Peço licença aos leitores e ao editor chefe para falar de um assunto que parece não ter muito a ver com saúde, mas que está sim relacionado a isso e diversas outras questões. Mesmo que não estivesse, eu falaria aqui da mesma forma, até porque, desde quando li a notícia do ocorrido no Rio de Janeiro, não consigo falar nem pensar por muito tempo em outra coisa.

Não queria estar escrevendo sobre isso, queria que vivêssemos em uma sociedade tão evoluída que não fosse mais necessário debater isso, mas a realidade é um tapa diário na minha cara. Peço licença, novamente, para escrever esse texto que muito mais que uma coluna, é um grito de socorro.

Eu durmo cedo, pois levanto tão cedo quanto para trabalhar. Entretanto, costumo acordar de madrugada e foi na madrugada de quarta para quinta que li sobre a notícia do estupro a uma jovem de dezesseis anos. O ato em si já é abominável, cometido por 33 homens, então, é capaz de revirar o estômago. Não dormi mais aquela noite, não dormi direito essa noite, briguei com pessoa que gosto muito por ter opinião diferente sobre o assunto, não venho falando em outra coisa em redes sociais.

Não acho que há muito o que debater sobre o ato em si: estuprador deve ser preso e punido com todo rigor que a lei permite. Mas, acho que os motivos que levam um homem a estuprar devem ser debatidos sim. Estudei um pouco de psicologia, não o suficiente que me faça entender a mente de um estuprador, mas eles têm algo em comum: foram criados em uma sociedade machista, que acaba reforçando a cultura do estupro.

sombras-na-parede_2893012Antes de entrar no assunto propriamente dito, quero esclarecer duas coisas, ou melhor, dois termos que vêm causando polêmica: ‘’Cultura do estupro’’ e ‘’Estuprador em potencial’’.

Não queria entrar nesse mérito, acho que isso nem deveria ser foco das discussões que vêm tomando conta das redes sociais diante do ocorrido, mas antes que alguém pare de ler o texto na metade por não concordar com esses termos, antes que isso tome proporções indevidas, achei relevante também por em discussão.

Cultura, segundo a Sociologia, é ‘’um complexo que reúne conhecimento, arte, crenças, leis, moral, costumes, hábitos adquiridos pelo ser humano não só em família, mas também na sociedade na qual ele vive.’’ Então, por mais que o termo não agrade a muitos, ele é perfeitamente aplicável, porque as relações de poder, a educação machista e patriarcal faz com que muitos homens se sintam no direito de abusar de uma mulher, como se ela fosse submissa, objeto. Não que o ato seja induzido por isso, até porque senão todos os homens se sentiram no mesmo direito, mas influencia muito mais que a gente imagina.

‘’Estuprador em potencial’’ não quer dizer que você, seu pai, se vizinho sejam capazes de estuprar, mas sim que quando nós, mulheres estamos na rua, em casa sozinhas, em qualquer lugar sozinhas, com desconhecidos, qualquer homem pode ser estuprador e não somos nós que dizemos isso: é nosso medo. Tantos casos já ocorreram em escolas, ônibus, trabalho, em tantos lugares que nós não nos sentimos mais seguras. Então, o termo se refere ao nosso medo, não aos homens e tampouco deveria ser utilizado para agredir ninguém.

Esses dois termos têm feito ocorrer uma verdadeira guerra dos sexos, têm colocado homens contra mulheres e o foco não é esse, a luta não é essa. Muito mais importante que a nossa indignação devido a generalizações que ocorrem tanto para homens quanto para mulheres, é a nossa indignação pelo que ocorreu. Devemos pensar antes na vítima, lutar por leis mais rígidas, desconstruir o machismo que é seu, meu, que está tão enraizado na nossa sociedade.

Estupro não está relacionado à uma questão sexual e sim mental, de relação de poder. Então não adianta defender castração química para estuprador, porque a mente dele vai continuar a mesma e o pensamento que ele carrega vai se perpetuar. Antes de punir, é melhor tentar educar, desconstruir o machismo.

sombras 1Como? Ensinando ao nosso filho que mulher deve ser respeitada, que o corpo dela é só dela, não é objeto. Desmistificando o pensamento de que homem quanto mais mulher ‘’pega’’, mais homem é, parar de rir daquela piada sexista, parar de expor a intimidade de mulher e isso não é só uma obrigação do homem: é da mulher também. Isso não é uma questão de gênero, é de todos nós. Não é uma questão de roupa, de horário, de lugar, nada disso causa estupro, isso é relativizar e culpar a vítima.

Segundo Philippe Pinel, considerado o pai da psiquiatria moderna, o louco é aquele sujeito que perdeu a razão, que tem pensamentos e ações sem sentido, tem comportamentos distorcidos que fogem à regra, a “alienação mental”.  Esse tipo de coisa é comum em quem sofre de esquizofrenia e de transtorno bipolar.

E porque eu estou falando disso? Porque vi muitos definirem os 33 estupradores como ‘’loucos’’, ‘’monstros’’. Será mesmo que esses 33 caras não tinha noção da realidade? Será mesmo que eles agiram fora de sua sanidade? 33 caras? Não.

Por isso sou contra chamá-los de monstros ou quaisquer outros adjetivos que vi por aí. Eram homens. Homens que ao serem taxados de loucos, monstros, são eximidos de sua responsabilidade, pois não estariam em sua plena sanidade metal quando praticaram tal ato. Tanto estavam que filmaram, puseram vídeo, debocharam. Nenhum deles teve a sensibilidade de parar, de sair da li, de não ser conivente com aquilo, todos abusaram da moça, um a um.

sombra 2Não podem e não devem ser tratados como doentes, loucos, eximidos de suas responsabilidades, considerados como casos a parte da sociedade. Eram homens sim, humanos, até porque só o ser humano é capaz de tamanha atrocidade. Eles são responsáveis pelo que fizeram, defini-los como loucos, monstros é relativizar o problema, é dizer que o que eles fizeram foi um ato de loucura e que não precisa ser debatido. Dizer que eram loucos é não compreender, ao fundo, porque as mulheres temos medo de pegar táxi sozinhas a noite, o por quê temos medo de beber muito sozinhas, o por que tememos.

Quando digo que foram homens, não os estou equiparando a você. Estou dizendo que pode ser o padeiro, o açougueiro, o vizinho, o médico. Será mesmo que eles são loucos? Os 33 devem acertar as contas com a justiça como homens, não como loucos. Dizer que são loucos, monstros, é dizer que devem ser internados numa clínica psiquiátrica e não colocá-los na cadeia.

Eu sozinha, escrevendo, posso até não conseguir muita coisa, mas você, eu, seu vizinho, cada um fazendo a sua parte, podemos ajudar a diminuir, quem sabe, o número assustador de uma mulher estuprada a cada 11 minutos no Brasil. Só porque você é incapaz de fazer algo assim, não significa que não possa fazer nada.

Todos somos responsáveis.

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