Nesta terça a coluna do advogado Rafael Rafic inicia sua análise sobre os sambas de enredo do Grupo de Acesso do Rio de Janeiro.

Os sambas de enredo da Série A – Sexta-Feira

Já estamos em janeiro. Isso quer dizer que o carnaval está bem próximo e chegou a hora desta coluna voltar a seus pitacos nos sambas-enredos que passarão na Sapucaí em 2014 após ouvir os sambas exaustivamente no CD e em alguns casos em ensaios de canto.

Para quem ainda não viu, eu já fiz uma pré-análise dos sambas do Grupo Especial logo após o fim de suas escolhas  e o colunista Leonardo Dahi já fez suas análise aqui no meio de dezembro tanto do grupo Especial (Domingo e Segunda-feira) como do Grupo A (sexta-feira e sábado).

Irei exatamente na ordem em que as escolas se apresentarão e por isso começo com o grupo A, sobre o qual estas serão minhas primeiras palavras. Porém, não darei notas pois não tenho o conhecimento técnico necessário para tal em samba-enredo, sendo minhas opiniões mais intuitivas, especialmente quanto as melodias. Por isso, me limitarei a classificar os sambas ao final de cada grupo. Hoje as escolas de sexta-feira, na ordem de apresentação.

Futuramente reabordarei o Grupo Especial, já analisando os sambas em suas versões finais.

Em Cima da Hora

Enredo: “Os Sertões”

Compositor: Edeor de Paula

Intérpretes: Antônio Carlos e Arthur Franco

Não sou contra reedições desde que o samba reeditado pertença a mesma escola que o está reeditando. Neste ano, a única escola que cumpre este requisito é a Em Cima da Hora com o seu clássico de 1976 “Os Sertões” – que terá a honra já abrir os desfiles com o melhor samba que passará na avenida no Carnaval de 2014.

Fica até difícil comentar sobre este samba, considerado por muitos (entre eles o Editor Chefe) o melhor da história. Fato é que, oriunda do Grupo B e abrindo os desfiles em um ano leonino em que cairão 3 escolas deste grupo, não restou outra opção à escola de Cavalcanti senão lançar mão do grande trunfo de sua longa história.

A gravação no CD oficial ficou muito boa, tendo os produtores achado um ótimo meio-termo entre tradição e modernidade, deixando o samba com uma ótima levada. Se a Em Cima da Hora mantiver isso no desfile, temos chance de ver um sacode. Pena que será a abertura…

O que me apavora é que não bastasse “Os Sertões” estar bastante ligado à chuva (choveu bastante no desfile da Em Cima da Hora de 1976, também abrindo o dia) ainda por cima a reedição será no dia do meu aniversário (é raríssimo eu conseguir comemorar um aniversário com tempo seco o dia inteiro).

União de Jacarepaguá

Enredo: “Os Iorubás – a história do povo Nagô”

Compositores: Allexandre Valle, Dona Ivanísia, Neyzinho do Cavaco, Mariano Araújo, James Bernardes e Girão

Intérprete: Tiganá

Começamos com a União de Jacarepaguá a verificar o que se tornou uma tendência na Série A neste ano: a encomenda de samba direto a compositores sem haver disputa. Ao menos a favor da histórica agremiação, a diretoria chamou para compor o samba compositores que vinham disputando e ganhando na escola nos últimos anos. Especialmente o colunista deste blog, Alexandre Valle.

Quanto ao samba, repito o dito pelo Dahi: quem disse que clichês são sempre ruins? Por mais que o Valle tente nos convencer do contrário, não consigo ver nem na sinopse nem na letra do samba algo realmente diferente do que já vimos vários vezes em enredos afro.

Não obstante, a União de Jacarepaguá levará um bom samba para a avenida, com melodia e letras agradáveis, mesmo que falem daquela África selvagem e religiosa já bastante conhecida. Não é um samba de ponta para o grupo, mas compõe bem o meio da safra.

Continuo afirmando que quem apostar na queda da União de Jacarepaguá irá perder.

