Obs: para uma explicação do procedimento das prévias americanas e de alguns termos técnicos usados nesta coluna, leia a coluna explicativa

Nessa última terça-feira ocorreu o dia mais importante de todo o processo de prévias nas eleições presidenciais americanas. A Super-terça colocou em jogo 22% de todos os delegados “comprometidos” dos Democratas e 28% dos “comprometidos” dos Republicanos.

O dia teve dois vencedores claros, um de cada lado: Hillary Clinton e Donald Trump. Por mais que ainda seja cedo para afirmar que a disputa presidencial em novembro será entre os dois, ambos deram passos bem largos em direção a nomeação com os resultados de terça-feira. Porém, não houve a desistência de candidaturas que se esperava no lado republicano.

Vejamos então como ficou o quadro em cada um dos partidos após o “discurso das urnas” de 11 estados de cada lado.

Partido Democrata

Havia dito na coluna da semana passada que a missão de Hillary Clinton nessa Super-terça era “vencer e trucidar” seu único adversário, Bernie Sanders. Ela não chegou a trucidar, mas venceu bem, a ponto de sair como a grande vencedora da Super-Terça.

Clinton já começou a trucidar ainda no sábado, no estado sulista de South Carolina. Uma vitória incontestável de 73,5% a 26%, que já rendeu a candidata uma vantagem de 25 delegados só neste estado.

Na Super-terça ela não desacelerou e venceu em sete dos 11 estados disputados, com direito a duas enormes lavadas de mais de 40% em estados sulistas com forte eleitorado democrata pertencente a minorias, especialmente os negros: Alabama (78% x 19%) e a Georgia (71% x 28%), esta com 102 “comprometidos”.

Além dessas duas lavadas, ainda teve mais outros 4 estados nos quais a diferença de votos entre os dois ficou em 30% ou muito próximo disso.

Dois deles eram esperados, pois são estados sulistas com o perfil próximo ao dos três estados acima, onde um bom desempenho de Hillary já era esperado. Especialmente em Arkansas (66% x 30%), onde Hillary já fora primeira-dama do estado quando seu marido Bill foi governador do estado. O outro estado foi o vizinho Tennessee (66% x 32,5%).

O terceiro estado é o populoso estado do Texas (65% x 33%), que também fica no sul, mesmo que com um perfil ligeiramente mais diversificado e metropolitano do que a maioria dos estados sulistas. Mesmo sendo historicamente republicano, o Texas é tão grande que ainda sim tem 222 delegados “comprometidos” no lado democrata e isso o faz ser o terceiro estado com mais delegados no partido.

A sexta pancada, essa por quase 30%, foi na Virginia (64% x 35%). Como já expliquei nesta coluna, a Virginia é um estado de transição entre o nordeste e o sudeste, situado imediatamente ao sul da capital Washington. Tinha forte tradição republicana, que se esvaiu na última década, e hoje é um estado com leve tendência democrata. Porém, o discurso social-democrata de Sanders sofreu alguma rejeição.

Em uma distribuição totalmente proporcional, como é a regra no partido, tais diferenças enormes em estados com número significativo de delegados são complicadas de reverter.

Por fim, apesar das 6 pancadas, a sétima vitória de Hillary talvez tenha sido a mais dolorosa para Sanders, apesar de ter sido bastante apertada, pois ela ocorreu em Massachusetts. Mesmo que tenha sido somente por 50% a 48% e que tenha representado apenas 1 delegado a menos para Sanders, Massachusetts é o estado considerado a capital do Partido Democrata. Dos estados mais influentes, talvez seja o mais guinado para a esquerda, epicentro da área chamada Nova Inglaterra e que divide uma longa e razoavelmente populosa fronteira com Vermont, seu berço político. Ou seja, para enfrentar uma forte candidatura como a de Clinton, uma vitória aqui era fundamental. Porém, ela não veio.

Não veio por um fenômeno muito interessante e eu não acho uma justificativa plausível: apesar de Sanders dominar praticamente todo o interior do estado; na área metropolitana de Boston, Clinton teve por volta de 10% a mais de votos.

Esse é um fenômeno que já ocorrera, mesmo que em proporções menores, em Nevada e não deixa de ser interessante, já que historicamente os centros urbanos costumam ter uma veia social-democrata mais forte do que o interior, que costuma ser mais pragmático. Os resultados nesses dois estados aconteceram exatamente da forma inversa.

Mas, se a noite não foi boa para Sanders, também não foi de lamentações totais. Em Vermont, seu berço político e a quem pertence a cadeira que ocupa no Senado, Sanders aplicou um sonoro 86% a 13,5%. Sanders ainda ganhou em Minnesota, Colorado e em Oklahoma. Especialmente os dois últimos, são estados com perfil diferente da Nordeste e da Costa Oeste, regiões onde sua candidatura mais empolgou em um primeiro momento.

Isso mostra que Sanders está também conseguindo diversificar seu eleitorado e que também é competitivo em estados que serão campos-de-batalha em novembro, no caso, Colorado.

Por causa das derrotas de grande distância, Sanders perdeu muito terreno em delegados na Super-terça e já está no total de “comprometidos” com uma desvantagem de 197 delegados.

Por causa da proporcionalidade em todos os estados, não é uma diferença fácil de zerar. Mas não é o momento de perder completamente as esperanças: Sanders saiu com 4 vitórias na Super-terça, a maioria dos estados teoricamente desfavoráveis a ele já passou e ele está conseguindo um excelente nível de arrecadação de dinheiro para sua campanha movida por várias pequenas doações de eleitores, em sua maioria de classe média.

É tanto dinheiro que hoje as estimativas apontam que Sanders tenha a mesma quantidade de fundos em caixa do que a campanha de Hillary ou até mais. Além disso, a partir do dia 8 até o fim do mês, virão estados “pesados” em delegados que teoricamente são favoráveis à sua candidatura.

Para realmente voltar a ser uma ameaça a Clinton, Bernie precisará de desempenhos de 5% a 15% melhores do que obteve em Massachusetts.

Contagem parcial de delegados* (estimativa):

  • Clinton – 609
  • Sanders – 412

Número mágico: 2382,5

* Neste momento inicial não contaremos os “superdelegados”, pois dependendo do resultado das sucessivas primárias mudanças são possíveis. Atualmente, pelo levantamento da CNN existem 468 “superdelegados” apoiando Hillary e apenas 21 apoiando Sanders. Tal fenômeno de troca de posição de “superdelegados” foi visto com intensidade quando da disputa entre Hillary e Obama há 8 anos atrás. Já a contagem de comprometidos foi extraída de acordo com os dados do blog The Green Papers.

Amanhã, vejam como estão as coisas no Partido Republicano.

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