2014, ano eleitoral, hora dos principais atores políticos brasileiros mostrarem suas estratégias a fim de convencer o eleitor. E poderemos ter algo bastante interessante durante o ano e na campanha eleitoral: a oposição assumindo a defesa dos interesses da elite em detrimento da maioria esmagadora da população. Explico.

A presidente Dilma Rousseff focará sua campanha à reeleição baseada em duas premissas básicas: no aumento da renda dos salários e no quase pleno emprego que nossa economia vive. Na esteira destas duas premissas vem a distribuição de renda e a diminuição da desigualdade a que a economia brasileira vem realizando desde que Lula e o PT assumiram a Presidência, em 2003.

Ou seja, a oposição não poderá – na verdade, nem quer – se utilizar destas bandeiras na campanha eleitoral. Também se torna complicado utilizar o combate a corrupção como mote eleitoral, porque especialmente o PSDB tem um “telhado de vidro” bastante incômodo, que são as investigações envolvendo propinas milionárias no Metrô de São Paulo, governado pelo partido desde 1995.sergiomottaPor mais que a imprensa aliada e setores do Judiciário estejam convenientemente abafando o escândalo, a quantidade de documentos e confissões amealhadas pelas investigações na Suíça e na Alemanha se tornam armas bastante eficientes para a propaganda eleitoral gratuita do PT.

E olha que não cito aqui o recente escândalo da meia tonelada de pasta de cocaína apreendida no helicóptero pertencente aos irmãos Perrela, que apesar de abafado pela imprensa respinga obrigatoriamente em Aécio Neves, a princípio indicado candidato do PSDB à Presidência – embora não se possa menosprezar o poder desestabilizador de José Serra sobre o partido.

Com isso, não me surpreendem declarações de políticos e economistas ligados ao partido nas últimas semanas dando conta que o PSDB irá defender a sua real plataforma de governo na campanha, ainda que elitista e impopular. E que plataforma é esta?

A avaliação dos economistas ligados ao partido é de que a demanda precisa ser contraída a fim de diminuir a taxa de inflação e alcançar o “equilíbrio fiscal” com o intuito de conceder desonerações fiscais a setores de renda mais alta. Também consideram que os salários estão muito elevados e que a taxa de desemprego está “baixa demais”, de modo que há a necessidade de políticas de compressão salarial e de aumento de desemprego. Obviamente, não é o salário nem o emprego deles que será afetado.

O leitor de memória mais atenta há de se lembrar que este foi justamente o quadro no governo Fernando Henrique Cardoso: juros altos, desemprego alto e salário real em queda, gerando inevitável concentração de renda. Além disso houve desindustrialização e transferência de renda do setor produtivo para o financeiro. Vale lembrar que FHC passou o governo a Lula com 17% de taxa de desemprego e US$70 de salário mínimo – hoje, como comparação, os números são 4,7% e US$301, respectivamente. Apenas a título de curiosidade, a inflação daquele ano foi de 12% – em 2013, para grande festa da oposição e da grande imprensa, terminou com 5,5%.

É inevitável se fazer a correlação com a gritaria de setores de classes alta e média no sentido de que o consumo das classes C e D precisa ser contido para que não percam seu sentimento de exclusividade, em uma demonstração clara de elitismo e exclusão. Este sentimento parece ter sido captado no discurso da oposição, o que leva a uma confluência de interesses entre esta parcela do eleitorado e as políticas defendidas pela oposição, que representam estes interesses. Um bom exemplo foram as reações ao recém implantado corredor expresso para ônibus implantado pela Prefeitura de São Paulo, calcadas na reclamação de “que vai sobrar menos espaço para os carros” – e que foram verbalizadas por políticos.

1256859pradasaff1Também será interessante se perceber durante a campanha como o PSDB vai camuflar o seu objetivo de acabar com todos os programas sociais do governo atual, como o Bolsa Família, o PROUNI, o Mais Médicos e a política de cotas, entre outros. As declarações de políticos e economistas ligados ao partido são recorrentes neste sentido, inclusive em artigo no próprio site do partido onde o Bolsa Família é chamado de “Bolsa Esmola”. Hoje as declarações vem sendo progressivamente atenuadas em razão de conveniências do período pré eleitoral, mas a manutenção da política social iria contra tudo o que o partido prega.

