“Luis Inácio falou, Luis Inácio avisou
são trezentos picaretas com anel de doutor (…)

Pesquisando pelo Youtube para a coluna “Final de Semana” da próxima sexta, me deparei com esta canção, de autoria do Paralamas do Sucesso. Composta em 1995, faz referência a uma célebre frase do hoje Presidente Luis Inácio Lula da Silva de que “no Congresso tem trezentos picaretas com anel de doutor”.

A canção me leva a uma reflexão, que queria dividir com os leitores.

Não irei me ater aqui a cantilenas do tipo “todo mundo é igual”, “todo mundo é picareta” ou coisas do gênero. Infelizmente a nossa população, independente de gênero social, escolaridade e informação, tende a considerar os políticos em Brasília como algo apartado da sociedade. Não são.

O mesmo povo que critica os políticos e condena a corrupção surrupia 50 centavos dos outros, sonega impostos, usa e abusa do famoso “jeitinho” brasileiro, conspira para derrubar colegas de trabalho e compra inúmeras brigas por causa de migalhas. É capaz de qualquer coisa por pequenas vantagens. Ou seja, o comportamento dos políticos em Brasília, sejam quais forem, é reflexo de nossa sociedade. É meu reflexo e é reflexo de você, leitor. Nós os colocamos lá.

Outrossim, o nosso sistema político possui uma característica que torna bastante complicado o ato de governar, seja quem for o eleito: a composição das bancadas no Congresso é bastante pulverizada entre os partidos, de forma que qualquer Presidente que assumir ao mandato terá de fazer composições políticas. Como a nossa cultura parlamentar é basicamente clientelista, o ocupante do Executivo acaba como “refém” destes interesses, pois sem o Congresso Nacional não se governa e nenhum candidato à Presidência consegue formar uma bancada coesa que lhe dê maioria absoluta dada a pulverização partidária existente.

Por outro lado, a estrutura politico-partidária brasileira ainda fortalece partidos que não detém votos para ocupar o Executivo, mas possuem papel preponderante na eleição de deputados e senadores: são os casos do PMDB e do DEM, ex-PFL – embora o fato de ser oposição está acabando com este último, dependente do poder como um ser humano de oxigênio que é.

Isso força os ocupantes do Palácio do Planalto a fazer concessões a fim de manter um mínimo de estabilidade política e conseguir aprovar os projetos necessários para o ato de governar. Esta é a razão de existirem “emendas parlamentares”, “acordos de bancada” e, sendo bastante cínico, “mensalões”, “compras de votos” e mecanismos assemelhados.

Ressalto que Fernando Henrique Cardoso obteve muito mais sucesso neste “toma lá, dá cá”, a ponto de rasgar a Constituição em um “golpe branco” para se manter no poder – à moda de Hugo Chávez. Dizem que à custa da “compra” de deputados a fim de aprovar a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da reeleição. Infelizmente, jamais se investigou tal denúncia.

Como o conceito de “imunidade parlamentar” foi ampliado no Brasil, o Congresso também se tornou refúgio de investigados pela Justiça que buscam no mandato parlamentar uma forma de paralisar os processos judiciais em andamento contra si. Lembro aos leitores que o conceito de imunidade parlamentar é restrito aos crimes de opinião, para que o parlamentar possa se utilizar da tribuna do Congresso da forma que melhor o convier. Infelizmente, aqui no Brasil este conceito foi “alargado” e se tornou, praticamente, “Impunidade parlamentar”.

Na prática, a “Lei Ficha Limpa” só tem o intuito de tentar corrigir o erro inicial, que foi o de ampliar o conceito de imunidade parlamentar. Mas sem dúvida há muitos deputados e alguns senadores muito mais preocupados em garantir a sua liberdade pessoal que em questões pertinentes ao país…

Outra problemática é a existência de “bancadas temáticas” no Congresso, em especial a bancada ruralista e a evangélica. Os deputados pertencentes a estas bancadas votam em bloco nas questões, independente do partido a que pertencem ou da orientação do líder da bancada. Na prática, utilizam as legendas partidárias unica e exclusivamente para se elegerem, atuando de acordo com afinidades como as descritas acima – até porque não há uma lei de fidelidade partidária que obrigue os deputados a votar ordineiramente de acordo com a orientação do líder da bancada.

