Nesta terça feira a coluna do publicitário Affonso Romero retoma o tema do artigo de ontem: o Flamengo e sua atual crise.

Flamengo, 2013 – Time grande funciona com pressão

Divido com o advogado e companheiro de blog Walter Monteiro a preocupação com os rumos do Flamengo no Campeonato Brasileiro deste ano. Concordo parcialmente em relação a pontos específicos, mas não estamos alinhados quanto ao principal: enquanto meu colega conclama à união, na suposição que uma acalmada no clima interno da Gávea conduzirá aos resultados necessários, eu lembro que grandes clubes só chegam a grandes conquistas em virtude da pressão que sua massa de torcedores é capaz de fazer sobre jogadores e dirigentes responsáveis pela condução dos destinos do time.

O que o Flamengo precisa, neste momento, é de cobrança e de ações duras. É preciso que jogadores e dirigentes saibam que há, permanentemente, uma grande expectativa e uma grande pressão sobre quem defende as cores do Flamengo. Quem é capaz de suportar, que fique no barco e enfrente a tempestade com a coragem e a grandeza que se espera do Flamengo. Quem não for forte para esta missão, que peça o boné e saia logo (ou seja afastado), para não atrapalhar a recuperação.

Concordo que a saída de Mano Menezes denuncia que (a) ou há algum podre que desconhecemos e o ex-técnico quis manter em segredo, (b) ou Mano perdeu o comando sobre o elenco. As hipóteses se completam, de forma que resta pouco a ser dito que não esteja no âmbito dessas. Mas também não se excluem: ambas podem ter acontecido somadas. De toda forma, a saída de Mano aponta para a frágil gestão do futebol rubro-negro; ou seja, para os nomes de Paulo Penaipe e Wallim Vasconcellos.

O próprio Walter Monteiro, mais para o final de sua coluna, levanta a possibilidade de os técnicos estarem sendo pressionados, direta ou indiretamente, para escalarem os jogadores trazidos ao clube este ano. Por mais sutil que venha a ser esta pressão, fica evidente que a aposta nas contratações para esta temporada foi errada. Se fica difícil para um treinador experiente como Mano colocar no banco as contratações avalizadas pela atual diretoria, imagine-se para um iniciante como Jayme.

Estamos no terreno das ilações, mas parece evidente que este foi o principal motivo para a demissão de Mano: o técnico não se via respaldado em relação àqueles que deveriam ser os principais nomes do time, os jogadores experientes que foram trazidos com a missão de dar uma cara à equipe, sob os quais deve pesar a responsabilidade. Apenas Elias tem correspondido (apesar do incrível gol perdido frente ao Náutico). Mano deixou nas entrelinhas que não se via confortável com o comportamento de jogadores trazidos a peso de ouro, como Marcelo Moreno, Carlos Eduardo e André Santos. E as críticas se estendem ao comportamento extra-campo. Ou seja, falta comando da diretoria, o rabo continua abanando o cachorro, os jogadores fazem o que querem e não são cobrados, continuam a contratar atletas que se sentem de férias remuneradas, bon-vivants caríssimos a soldo da massa rubro-negra.

Num ambiente assim, o que acontece se as pressões foram distendidas, se for colocada água fria na fervura do caldeirão, como sugere o Walter? Aí é que se estabelece a apatia, o falso clima de paz (de cemitérios), o “wishful thinking” vazio, a postura blazé (blue-zé?) que se apossou do clube, que começa de cima e se reflete dentro de campo. É isso que queremos? Isso tem cara de Flamengo?

Não, o Flamengo é massa, é pressão, é sangue-e-areia, é batalha, é convulsão. Só funciona no calor, no coração em disparada, no suor, na paixão. E é exatamente o que falta no Flamengo de hoje, porque o clube é dirigido por gente com um discurso racionalizado, distante das raízes rubro-negras. Ou essa gente aprende o que é Flamengo, ou jamais conseguirão mostrar aos jogadores o que a torcida espera deles.

Concordo que o Presidente Bandeira de Mello é ainda bem visto, parece ser boa pessoa, tem bom trânsito no clube. Em meio ao tiroteio eleitoral, soube ter um comportamento coerente com o cargo que pleiteava. Não é fácil encontrar quem não o queira bem, quem não torça por seu sucesso, quem tenha o que falar mal dele. Concordo também que isso tem que ser aproveitado num momento em que a crise ameaça se avolumar. Centrar na figura presidencial, no poder que emana (ou deveria emanar) do dirigente máximo é um bom caminho para retomar a rédea perdida da administração.

Mas reforço que a contrapartida disso é que, também a responsabilidade, recai sobre o Presidente. É dele que tem que vir a convocação para a união em torno de resultados, é dele que tem que vir a mudança de postura apática. É dele que deve vir a ação, uma ação que seja dura, imediata, sinalizadora de novos tempos.

Não concordo que se deva “distensionar a política”, como sugere o Walter. O que se deve fazer, urgentemente, é despolitizar a tensão.