Rocinha

Enredo: “Do paraíso sonhado, um sonho realizado. Sorria, a Rocinha chegou à Barra”

Compositores: Anderson Benson, Alexandre Naval, Flavinho Segal, F Maria, J do Táxi, Leandro RC, Marcelinho e Maurício Amorim

Intérprete: Leléu

Sem medo de errar, chegamos ao desastre do ano. Não bastasse o tema sobre o bairro carioca da Barra da Tijuca, um bairro sem qualquer elemento que possa dar um bom enredo (ao contrário de outros bairros que foram enredo há pouco tempo como Madureira, Copacabana, Tijuca, a Lapa e o próprio Centro), os compositores do samba encomendado ainda tentaram repetir o estilo “me leva que eu vou” que deu certo no samba da Rocinha de 2013 – e erraram a receita.

Erraram por um simples fato: este bairro é odiado pela metade dos cariocas (ou mais, talvez) e se a sinopse já tentava edulcorar o bairro, o estilo escolhido para o samba só piorou a situação, se utilizando demais da função apelativa da linguagem (que se importa mais em convencer o receptor) e de menos da função referencial (que se importa mais em apenas apresentar algo ao receptor).

O resultado foi um samba tenebroso que não é bonito nem empolga. Destaque especial para a passagem melódica do fim da 3ª estrofe em “A medalha no meu peito / Fez neste bairro perfeito / Um vencedor” de extremo mau-gosto.

Nem o ótimo carnavalesco Luis Carlos Bruno (de quem adoro seu estilo ultra-didático e faço rasgados elogios há 3 anos seguidos) foi feliz na concepção das fantasias, ao menos as expostas no facebook da escola. Não fosse a Rocinha uma escola bastante tradicional e  com boa estrutura em um grupo que ainda não remendou a rachadura entre as escolas egressas do antigo Grupo B e as do Grupo A, a Rocinha seria uma aposta interessante para o rebaixamento.

Renascer

Enredo: “Olhar caricato. Simplesmente Lan”

Compositores: Moacyr Luz e Cláudio Russo

Intérpretes: Diego Nicolau e Evandro Malandro

Em mais um samba encomendado, este samba não tem o menor temor de ser diferente. Só por isso já seria interessante. Não obstante, a diferença ficou bonita.

É um samba que não tem muito jeito de “samba-enredo”, tendo uma boa pitada de “samba de quadra”, muito provavelmente em uma influência do grande compositor Moacyr Luz (ideia do próprio homenageado, o cartunista Lan) que é bastante conhecido por seus sambas de “meio-de-ano”, mas nunca tive notícias de qualquer incursão dele em sambas-enredo.

É uma samba que tem um balanço diferente e se a “Guerreiros do Ritmo” souber explorar bem essa característica poderá render um belo desfile. Apenas fica a advertência que, até por não ter as características de um samba-enredo “moderno”, ele não aceitará uma bateria explosiva. Qualquer andamento acima de 146 bpm da bateria poderá comprometer bastante o samba.

Para discordar totalmente do Dahi, achei genial a estrofe final após o refrão principal do samba, até porque ele é o complemento perfeito para descrever a obra do grande Lan, que ficou incompleta no refrão principal.

Concordo que o samba não é a oitava maravilha, até porque se um samba diferente desse fosse tão fantástico ele seria o centro das atenções desse período pré-carnavalesco, o que claramente ele não está sendo. Ainda sim, na minha opinião é o 3° melhor samba inédito deste grupo.

Porto da Pedra

Enredo: “Majestades do samba, os defensores do meu pavilhão”

Compositores: Duda SG, Bira, Márcio Rangel, Wilson Bizzar, Eric Costa e Alexandre Villela

Intérprete: Anderson Paz

Demoramos cinco escolas para achar a primeira que escolheu seu samba através de disputa na quadra.

O samba que o melhor enredo do grupo, homenageando os mestre-salas e as porta-bandeiras, ganhou é bastante aquém da ótima sinopse. Não que o samba seja ruim, ele é mais um bom samba para compor o meio da safra, mas em um enredo que aposta na emoção é justamente isso que falta na letra e, especialmente, na melodia.