Ou seja, o mandado é do partido no que se refere à troca de legenda durante o mandato, mas é do deputado para a expressão do voto. Particularmente, acho uma incoerência.

Somente uma Reforma Política digna do nome – que hoje não passa no Congresso pelos motivos descritos acima – corrigiria as distorções descritas acima e tornaria mais propício à ética e ao debate de idéias o dia a dia do Congresso. Mas você leitor possui uma forma muito simples de minorar estes efeitos: seu voto.

É simples: se você é eleitor de Dilma como eu, procure votar em candidatos à Câmara e ao Senado dos partidos da coligação – PT, PMDB e PDT, entre outros. Se vota em Serra, faça o mesmo votando em candidatos do PSDB, do DEM ou do PPS. Se sufraga Marina Silva, nos candidatos do PV.

Para governador o raciocínio é igual, procure correlacionar seu voto no deputado estadual ao voto para governador.

Agindo desta forma seu voto permite que o eleito tenha uma bancada maior e, consequentemente, dependa menos destes acordos espúrios para manter a governabilidade do país ou do estado em um nível aceitável. Lembro aos amigos que, a despeito das denúncias de corrupção, o que derrubou o ex-Presidente Fernando Collor foi justamente o seu péssimo relacionamento com o Poder Legislativo.

Outro fator fundamental é fiscalizar o seu candidato a deputado ou a senador. Se o leitor acompanha a sua atuação durante o mandato torna-se mais fácil decidir o seu voto na hora das eleições.

Mais perto das eleições voltarei ao tema, mas é hora de refletir e perceber que Brasília e os políticos que lá residem são consequência direta da sociedade. Pense nisso.

P.S. – abaixo disponibilizo a composição da bancada atual da Câmara dos Deputados, para o leitor ter uma idéia da pulverização existente hoje. Clique na imagem para ampliá-la.

2 Replies to “Trezentos Picaretas ? Uma reflexão sobre o Congresso Nacional”

  1. Diria que você cometeu algumas ingenuidades: considerou que o PMDB é uma força fiel ao PT e considerou que a maioria tornaria imune o governo a fisiologia…

    O PMDB faz o papel de fiel da balança sempre pela capilaridade nacional instituída pelo bipartidarismo existente na época do regime militar: na época, quem era governo, era Arena; quem era oposição, era MDB. Desde o fim do regime militar, não havendo maioria, o PMDB será governo. Sempre. Pois é o maior partido que pode mais facilmente mudar de lado, pois é facilmente cooptável. Basta oferecer os ministérios e os cargos certos.

    E a fisiologia existe, como você disse, por nossa própria mentalidade. Infelizmente, essa mentalidade contamina qualquer coligação existente. Mesmo votando dentro das coalizões o fisiologismo irá existir. A única maneira que vejo de eliminá-lo é eliminando-o de nossa própria sociedade e fazendo com que os políticos sejam como fraldas: trocando-os quando estiverem sujos. Para mitigar (e não resolver!) a questão, o melhor seria nem votar nos partidos da coalizão, mas apenas no partido que encabeça a coalizão. Mas a solução real é trocá-los após demonstrem ultrapassar o nível suportável de uma fralda para um bebê: que não cheire mal, nem o faça chorar. Sujou, troca. Disso, estou certo que você entende melhor que eu…

  2. Bruno, como escrevo no texto a única solução é uma Reforma Política digna do nome. Mas isto não passa no Congresso nem a pau.

    Mas a vinculação informal do voto já melhoraria o problema. Hoje, infelizmente ou você faz este tipo de acordo ou não consegue governar.

    abs

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