Pode parecer a mesma coisa, mas não é. Pode soar como jogo de palavras, mas nada é mais distinto. O que o Presidente Bandeira precisa fazer é tomar para si a responsabilidade de fazer a gestão de um Flamengo para todos os rubro-negros, e não apenas para a turminha que o cerca. Deveria aproveitar as lições deixadas pela trágica gestão de Patrícia Amorim que, em meio à crise político-financeira-administrativa, se fechou em seu grupo privado de assessores e apoiadores, grupo este que foi minguando até isola-la completamente. Ela foi a prova de que cabe ao detentor do poder trazer os rivais à colaboração; não se pode esperar que uma possível oposição, fragilizada e agredida pela arrogância dos vencedores da campanha eleitoral, venha agora de peito aberto oferecer apoio a quem não pediu ajuda.

Cabe, portanto, ao Presidente pedir ajuda, abrir a gestão do clube a todas as correntes, encerrar a campanha eleitoral, descer do palanque e reunir as forças políticas do clube em torno de si. Ou seja, zerar os grupos políticos e despolitizar a vida do Flamengo. Só ele, que tem ainda bom relacionamento com todos, pode realizar a proeza. Mas, para tal, é preciso afastar de si os sectários, os arrogantes, os que se fecham em torno de suas certezas absolutas, “certezas” estas que se mostram mais frágeis a cada dia, a cada crise, a cada mau resultado. É preciso humildade, é preciso reconhecer que alguns aventureiros tinham “soluções” no bolso do paletó para todos os males rubro-negros, mas que esta receita estava equivocada, que refletia uma teoria que não se aplicou verdadeira na prática.

Bandeira de Mello será grande se reconhecer a tempo que não se pode levar o Flamengo adiante sem a experiência de quem conhece o clube na prática. Trocar os neófitos que o cercam por gente vinda das diversas correntes políticas ajudaria muito a despolitizar a gestão, unindo de volta a instituição em torno de objetivos comuns.

É preciso, sim, mobilizar a torcida. Para tal, é preciso reconhecer que o Flamengo não pode apostar suas fichas em torcedores de sofá. É preciso desagradar companheiros de campanha que, uma vez que se tornaram dirigentes, desenharam uma política de elitização das arquibancadas. É preciso desagradar interesses de redes de tevê, de televisões a cabo, interesses estes que estão sentados a seu lado na diretoria. É preciso reconhecer que o Flamengo abriu mão de uma solução própria de estádio, que colocou-se nas mãos dos concessionários do Maracanã. É preciso reconhecer que tudo que foi feito até agora por sua diretoria no tocante à política de relacionamento com o torcedor está errado, é puramente acadêmico, desconhece a natureza da torcida flamenga.

Novamente, há de se ter grandeza e humildade de reconhecer os erros de sua gestão, de afastar aqueles que simbolizaram dentro da diretoria a tomada destas decisões equivocadas. E, reconhecendo a importância da massa de torcedores, convoca-las ao estádio através de uma mudança radical na política de preços. O ideal seria abrir as portas, fazer as pazes com o povão. E, se não é possível jogar com portões abertos, que o preço seja realmente atrativo, que simbolize esta convocação do décimo-segundo jogador [1].

Finalmente, concordo com o Walter que é necessário demitir o dirigente remunerado Paulo Penaipe, cujos erros perpétuos levaram o time a esta instabilidade, falta de credibilidade e comando. Mas não é o suficiente: é preciso mandar embora também Wallim Vasconcellos. Agora, já, ontem se possível. Por várias vezes, Bandeira declarou que conhece seu vice-presidente de futebol há décadas, que é seu amigo pessoal. Pois o afastamento de Wallim seria o melhor símbolo de que, na atual gestão, o Flamengo deixa de ser uma ação entre amigos e passa a ser sério, profissional, impessoal. É, também, uma forma de afastar qualquer dúvida sobre o poder da figura presidencial, definir publicamente quem manda e quem tem a responsabilidade. Abre espaço para a atuação de gente mais experiente, preparada, competente, informada. Gente que não use o Flamengo como estágio. Indica uma mudança de postura e de rumos. Wallim contratou e sustentou a permanência de Pelaipe, é responsável por ele. Deve cair junto. Juntos, contrataram mal, planejaram pior ainda. São lados da mesma moeda. Se quiser manter sua liderança e credibilidade, Bandeira deve saber que é hora de desassociar sua imagem da deles e ganhar vida própria.

Por fim, Bandeira deveria desfazer o triunvirato que compartilha, até aqui, as principais decisões no clube. Além de Wallim, deve tirar da diretoria os co-responsáveis pelas contratações equivocadas e pelo desenho político-administrativo refratário a contribuições e que, ao fim, está se mostrando desastroso. Presidente, convoque rubro-negros experientes para os lugares de Luis ‘Bap’ Baptista (VP de Marketing) e Rodrigo Tostes (VP de Finanças).

Avante, Presidente, o Flamengo está em suas mãos.

[N.do.E.: após a coluna ter sido escrita o clube anunciou a redução do preço dos ingressos para a partida contra o Criciúma. Já é um começo.]

One Reply to “Sobretudo: “Flamengo, 2013 – Time grande funciona com pressão””

  1. Note-se que Rodrigo Tostes é o novo manda-chuva administrativo da Rio 2016, cargo que acumulará com o Flamemgo. Nos meios olímpicos a nomeação dele também está longe de ser unanimidade (por motivos óbvios).

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