Na coluna Orun Ayé de hoje o compositor Aloísio Villar faz um balanço de seus quinze anos como compositor de samba de enredo, do qual sou personagem periférico. Aliás, é um orgulho poder dizer que fui um dos parceiros de Villar nesta trajetória.
Aproveito para fazer um desafio ao colunista: enfrentar novamente a Portela e disputar samba no Império Serrano. Está na hora do doutorado.
Vamos ao post.
Quinze Anos
Quinze anos.
Quando uma menina chega a essa idade é um momento especial. Ainda acontece hoje em dia, mas antigamente era forte o hábito de quando a moça chegava aos quinze anos ganhava de presente uma festa de debutantes – com direito a um grande evento e dançar valsa.
E quando uma carreira? Um sonho chega aos quinze anos?
As pessoas sempre estranham porque sou um aficionado por datas. Lembro-me de várias datas importantes para mim, guardo estatísticas importantes para minha vida e por causa disso devo ser um dos raros compositores de samba-enredo que ainda lembra exatamente quando começou, quantos sambas fez, quantas finais e quantidade de vitórias.
[N.do.E.: também me lembro. Nove sambas, oito assinados, sete finais, quatro vitórias, isso até o carnaval 2012. Nada mal (risos)]
E essa boa memória, que espero carregar ainda por muito tempo, me faz comemorar uma data especial essa semana. Aniversário do, até hoje, projeto mais bem sucedido da minha vida.
Algumas coisas que contarei hoje já foram contadas em outras colunas, mas quero revisitá-las. Até porque novos amigos devem ter chegado nesse período e não conhecem.
Eu, como a maioria das pessoas, sou um que coleciona fracassos, apesar de todos gostarem de passar a imagem de vencedores. Quis ter um clubinho na minha casa e deu errado, destruímos tudo numa guerra de mamonas, time de futebol e de taco com os meninos da rua também não deu certo. Adolescente quis ter uma banda de rock, nunca tive, fiz teatro amador e desisti, entrei em partido político e também não deu certo.
E tentei ser compositor de samba-enredo. A coisa mais inusitada entre todas as citadas acima. Nunca ninguém imaginou que um cara sossegado, branquelo, caseiro e tímido como eu era pudesse ser compositor de escola de samba, um meio de malandros, mulatas e samba no pé.
Mas eu sempre gostei de carnaval mesmo ficando na minha, só vendo pela tv. Estava no sangue porque meu pai era passista do Boi da Ilha. Com oito anos via desfile sozinho enquanto todos em casa dormiam. Fui me apaixonando pela União da Ilha e em 1994, aos dezessete anos, pela primeira vez cogitei com meu pai virar compositor de samba – mas deixei pra lá.
Só comecei a levar a sério em 1997, quando vi em um jornal uma coluna de carnaval dizendo que a União da Ilha entregaria para os compositores a sinopse do enredo “Fatumbi, a Ilha de Todos os Santos”.
Não sei o que deu em mim. Sempre fui um cara tímido, com vergonha de “botar a cara” em algumas situações. Olhando hoje retrospectivamente não sei como eu fui à União da Ilha, pela primeira vez entrando em uma quadra de escola de samba na vida, sem conhecer ninguém para pegar uma sinopse. Detalhe: nunca tinha escrito samba, nem sabia como escrevia um samba-enredo e como era uma disputa.
Cavaco? Torcida? Pagar cantor? Não tinha a mínima ideia dessas coisas.
Entretanto pela primeira e última vez na minha vida tive apoio do meu pai para algo. Fiz o samba em um dia e ele me levou até o Quinho, cantor do Salgueiro, para que eu mostrasse meu samba e tentasse que ele cantasse o mesmo na quadra.
Quinho me ouviu cantando. O samba era horrível, mas na época eu achava ótimo e educadamente ele me disse que não dava porque já tinha fechado com uma parceria, mas eu chegaria à final.
Claro que eu não chegaria. Cheguei quatorze anos depois – e com ele cantando.