Além disso, a proposta do partido de privilegiar para as massas o que chamam de “educação profissionalizante” é um recado claro: faculdade é para quem pode, não para quem quer – o “zé povinho” que fique longe. Outro ponto a ser abordado em uma eventual vitória é uma “flexibilização das leis trabalhistas”, obviamente calcada na redução de direitos dos trabalhadores.

Aliás e a propósito, chega a ser um insulto o pré candidato Aécio Neves falar em “reestatizar” a Petrobras quando se sabe que a proposta é reduzir o tamanho da empresa e tirá-la da operação do pré sal. Lembro aos leitores que documentos vazados pelo Wikileaks deixam claro que antes da campanha de 2010 o depois candidato José Serra se comprometeu com as grandes majors americanas mudar a regra da exploração desta que é última grande fronteira petrolífera descoberta, priorizando as empresas estrangeiras. Aqui outra matéria é ainda mais explícita.

Talvez este caminho explique a recente aliança entre o PSDB e o governador e pré candidato pelo PSB Eduardo Campos, com troca de cargos nos governos estaduais de São Paulo e Pernambuco. Apropriar o discurso conservador e de cunho pentecostal de Marina Silva parece ser a única estratégia  possível a fim de uma candidatura (unificada?) com alguma chance de sucesso. Como não acredito que a propaganda eleitoral irá dizer com todas as letras o que exponho no início este artigo, restringindo-se a generalidades ou a demagogias, o caminho a ser adotado passa necessariamente pelo apelo ao conservadorismo de ordem religiosa.

Alargando o raciocínio, a propaganda eleitoral desta aliança oposicionista – caso se concretize – tende a se basear no velho discurso udenista da “moral e dos bons costumes”, com forte apelo à religião, a fim de deixar implícita a verdadeira natureza de governo: medidas impopulares e que visam, em última instância, a desmontar as conquistas sociais recentes do país e exacerbar a desigualdade. Como exemplo pode-se apontar a representação movida ao Ministério Público pelo PSDB alegando que a mensagem da Presidenta Dilma de final de ano aos servidores públicos é “campanha antecipada” – esquecendo-se que, em última instância, a Presidenta é chefe deles…

Sem dúvida alguma, será um conflito de visões de economia e sociedade bastante interessante o que veremos nestas próximas eleições: de um lado a visão do atual governo de privilegiar o aumento de emprego e renda e a diminuição da desigualdade social. Do outro, a visão de “estimular o ambiente de negócios”, ainda que a um custo social alto.dilameduardo

Finalizando, cabe destacar esta guinada do governador de Pernambuco, que de apoiador incondicional do governo se tornou oposicionista ferrenho do Governo Dilma Rousseff. Sem dúvida não é exatamente uma posição confortável para defender em uma campanha eleitoral que promete ser sangrenta.

Imprensado entre o PSDB e Marina Silva, o governador de Pernambuco tenta ocupar uma estreita faixa do espectro político que ele chama de “mudança com continuidade”, mas seus recentes movimentos de aliança com o PSDB indicam que ele já entendeu que esta postura não tem a menor chance de vingar eleitoralmente.

Meu palpite é que ele será engolido por Aécio de um lado e Marina Silva do outro, mas precisamos ver a composição final das alianças políticas visando às eleições para verificar se este quadro se concretizará. Pessoalmente acredito que possa haver uma eleição plebiscitária já em primeiro turno, com Dilma de um lado e Aécio/Campos/Marina no outro, mas é algo que precisaremos esperar para ver como se definirá o quadro. A própria Marina Silva na última sexta feira descartou uma aliança com o PSDB e declarou que será vice de Campos, o que se configura em um movimento importante.

One Reply to “A oposição rasgando a fantasia”

Comments are closed.