Nesta quinta, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, compara o cenário do recente filme sobre Renato Russo com o que ele viveu na realidade.

Temos Nosso Próprio Tempo

Era minha primeira semana na faculdade, março de 1985. Doido para me enturmar com gente nova, aceitei o convite de uns veteranos para ir ao Circo Voador no sábado em uma noite punk. Eu nunca tinha ido a um show punk, afinal tinha 17 anos e uma adolescência passada na Tijuca ouvindo Beatles e Led Zepellin, mas achei que pudesse ser algo divertido. As primeiras bandas de rock já estavam a pleno vapor; eu tinha um LP do Barão Vermelho, outro do Paralamas do Sucesso, devia ter mais alguns também.

A atração principal da noite era uma banda paulista chamada Cólera, que eu nunca tinha ouvido falar, óbvio, mas era conhecida pelos entendidos. E mais duas bandas iniciantes, que sequer me disseram o nome quando foram me buscar em casa.

Pois foi justamente a banda que tocou antes do Cólera que me chamou atenção. E os caras eram tão gente boa que depois do show desceram para a plateia e assistiram o show principal no meio da muvuca, dançando pogo. Um pogo bem violento, como se espera de uma noite punk.

Na volta para casa, um colega me disse que aquela banda de Brasília já tinha um LP gravado, procurando com calma dava para achar. Não sosseguei enquanto não comprei o álbum Legião Urbana, que agora sei que tinha sido lançado apenas 2 meses antes desse show, daí a razão do Cólera, com álbuns gravados bem antes e uma pequena história no nicho punk, abrir o show.

Rapidamente – muito rapidamente – a Legião Urbana deixou de ser uma banda alternativa e foi absorvida pelo mainstream. Todas as rádios e programas só tocavam Legião. Todo mundo que era jovem amava Legião. Os shows não eram mais no Circo Voador. Me lembro que a primeira vez que eles tocaram Faroeste Caboclo (que só foi gravada em 1989) foi no também lendário Noites Cariocas, com a fila para pegar o bondinho entupindo a Praia Vermelha. E isso também foi em 1985, mais para o final do ano.

Por que essa onda retrô? Porque está em cartaz “Somos Tão Jovens”, filme que conta a história de Renato Russo ANTES da banda vir para o Rio gravar seu primeiro disco. A minha geração, os filhos da Revolução (para quem tem menos de 30 anos, explico, são as pessoas nascidas durante a ditadura militar, que os generais gostavam de chamar de Revolução), passou os anos 80 ouvindo Legião, Paralamas e Titãs – por isso acho engraçadíssimo quando vejo festas com músicas daquela época e só dá Rosana, Ursinho Blau Blau, Menudo e outras coisas que nunca ouvimos.

Mas para quem é testemunha presencial daqueles anos de transição, nada pode ser mais artificial do que o filme. O Renato Russo do filme tem uma relação robotizada com os pais. Mal se percebe que ele era gay – e olha que Renato sempre foi homossexual declarado. O uso de drogas, um ritual sagrado para os artistas daquela época, é sutil. Em resumo, o que se vê nas telas não é o Renato Russo que a gente admirava, mas aquele que provavelmente a avó dele gostaria que ele tivesse sido – um menino traquina, só isso.

Ao plastificar Renato Russo como um personagem que caberia em Malhação, fica de fora o que ele tinha de melhor, que era a capacidade de produzir coisas belas por conta de sua personalidade em permanente conflito, seu ar angustiado, seu sofrimento pulsante – Renato nunca parecia estar feliz.

Sem contar que os diálogos e as interpretações dos atores chegam a ser constrangedores. Se eu fosse o Herbert Vianna, processaria o diretor, porque quem não sabe de quem se trata fica com a sensação de que o Herbert era retardado. De bom, mesmo, só a semelhança impressionante do ator com o protagonista: há momentos em que parece mesmo que era Renato que estava ali. E as músicas, claro. Mas até ali tenho cá minhas dúvidas, não sei se todas elas foram compostas antes de 1984, data em que o filme termina.

Eu não gostei, em resumo. Mas talvez a culpa não seja do filme. A culpa é de quem viveu aquela época intensamente e pode atestar que as coisas não eram bem assim. Esse é um dos dilemas da vida.

Temos nosso próprio tempo, que é, afinal, irreproduzível.

One Reply to “Bissexta – “Temos Nosso Próprio Tempo””

  1. PUTZ! CARA CONCORDO COM VC . FUI AMIGO DO RENATO E ESTAVA LÁ. ONTEM FUI ASSISTIR AO FILME E ,ASSIM COMO ALGUMAS PESSOAS, TAMBÉM ME RETIREI ANTES DE TERMINAR.DE 0 A 10 ,MINHA NOTA FOI 01. MANFROIDS MERECIA UM FILME MELHOR INTERPRETADO E DIRIGIDO E , ACIMA DE TUDO, POÉTICO. TRISTE BRASIL AMADOR.

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