Meu pai me levou até um cara chamado Dãozinho. Mostrei o samba e ele topou cantar. Fomos até um chamado Cadinho que já estava fechado com um samba, então Dãozinho convidou seu irmão Ricardo para cantar com ele.
Nesse período um amigo que fiz no PDT, Paulo Travassos, soube que eu faria samba e quis fazer um também. Fez com outros dois amigos – e conseguiu fazer um samba pior que o meu.
Assinei sozinho meu samba tendo Dãozinho e Ricardo defendendo. Tivemos uma audição na quadra no dia da entrega e nesse dia os 53 sambas foram divididos em chaves para se apresentar sexta e sábado. Meu samba ganhou o número 48, designado pra se apresentar no sábado.
E assim fui com minha mãe e minha avó como torcedoras até a quadra da União da Ilha no dia 20 de julho de 1997 apresentar meu primeiro samba-enredo. Naquela noite eu começava meu primeiro concurso.
20 de julho de 1997. Anteontem essa data completou quinze anos.
Aquele samba só teve uma semana de vida: caiu na semana seguinte. Naquele mesmo ano com Paulo Travassos, Dãozinho e Cadinho fiz minha primeira final, no Boi da Ilha.
20 de julho de 1997, 22 de julho de 2012.
Daquela data em que eu nervoso sentado em uma mesa próxima ao palco com as mulheres da minha vida (Bia ainda não nascera) e meus cantores esperava a chamada do samba 48, muita coisa aconteceu.
Fiz 86 sambas de enredo para escolas de samba, cheguei a 54 finais e ganhei 27. Fiz 18 sambas para blocos, 15 finais e sete vitórias, oito sambas de terreiro, oito finais e três vitórias. Ganhei Estandarte de Ouro, S@mba-Net e troféu Jorge Lafond no Rio de Janeiro e dois Tamborins de Ouro em Cabo Frio.
Aprendi a vencer e a perder.
Obtive vitórias consagradoras como no Boi da Ilha em 2001, minha primeira vitória, samba vencedor de Estandarte de Ouro e até hoje considerado um dos melhores do século [N.do.E.: como já escrevi aqui, ao lado de União de Jacarepaguá 2004 e Portela 2012 é um dos três melhores sambas deste século]. Ou União da Ilha 2012, quando finalmente realizei o sonho de vencer no grupo especial e na minha escola do coração, onde tudo começou.
Tive derrotas muito doídas como no Boi da Ilha em 2008 quando não consegui dormir na noite seguinte e Boi da Ilha 2011, quando tive que sair da quadra com medo de pela primeira vez chorar por causa de uma derrota.
As melhores letras que fiz na minha vida, com melodias fantásticas feitas por grandes parceiros, mas que nunca irão conhecer porque esses sambas hoje moram no limbo dos derrotados.
E anos especiais como carnaval 2003 quando ganhei dois sambas na mesma noite (Acadêmicos do Dendê e Império da Tijuca) e carnaval 2007 quando ganhamos quatro sambas. Ao ganhar o último deles (Unidos da Ponte) me isolei no banheiro enquanto todos comemoravam na quadra e rezei à minha mãe dedicando a ela, recém falecida, aquele ano especial.
Vitórias incontestáveis como no Boi da Ilha em 2007 em que até os adversários pareciam torcer pela gente e Acadêmicos do Dendê 2008 ganhando sem som.
Conturbadas, como no Acadêmicos do Sossego em 2005 quando achamos melhor comemorar vindo para a Ilha devido a animosidade na quadra. Vitórias que talvez não merecêssemos como Dendê 2003, junções polêmicas que não deram certo e prejudicaram a escola como Boi da Ilha 2003 e outra que deu certo demais – Boi da Ilha 2009.
Alguns momentos de deslumbramento me achando “pica das galáxias”, outras sendo obrigado a ser humilde e reconhecer que existem grandes talentos que podem te derrotar de forma impiedosa. Aprendizado com enredos culturais e aprendendo a superar limites com enredos bisonhos e principalmente, o aprendizado que somos nada sozinhos.
