Os compositores André Diniz, Martinho da Vila, Arlindo Cruz, Mart’nália e Leonel formaram para 2016 a chamada “superparceria” – ou a parceria galáctica, como diria o editor-chefe.

Pois bem, anunciada a parceria criou-se uma expectativa enorme pelo talento dos compositores reunidos e pela escolha do enredo a feitio, especialmente, de Martinho e Diniz. Com a divulgação dos sambas após uma primeira impressão inicial a sensação geral era de que o samba galáctico havia arrebatado a todos. Isso mesmo antes de se confirmar a vitória na disputa da escola de Noel Rosa, o que prova a qualidade da composição.

Por outro lado, ainda no dia da final surgiu a notícia de que caso a vitória se confirmasse haveria mexidas no samba. Confesso que não gostei da notícia e com a vitória e o samba alterado tive uma péssima impressão inicial da nova versão, que viria a ser modificada novamente. Particularmente decidi não escutar mais aquela gravação. Achei muito abaixo do que o samba poderia render numa melhor gravação e resolvi escutar de coração aberto a versão do CD. E admito que novamente fui arrebatado; foi amor à primeira vista e o samba me conquistou de novo… Essa introdução toda foi pra destacar o que vem a seguir.

Nos últimos dias venho expondo meu carinho para com a obra da azul e branca e sempre sofro de divergências de opiniões sobre ele. Muita gente não consegue compreender minha paixão pelo samba. Os motivos são os mais variados: uns falam que esperavam mais, outros por questões políticas e por último os que torcem o nariz para as mexidas.

Eu juro que entendo esse pessoal todo. Aceito quem esperava mais do samba pelos nomes do compositores e também compreendo para quem torce o nariz para o enredo da escola que exalta um esquerdista de marca maior – pelo momento do país [1]. Também sei que a grande maioria amava a versão concorrente e odiou todas as mexidas. Juro que acredito que esse pessoal tenha seus motivos para não ir com a cara do samba do pessoal da Boulevard. Entretanto, peço licença para apresentar os motivos que me levam a abrir o coração e escrever este artigo de defesa da composição, usando os propriamente os versos do samba.

Minha defesa para o samba na maioria das discussões que me envolvo sobre ele sempre parte do ponto onde o enredo “Memórias de Pai Arraia” foi em minha opinião contado de forma perfeita; tanto em termos de letra, quanto de melodia. Fico imaginando que Miguel Arraes ficava com os olhos rasos de água quando a seca castigava o sertão, seca que fazia até os carcarás sofrerem. Penso que ele cresceu sonhando em dar para aquela gente sofrida que se equilibra numa palafita apenas dignidade e amor, somente dignidade e amor.

Não menosprezo a sua luta para acordar o campo em busca de justiça, lutando costumeiramente com fé nos ideais para um futuro santo; fazendo que o povo despertasse e tivesse esperança nos canaviais. Me imagino um membro daquele povo, certamente com ternura o chamaria de Pai Arraia. Nos arrecifes onde se desenha a praia, ele tinha um sentimento no coração. No pensamento? Soluções reais. Para isso era simples, a liberdade partiria da educação e para isso seria necessário unir artistas e intelectuais. Juntos na criação da Cartilha no Cordel que foi feita para ensinar e abraçar a profissão fazendo que a arte fosse a inspiração.

Vendo esta obra, penso que certamente a homenagem da Vila só o faria cantarolar e se emocionar por estar na Sapucaí e ver sua mensagem numa gente aguerrida que defende a tradição do seu lugar e a cultura popular. Para festejar essa união só com o frevo e a ciranda, sem se calar jamais – até porque tem Maracatu na Batucada e o Galo da Madrugada nos nossos carnavais.

Junte essas mensagens a uma melodia que te remete a Pernambuco sem perder a essência do samba. Porque nada é tão bonito quanto a união do samba e do Galo da Madrugada, nada é tão justo quanto a união de Miguel Arraes e Vila Isabel. Ou vai dizer que lendo o samba você não acha que é hora de festejar com frevo e a ciranda vendo a mensageira Vila cantar nosso Pai Arraia? Vai dizer que esse sonho pernambucano já não virou um verdadeiro legado brasileiro?

A coluna de hoje foi uma defesa de quem se apaixonou pela versão do CD do samba da Vila Isabel; ressalto que o texto não foi feito para atacar ninguém ou para puxar o saco de Arraes ou qualquer compositor. Fiz o texto para expor a opinião de quem gosta muito desse samba e acha um tanto exageradas as críticas que ele vem sofrendo.

