Muito se falou do futebol feminino, muito vem se falando, mas logo será esquecido novamente.

Toda Olimpíada é assim. Lembramos que o futebol feminino existe e torcemos fervorosamente. Lamentamos quando nosso time é eliminado e exigimos um maior apoio, incentivo ao esporte. Queremos patrocínios, que a CBF organize um campeonato e os clubes de futebol masculino invistam. Mas com o tempo deixamos de lado, nem nós nos interessamos e o futebol feminino volta ao limbo.

Como fazer crescer uma modalidade que não tem público? Que nós mesmos – que reclamamos – não somos capazes de ir a um estádio ver jogo que não seja de Olimpíada? É muito complicada a situação.

O mundo é machista e sei que você já sabia disso. É machista e não é só no futebol, feminino, mas em todos os esportes. Recentemente foi revelada que a premiação do campeão da Liga Mundial de vôlei é muito maior do que da campeã do Grand Prix, assim como já tivemos polêmicas no tênis sobre a diferença de premiação entre homens e mulheres.

Os Estados Unidos são os reis dos esportes, mas se existe beisebol feminino conhecemos pouco, NFL versão feminina nem pensar e com certeza as craques da seleção americana de basquete ganham bem menos do que LeBron James.

Se em todos os esportes, em todos os países é assim, imagine no Brasil, que pouco valoriza esportes em geral? Imagine o futebol feminino que ainda tem o azar de pertencer à mesma seara da maior paixão nacional e mundial, o futebol masculino?

A verdade é que poucos são os que realmente gostam de futebol feminino durante os quatro anos sem Olimpíadas, até conheço alguns deles e admiro. A maioria, como eu, se interessa nesse período, torce, vibra, se enerva, mas tudo com prazo de validade. E ainda tem aqueles que mostrando um pretenso apoio na verdade debocham e mostram machismo.

Confesso que quando fui ao Engenhão entrei na onda e fiz o mesmo, mas me arrependi. Estou falando do grito “A Marta é melhor que o Neymar”. Dentro de cada esporte até acredito que seja. Marta foi cinco vezes melhor do mundo e é o maior nome de nosso futebol feminino na história e Neymar, mesmo sendo um grande craque, não venceu nada de relevante pela Seleção ainda.

Mas a maioria que gritou, me incluo nisso, não gritou para enaltecer a Marta e sim para “zoar” o Neymar. Queria na verdade dizer que ele era tão incipiente que era pior até que mulher. A força que sempre damos ao futebol feminino em Olimpíadas aumentou ainda mais esse ano, mas não por causa delas exclusivamente, apesar de começarem bem o torneio, mas porque estamos com raiva da seleção masculina pelos vexames recentes e pelo péssimo começo olímpico.

Existe uma mão pesada com a masculina e uma condescendência com a feminina em virtude da diferença de apoio (sendo que nós mesmos também apoiamos mais o futebol masculino) e o fato de jogadores serem milionários (esquecendo que são porque também dão muito lucro) e dessa forma tapamos os olhos para várias coisas.

Coisas como a Marta não ter feito uma boa Olimpíada, não ter decidido como se esperava, como a equipe só ter ido bem no começo e ficado três partidas sem marcar (escrevo essa coluna antes da disputa pelo bronze, minha opinião não muda seja com bronze ou quarto) e a seleção feminina passar por um momento aquém do período 2004 e 2008 quando vieram duas pratas.

O futebol feminino brasileiro hoje não está entre os melhores do mundo. Se valeu pelo fator casa para chegar a semifinal e perdeu a chance da sua vida do ouro olímpico. Perdeu também em 2004 e 2008, mas não ganhou a pecha de geração fracassada como outros esportes ganham, principalmente o futebol masculino.

Não ganhou devido ao pior sentimento que alguém pode receber. Porque as pessoas têm pena.

Têm pena da falta de apoio, de investimento, da discrepância financeira entre os gêneros quando elas não precisam de pena. Sim, falta tudo isso e é grave, mas há jogadoras que jogam na Europa, no Barcelona. A Marta é rica. O que elas precisam é de investimento, de apoio, mas mudança também em nossa mentalidade.

Elas precisam ser sim cobradas quando fracassam, a cobrança faz parte do crescimento assim como tem que ser enaltecidas pelo trabalho, talento e conquistas, não para ironizarem os homens. Serem tratadas com respeito e com a igualdade que as mulheres tanto pedem.

Sinceramente não acho que fizeram uma boa Olimpíada, em casa podiam mais, mas isso pode ser mudado. Já existem tantas leis de incentivo porque não uma para o futebol feminino? Uma ajuda aos clubes que montarem equipes profissionais? E esses clubes botando os jogos femininos nas preliminares dos homens nos grandes estádios? E a CBF e os clubes venderem seus jogos em pacote com masculino e feminino? São ideias, ideias sempre são válidas.

Elas não precisam de pena, precisam de espaço.

E a Marta não é nem precisa ser melhor que o Neymar.

Só precisa ser reconhecida pelo que é.

Twitter – @aloisiovillar

Facebook – Aloisio Villar

2 Replies to “A saga do futebol feminino”

  1. Texto perfeito Aloísio, você conseguiu sintetizar tudo o que também penso sobre o futebol feminino mas me enrolo todo para explicar a alguém, parabéns! Acho que o mínimo a fazer é a CBF organizar um campeonato minimamente decente, não pode ser a Copa do Brasil ou qualquer torneio em formato só de mata-mata, como um clube vai se animar a montar um time, investir, treinar, se sua participação pode acabar em dois jogos?

    E também acho que tem de cobrar mesmo, a falta de investimento na base atrapalha mas, pelo menos em relação a esse ciclo olímpico, não é fator decisivo, pois a maioria das atletas atua no exterior, e as que jogam aqui formaram, as melhores claro, uma seleção permanente, com a Granja Comary e toda a sua estrutura a disposição, sob o comando do Vadão, um treinador experiente. Ou seja, estrutura para a seleção em si, até teve, não dá pra crucificar as meninas, mas tem que cobrar sim. Falo para amigos que o dia mais importante da história do futebol feminino será quando um jornalista, de preferência da ESPN Brasil, pedir a cabeça do treinador da seleção, dizer que Marta e Cristiane não são “tão boas assim”, e que falta amor a camisa…

  2. Discordo quanto ao fato de as diferenças de premiação representarem machismo. As tenistas, jogadoras de futebol e de volei recebem menos porque suas competições dão menos audiência do que as equivalentes disputadas pelos homens. Quanto maior o retorno financeiro, maior a premiação.

    No mundo da moda os maiores salários são os das mulheres, e não vejo ninguém reclamando.

    Eu acho que o machismo causa esse desequilíbrio na origem de tudo, já que as mulheres não são estimuladas o suficiente para praticar esportes e a assistí-los na infância, o que culmina em menos mulheres praticando esporte em alto nível, prejudicando o nível técnico das competições em relação aos torneios masculino, sem falar da baixa audiência por parte das mulheres na maior parte das modalidades.

    Ou seja, a culpa não é das federações, e sim da baixa inserção das mulheres no mundo do esporte, desde cedo.

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