E não tenho como não criticar um samba sobre um enredo em homenagem ao casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira que simplesmente não os cite. Ele apenas faz várias menções indiretas a dança dos casais e ao surgimento dos mesmos, porém se alguém que não leu a sinopse nem conhece a história do surgimento dos mestres-sala e das porta-bandeiras não imaginará que o enredo é sobre eles.

Destaque especial para a beleza da terceira estrofe do samba: letra e melodia se encaixam de forma bastante interessante.

Paraíso do Tuiuti

Enredo: “Kizomba, a festa da raça”

Compositores: Luiz Carlos da Vila, Rodolpho e Jonas

Intérprete: Daniel Silva

Falar o que deste clássico? Qualquer coisa que eu fale é repetir o que vem sendo escrito há 25 anos sobre ele. É um grande samba que a Tuiuti escolheu; porém o samba não é dela e não consigo concordar em permitirem isso.

Apenas fica uma crítica quanto à gravação feita, que apesar disso é boa. Fiquei com a impressão que os produtores tentaram dar o mesmo tratamento as 3 reedições deste grupo, porém a fórmula que deu certo nas gravações da Em Cima da Hora e da Tradição não ficou tão boa com Kizomba. É um samba que pede muita pegada em sua interpretação e uma marcação firme da bateria e faltaram ambos na gravação, muito “solta”.

Por fim, já não bastasse o meu aniversário e a reedição de “Os Sertões” ainda teremos Kizomba (que apesar de ganhar o carnaval de 88, não voltou nas campeãs porque o desfile foi cancelado por causa de chuvas torrenciais na cidade) no mesmo dia. Certeza de dilúvio…

Inocentes

Enredo: “O triunfo da América – o canto lírico de Joaquina Lapinha”

Compositores: Manelão, Abílio Mestre-Sala, Tico do Gato, Altamiro, Vinicius Ferreira, Claudinho, Chiquinho do Bar, Paulo e Juruna Zona Sul

Intérprete: Ciganerey

A Inocentes terá um samba interessante para desfilar em 2014, mas poderia ser ainda melhor. O samba que irá para a avenida é resultado de uma junção (mais uma pensada por Laila) que não ficou muito melhor do que os dois sambas separados.

Só que o melhor samba da final da Inocentes não era nenhum dos 2 juntados, mas o samba de Billy Conti (o surpreendente vencedor do ano passado na escola, quando ela estava no Especial). De qualquer forma, o samba de Billy Conti também não era sensacional e a perda para a escola foi pequena.

O samba vencedor é um tanto irregular e mescla ótimas passagens, tal como os quatro primeiros versos do samba com outras sem muita inspiração, com os três versos finais antes do refrão principal. Especialmente as passagens nas quais são feitas as junções entre os dois sambas ainda estão mal resolvidas.

Também discordarei do Dahi quanto a brincadeira entre as palavras concerto, conserto e conceito, a qual achei bastante forçada.

Império Serrano

Enredo: “Angra com os Reis”

Compositores: Paulinho Valença, Henrique Hoffmann, Popeye, Victor Alves, Filipe Araújo, Tião Pinheiro, J. Centeno e Beto do Império

Intérprete: Clóvis Pê

Para sorte da LIERJ, a escola mais popular da Serie A encerrará o primeiro dia de desfiles, o que deverá manter o sambódromo cheio até o final.

Quanto ao samba, é mais um bom samba saído da Serrinha, porém ele fica aquém da tradição da escola e é, na minha opinião, o pior samba que o Império leva para a Sapucaí em algum tempo. Tanto é que é a primeira vez no grupo de acesso que eu não classifico o Império entre os três melhores sambas inéditos do ano.

E este “problema” aparece logo nesse ano que se aparenta ser especialmente complicado, a ponto de ninguém apostar na vitória do Império Serrano. Espero que o mago Eduardo Gonçalves, em seu maior desafio na carreira de carnavalesco, nos surpreenda e faça o Império voltar ao lugar de onde nunca deveria ter saído.

Amanhã, as escolas de sábado.