Uma tradição dos aniversários deste blog é termos um colunista convidado. Nos anos anteriores tivemos os  jornalistas Marco Aurélio Mello, Milly Lacombe (que hoje abrilhanta este espaço com a sua coluna) e Aydano André Motta.

O convidado deste ano, também jornalista, é pessoa que conheço há praticamente 15 anos: somos dos pioneiros em listas de discussão por email sobre carnaval e escolas de samba no Brasil. Suas palavras em seu blog pessoal, com milhares de acessos, não despertam meio termo: muitos amam, outros tantos odeiam. Também tem um programa semanal na Rádio Beat 98FM, no Rio de Janeiro, às segundas feiras.

Falo do meu amigo (acima à esquerda na foto, junto comigo e o colunista Aloisio Villar) Rica Perrone. Em artigo muito interessante ele discorre sobre os jogos de interesse no jornalismo esportivo.

Jornalismo e Futebol: Uma relação hipócrita

Quando resolve ser jornalista você passa a ser treinado para falar a verdade, apurar a verdade, repassar a verdade. É basicamente um senhor da razão, aquele que lida com fatos. Com fatos e muita verdade pode e deve-se aproximar o informado da informação. Quando falamos de política, economia ou violência, só a verdade interessa.

Mas quando falamos de entretenimento… não é bem assim.

O futebol é uma paixão, algo que sobrevive da cegueira causada por ela. A informação que se passa num evento esportivo é muito diferente e previamente restrita, o que já “mancha” a idéia de “jornalismo”. Eu não compro e revendo os direitos de transmissão do Senado. Posso me manter isento e apenas apurar e informar. Compro campeonatos, eventos, preciso deles para existir.

Como posso ser isento em 100% se estou, no fundo, o tempo todo vendendo um produto?

O “jornalismo esportivo” não existe. Ou, na melhor das hipoteses, existe em partes. Não há possibilidade alguma de se buscar na mesma linha a cobertura de um evento de entretenimento e de uma eleição, por exemplo. Você tem por dever moral informar custe a quem custar, doa a quem doer. E por dever intelectual não desprestigiar o evento que existe, apaixona e paga seu salário.

Não há emissora no mundo capaz de permitir que seu produto seja desmistificado ao consumidor. Sem o “mito”, resta a verdade. A verdade não nos interessa quando vamos apenas relaxar e nos divertir.

Um jogo de futebol é um show de ilusões do começo da semana ao dia seguinte da partida. Dos mil motivos que te fazem sofrer aos mil motivos que tenho para te explicar que não é preciso sofrer por futebol, eu posso te convencer da minha verdade. Você, não. Posso te dizer que tem dirigente bandido, insistir na tese imbecil de atrelar a seleção aos politicos da CBF, coisa que não fazem com seu clube no dia-a-dia. Porque será?

Será que os profissionais de imprensa da Tv Globo serão “burros” de não exaltar e manter viva a chama pela seleção e os da ESPN idem sabendo que não tem direito de transmitir nada daquilo, por exemplo? Cadê o jornalismo e a verdade doa a quem doer? O jornalismo que protege por contrato é jornalismo?

No esporte, senhores, o jornalista só pode ser meio jornalista. Não a toa é o mais fácil de todos os segmentos da profissão, como também o de menor responsabilidade. Afinal, uma informação errada pode até valorizar um reforço. Mas não derruba a bolsa, nem faz milhares de vítimas no Afeganistão.

É só futebol. Só isso. Ou tudo isso.

Relevante é chegarmos a uma discussão que nos leve a algum lugar. Que talvez nos tire a vontade de fingir termos 100% de liberdade para fazer o que, em tese, fazem os jornalistas. Cobrimos entretenimento, compramos eventos, vendemos. Não somos isentos. Não podemos ser.

Se há uma relação comercial não há, portanto, jornalismo?

Talvez na rigidez que os antigos e mais quadrados ditem, não. Mas é preciso, e talvez possível, encontrar um meio termo.

Essa tese jamais será levantada por emissora alguma, já que as mais azedas, as que pregam o “jornalismo custe o que custar” são as que normalmente o fazem pelo não direito de transmissão e pela mesma necessidade de se vender outro produto. No caso, o campeonato ingles, ou alemão, ou a série B da Russia. Enfim.

Eu gostaria de saber de que forma posso vender um sonho, alimentar uma paixão entregando verdades.

Gostaria de entender como se discursa hipocritamente sobre o “bom ou mau jornalismo” diante de um contrato entre seu chefe e o possível investigado. Com que moral se vai a um clube onde você é sócio de um jogador ou de um dirigente e se faz uma denúncia?

Errado, portanto? Não, longe disso. Apenas hipocrita, eu diria.

Jornalismo esportivo não existe. E se existe, é burro e auto-destrutivo. Denunciar é preciso, nosso dever. Apurar, informar, mas jamais sem sufocar a paixão. E as duas obrigações são altamente conflitantes.

Talvez sejamos uma mistura de vendedor de sonhos com informante de “algumas verdades”. Talvez isso nem exista. Talvez as redações não tenham a exata nocão comercial do que fazem, até porque a faculdade também não vai até este ponto e vende, também, o sonho de que jornalismo é apenas um ideal, não uma profissão que busca lucro e venda de jornais como todas as outras.

Idealistas não permitem uma virgula sobre suas teses. Morrem quase todos pobres, reclamando.

Reclamar é um esporte. Sem direitos de arena. Porque se tivesse, fatalmente muitos de nós, “jornalistas esportivos”, estaríamos pisando em ovos para reclamar.

abs,

RicaPerrone

8 Replies to “Jornalismo e Futebol: Uma relação hipócrita (por Rica Perrone)”

  1. Concordo, mas citando a ESPN, eu diria que talvez lá a coisa é mais bem feita. Tem diversos programas que não poupam críticas e inclusive já vi transmissão de basquete, tenis e futebol, com o comentarista criticando a partida, organização e mais. É verdade que eles vendem bastante produtos internacionais, mas é mil vezes melhor do ponto de vista do “jornalismo” que a tv aberta.

  2. Orgulho desse Rica Perrone de quem ajudei a tirar da sarjeta sambística rs

    Uma coisa que aprendi na faculdade é que imparcialidade jornalística não existe, até porque toda empresa jornalística tem um dono e esse dono tem interesses

      1. Com certeza. A impressão que hoje a imprensa carnavalesca virou uma grande “Revista Caras”

        1. A Caras ainda critica alguma coisa, nossa imprensa carnavalesca nem isso… Essa visão utilitarista de curto prazo mata o longo prazo

  3. Obrigado!
    Escreveu tudo que já deduzia e imaginava, porém, talvez por minha falta de experiência, essas palavras não eram claras pra mim. Foi cirúrgico.
    Tenho 55 crônicas publicadas e ingressarei na faculdade de comunicação nesse segundo semestre… Acho que estou no caminho. Adoraria uma sincera opinião dos amigos sobre minha última publicação (no link abaixo). Até, companheiros.

    http://www.oestandarte.com.br/os-escolhidos

    Abraços

  4. Só pra lembrar que sem duvida alguma o futebol mexe com politica, violencia, e economia. Privar informações sobre esses assuntos, como disse voce, é desrespeito com o jornalismo e com o leitor. Pior ainda sabendo muito bem que voce sabe disso, soa hipocrita tentar se explicar, e dizer que o que importa é promover alguma coisa, o que está errado, está errado.

  5. futebol..e midia é uma coisa de me engana que eu gosto..futebol serve para enganar analfabetos…quando tem letrados dizendo que é fanatico é porque leva vantagem em cima de trouxa

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