[N.do.E. 1: noves fora preferências políticas, o que precisa ser analisado no caso é se o homenageado tem uma boa história para contar. E, no caso, a história de Arraes é uma bela história. PM]

Imagem de Capa: Jornal do Brasil, 1979

16 Replies to “Um sonho da Vila, um legado do Rio”

  1. Excelente texto Bruno, eu fui um dos que torceram o nariz pro samba depois das mexidas, achei que ficaria ruim, mas entendi com o tempo o significado das tais, fora o banho de estúdio que o samba recebeu.

    1. Valeu demais, cara. Como eu falo no texto, eu fiquei bem chateado com as mudanças, mas resolvi escutar de coração aberto no CD e foi arrebatado de novo.

      É um grande samba, sem dúvida.

      Obrigado pela leitura e comentário.
      Abraços!

  2. Tão bom quanto cantarolar, se emocionar…é ler um texto que você gostaria de ter escrito. Caro Bruno, pensei mais de uma vez em fazer uma coluna “Carnaval por Esporte” defendendo aquela que considero a letra mais bonita do ano. Um samba que, consequentemente, está na minha lista de melhores do ano. Você expôs todos os meus sentimentos em soluções reais. É poesia musicada, tem verdade e sentimento, é samba de enredo porque o enredo está todo ali. Nem acho que perdeu tanto assim com as mudanças. Respeito muito a opinião da minha mulher quando o assunto é samba enredo. Ela tem uma sensibilidade incrível. Sabe quais foram os dois únicos sambas que ela ouviu de primeira e disse: opa, tem coisa diferente aí! Tem beleza rara aí! Sabe? Vila e Imperatriz. É por aí. Também senti de cara uma empatia danada, arretada, com o samba da Vila para 2016. Desejo, do fundo do coração, que ele seja arrebatador na avenida e que proporcione um desfile emocionante da branco e azul do bairro de Noel, escola tão querida, de gente aguerrida que defende a tradição do seu lugar.

    1. Carlos, primeiramente agradeço a leitura e o elogio para o texto. Sobre o samba da Vila Isabel em si; Letra fantástica e a melodia vem cada vez mais me agradando mais, hoje, só perde pra Renascer em minha visão num ranking geral dos dois grupos. Aliás, sofro por colocar os dois como os melhores, fazendo com que os aclamados sambas de Imperatriz e Viradouro fiquem atrás.

      E sobre seu desejo de que a Vila faça um grande desfile, apenas corroboro. Desejo muito que seja daqueles desfiles marcantes, não espero uma grande plástica, espero muito samba no pé, algo bem parecido com o que a Mocidade fez em 2014. O pessoal de Noel merece muita dignidade por conta do seu amor ao samba.

      Obrigado pelo comentário.
      Grande abraço!

  3. Ainda tem duas coisas que não gosto tanto nesse samba. Aliás, não é nem que não gosto, mas é que vi como era antes e achava melhor. Os versos “acordei o campo para um novo dia/ acordei o campo pra haver justiça” além de mais bonitos, tinham uma fonética mais encaixada com a melodia, era mais fluente. Também preferia o bis da forma antiga, “…ensinar do ABC à profissão”. Essa mudança eu realmente não entendi, “abraçar a profissão” me soa forçado. Mas essas mudanças não tiram o mérito do samba. Se a versão final fosse a divulgada desde o início, certamente seria tão exaltada como a primeira versão. E mesmo assim, as pessoas ainda vão se acostumar. Mesmo agora, ainda coloco o samba da Vila na mesma posição do meu ranking, atrás apenas de Tijuca e Imperatriz. Abs!

    1. A primeira mudança foi a que mais incomodou na primeira audição, amava a repetição do acordei o campo e a segunda foi pra valorizar a importância que Arraes dava a profissão de educador.

      E concordo que se essa versão fosse a primeira, seria exaltada da mesma forma como foi a original e também acredito que vai conquistar todo mundo.

      A única coisa que eu discordo e que ninguém saiba é que eu acho o samba da Vila o melhor dos dois grupos hahaha.

      Abraços! E obrigado pela leitura e o comentário!

  4. Continuo com minha opinião de que esse samba por toda a mídia que teve, deixa a desejar… Esperava-se , pela parceria, algo novamente antológico, ficou bem aquém disso. Minha opinião
    .

    1. Mas é aí que entra uma coisa: Se esse samba fosse feito por desconhecidos certamente seria aclamado, por isso que é complicado se avaliar pelo nome de quem fez e por suas obras anteriores.

      Mas entendo a opinião e agradeço a leitura

      Abraços!

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