 2013 discuti a bagunça que tomou conta do Campeonato Brasileiro de futebol em sua reta final. Nada indica que a confusão tenha sido superada com as decisões do STJD; é provável que ao longo de 2014 tenhamos oportunidade de voltar ao assunto. Nesta última semana de ritmo lento e poucas notícias, volto a tratar do campeonato vencido pelo Cruzeiro, mas sob um foco puramente esportivo: o número de gols marcados. Uma breve análise histórica dessa estatística traz algumas descobertas surpreendentes.

Muitos analistas observaram que o campeonato de 2013 teve “a pior média de gols da era dos pontos corridos”, ou seja, desde 2003. Paulo Vinícius Coelho, o PVC, sempre atento aos números, foi apenas um deles. O colunista da Folha comparou negativamente a média do último Brasileirão (2,46 gols por partida) com a do campeonato alemão em disputa (3,23 quando ele escreveu o artigo, em 09/12). (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/pvc/2013/12/1382752-questao-de-estado.shtml)

O problema de usar números para falar de futebol (e de qualquer outro assunto) é que eles dizem muita coisa ao mesmo tempo. Por exemplo, menos de um mês antes o próprio PVC havia comemorado “a volta do ataque” ao nosso futebol, sinalizando que,  “pela primeira vez desde 2006, o melhor ataque será campeão brasileiro” (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/pvc/2013/11/1369564-a-volta-do-ataque.shtml). Vamos tentar evitar as contradições utilizando uma base de dados mais ampla, mesmo correndo o risco de tornar o texto aborrecido.

Nosso primeiro dever é observar que a comparação que PVC faz com o campeonato alemão é injusta. A média que ele indicou não se sustentou com o passar das rodadas – o primeiro turno foi encerrado com média de 3 gols por jogo. Se esta for confirmada ao fim do torneio, terá sido a mais alta desde 1988, ou seja, estaríamos diante de um ano excepcional. Além disso, a Bundesliga sempre teve média de gols superior à do Brasileirão, assim como sempre teve a mais alta entre as grandes ligas europeias.

Se PVC escolhesse comparar nossa média com a do campeonato inglês, constataria que a nossa queda no último ano (de 2,47 para 2,46) foi bem menor que a da Premier League até o momento (de 2,80 para 2,66). Comparar com a Alemanha, como já dito, é covardia, porque eles tiveram, até 88, médias sempre superiores a 3 gols por partida, e têm ficado sempre muito próximos de 3 desde então.

Outra escolha problemática é comparar a média de gols deste ano com a da “era dos pontos corridos”, como fez quase toda a mídia especializada. O caso é que este período coincide com a fase com mais gols marcados na história do campeonato – a identificação com os pontos corridos é aproximada, não exata: as médias aumentaram sensivelmente na segunda metade dos anos 90, e assim se mantiveram até o fim da primeira década deste século. Diminuíram um pouco desde então.

O saudosista com memória seletiva provavelmente não sabe que, nos 14 campeonatos disputados de 1996 a 2009, tivemos 14 das 15 maiores médias de gols da história do Brasileirão. Isso, naturalmente, não indica que a qualidade técnica nessa época foi superior, mas desafia o lugar-comum segundo o qual nosso futebol tem se tornado mais defensivo.

Quando usamos uma lupa para pesquisar o passado, os resultados encontrados são decepcionantes. A pior média de gols da história foi a do campeonato de 1987, a Copa União, que muitos imaginam ter sido um momento mágico de reinvenção do nosso futebol: 1,77.

Esta média é não só a nossa mais baixa em todos os tempos, como também é inferior à de qualquer campeonato nacional disputado, em qualquer época, na Argentina, na Alemanha, na Inglaterra, na Espanha e até na Itália. É inviável pesquisar todos os campeonatos nacionais do mundo, mas é razoável supor que seja mesmo a pior média da história do futebol mundial.

E a segunda pior também é brasileira. Foi justamente a do campeonato de 1971, nosso primeiro Brasileirão, no qual jogaram todas as “feras” da mitológica seleção de 70. Pelé, por exemplo, disputou 21 partidas e marcou apenas 1 tento naquele certame que teve média de 1,83 gols/jogo. Seu Santos terminou em 9º lugar, com 9 vitórias, 9 empates e 7 derrotas, marcando 24 gols em 25 partidas.

Se tomarmos os 4 campeonatos disputados de 71 a 74, ou seja, aqueles em que Pelé jogou (e também Tostão, Rivelino, Gérson, Jairzinho, Ademir da Guia…), a média geral foi de 1,97 gols, bem inferior à de 2013, e também inferior à de qualquer grande campeonato disputado no mundo naquela época (a do alemão, no mesmo período, foi de 3,32 gols/partida). O Torneio Roberto Gomes Pedrosa, antecessor do Campeonato Brasileiro e disputado de 67 a 70, teve uma média melhor (2,65 nos 4 anos), mas ainda assim inferior, por exemplo, à do campeonato inglês (2,82), que em nosso imaginário sempre foi tido como retranqueiro.

Enfim, a média de gols do Campeonato Brasileiro de 2013 ficou muito perto de nossa média histórica, que é de 2,47. Se compararmos com as maiores ligas do mundo, a partir de 1971, descobriremos que só superamos a Série A italiana (2,34), e ficamos atrás de Alemanha (3,06), Inglaterra (2,62), Espanha (2,55) e Argentina (2,54 na era Apertura/Clausura). Poucos gols, por aqui, nunca foram novidade, e não adianta procurar miragens no passado.