No samba fiz grandes parceiros, para vida inteira. Seja gente que fazia letra, melodia, gente que não fazia uma coisa nem outra – mas que bancava o samba financeiramente. Sem essas pessoas nada ocorreria, amigos que cantaram meus sambas, algumas vezes recebendo pouco e nem recebendo, amigos que fiz torcendo pelos nossos sambas ou mesmo competindo contra…
Amigos…
Obrigado a todos os amigos que fiz no samba nesses quinze anos, a maior vitória que poderia ter. Amigos como Paulo Travassos, que participou de todo o início, sofrendo, suando comigo, catando moedinhas pra pagar cavaquinhista. Roger Linhares que me fez mudar de patamar no samba com seu canto maravilhoso e dom pra melodia. Bruno Revelação, que entrou em grandes roubadas comigo, mas sempre foi amigo, disposto a ajudar, guerreiro…
… E um agradecimento especial a Ricardo Carvalho da Silva, o Cadinho da Ilha, meu parceiro de forma ininterrupta desde o carnaval de 2002. O cara com quem mais brigo, mais xingo, mas mais amo nesse meio e mais me entende. Literalmente hoje trabalhamos por música, quando criamos já sabemos um o que o outro vai fazer.
Eu só sei fazer letra. Não sei fazer melodia, não sei cantar nem banco sambas então sem meus parceiros, sem as pessoas que passaram e estão comigo hoje sou nada e não teria conseguido ganhar nem samba em escola virtual. Samba é trabalho em grupo, inspiração e transpiração de forma conjunta.
Nesses quinze anos enumerei quinze sambas que mais me marcaram, os que ao mesmo tempo mais gosto e mais me orgulho.
Acadêmicos do Dendê 2012
Com meu querido amigo Bruno Revelação, com o dono dessa bagaça Pedro Migão e a força da juventude de Lobo Jr fizemos um duelo de titãs com outra parceria e na garra conseguimos a junção e as quatro notas dez na avenida.
[N.do.E.: aproveito para fazer um protesto. Até hoje não recebemos do Ecad os direitos referentes a este samba. E olha que é uma merreca…]
União da Ilha 2011
Ano que voltei à escola com Cadinho, Roger, o campeoníssimo e amigo Carlinhos Fuzil, Fabiano Fernandes e Jair Turra. Cheguei à minha primeira final no grupo especial e tive a honra de ter Wander Pires cantando um samba meu.
Mangueira 2010
Com as feras Diego Nicolau, Diego Tavares, Thiago Daniel, Marcelo Motta o projeto de fazer um samba na escola que saiu uma obra muito bacana. Nos mais de 100 sambas da disputa, sem dinheiro, sem torcida chegamos entre os 10.
Boi da Ilha 2009
Uma disputa em que começamos muito fortes, atropelando e fomos surpreendidos no fim pela força de outra parceria. Resultou numa acertada junção em que todos saíram ganhando. Samba venceu os prêmios S@mba-Net e Jorge Lafond como melhor samba do Grupo B.
São Clemente 2008
Junto a amigos como Armando Daltro, Alexandre Araújo e Rodrigo Telles, o palco mais forte que tive até hoje: Roger Linhares, Ito Melodia, Igor Vianna, Junior Duarte, Cadinho da Ilha e Marquinhus do Banjo. Samba bem animado e gostoso.
Acadêmicos do Dendê 2008
Parceria forte com Walkir, Barbieri, Pedro Migão, Ito Melodia, Bruno, Cadinho entre outros, que ganhou o concurso sem som na final. A quadra toda cantou quando o som pifou, consagrando o samba.
Beija-Flor 2007
Com Diego Nicolau, Diego Mendes, Cadinho, Ciganerey o último samba que fiz para a Beija-Flor. Samba afro e forte.
Mocidade Alegre 2005
Minha estreia no carnaval de São Paulo com Cadu, Almyr e Gabriel, campeões de samba na Mangueira, Acho esse samba em homenagem a Clara Nunes emocionante. Infelizmente não consegui ver na quadra.
Imperatriz Leopoldinense 2005
Estreia na Imperatriz com Handerson Big, Armando Daltro, Paulo Travassos, Cadinho, Diego Mendes e Junior Duarte. Surpreendemos com um samba leve e brincalhão chegando próximos à final.
Boi da Ilha 2002
Samba sobre a cidade de Holambra feito de forma rápida aqui em casa. Primeiro samba do trio Aloisio Villar/Cadinho da Ilha/Roger Linhares. O bicampeonato no Boi, balançando a roseira.
Beija-Flor 2004
Estreia na escola. 107 sambas escritos e ficamos entre os oito – e nossa vitória chegou a ser cogitada. Último samba defendido por Jackson Martins na escola em que iniciou sua carreira e o mais bonito – dito pelo próprio.
Boi da Ilha 2011
Amor de mãe gera frutos no pomar, amor de mãe doce como guaraná… Samba sobre a lenda do guaraná que perdemos no desempate. Doeu…
Boi da Ilha 2008
A letra da minha vida. Samba feito com Barbieri e Cadinho onde quarta-feira tivemos a informação que venceríamos – e perdemos no domingo.
União da Ilha 2012
Botando molho inglês na feijoada, a realização de um sonho.
Boi da Ilha 2001
O samba da minha vida, não há outra definição. Aliás, é o nome desta minha coluna no Ouro de Tolo.
Só posso agradecer ao samba tudo que me proporcionou, de bom e ruim porque é na dificuldade onde aprendemos. O samba acabou sendo uma espécie de “pai” para mim porque ajudou a me criar e formar meu jeito de ser. Amadureci dentro de quadra de escola de samba.
Entrei no samba recém-saído de adolescência, tendo tudo na mão de mãe e avó, cabelo grande parecido com rockeiro e hoje sou um pai que tem suas responsabilidades e sabe que a vida é como uma disputa de samba-enredo. A vitória e a derrota nunca são definitivas.
Sempre existe a disputa seguinte.
E debutando, dançando a valsa ao ritmo da bateria, agradecer pelo meu projeto mais bem sucedido na vida. Aos quinze anos que me transformaram e fizeram o garoto de vinte anos que entrou na União da Ilha para pegar a sinopse sem ao menos levar uma caneta falar…
“Não é que você conseguiu filho da ….”
Calma menino, sem palavrão, olhe o açodamento..
…não se esqueça que a nossa força vem da humildade. Orun Ayé!
*Essa coluna é dedicada a Dãozinho, a primeira pessoa que acreditou em mim e que faleceu há algumas semanas. Obrigado Dão por sua confiança e por ter cantado meu primeiro samba. Sempre vou lhe dever isso e saiba que todo samba que faço com meus parceiros tem um pouco de você. Você está no meu coração e nos meus versos.
*Também dedicado a minha mãe Regina Villar. Mãe, obrigado por ter se dedicado tanto na disputa do Boi de 1998 e guardado sozinha depois as bandeiras, chorando em casa porque eu perdi aquela final. Acho que valeu a pena porque eu perdi aquela final, mas ali não era o final. Ao final eu venci.

One Reply to “Orun Ayé – "Quinze Anos"”

  1. Nossa, esse depoimento é emocionante. Emocionante e inspirador. O trabalho de um compositor é sempre o trabalho de um artista. E o seu trabalho é vitorioso, Aloísio. Mesmo tendo tudo pra perder, você demonstrou ser um grande guerreiro. Suas vitórias são frutos de seu suor. E de sua humildade.

    Parabéns, irmão. Você merece muitas vitórias nessas batalhas que enfrenta na vida.

    Aplausos, meu rei. \0/ \0/ \0/ \0/ \0/ \0/ \0/

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