Quando a Viradouro anunciou o enredo “O Alabê de Jerusalém, A Saga de Ogundana” para o ano de 2016, confesso que não entendi muito. Era a história africana, mas que envolvia romanos e Jesus Cristo. O tempo passou e o destino colocou para mim um texto do qual gostei muito e depois descobri que era uma parte da ópera “Alabê de Jerusalém”. Comecei a pesquisar e encontrei uma história maravilhosa de luta e fé que atravessa dois mil anos.
A história
Ogundana é um africano da época em que Jesus Cristo passou pela Terra. A história dele começa em Ifé, berço da cultura Yorubá localizado no reino de Daomé. Durante sua infância sempre ouviu histórias e contos de outras aldeias e outros povos pelo mundo através dos aventureiros que passavam por Ifé. Desde então Ogundana se apaixonou por aquelas histórias que ouvia e queria vivê-las. Aos doze anos ele deixa Daomé em busca dessas histórias. Caminha anos, passa por aldeias, terras distantes e nações diferentes.
Aos 22 anos, no Reino da Núbia, Ogundana encontra um centurião romano com o filho morto nos braços. O africano cura o oficial e sepulta o filho em um ritual africano. Amigos, Ogundana segue para o Império Romano onde, com seus conhecimentos nos poderes medicinas das ervas, passa a receber o soldo do exército para cuidar dos doentes e feridos nas guerras.
Ogundana fazia parte da tropa de Pilatos quando o romano se tornou governador da Judéia e, aos 25 anos, segue para Cesaréia como terapeuta da tropa de Pilatos. É lá que ele conhece Judith, a mulher com quem casaria mais para frente. Foi Judith que o levou para Galiléia em uma viagem e lá conheceu Jesus Cristo, que já fazia suas pregações. O filho de Daomé se encantou com o Sermão da Montanha e passa a seguir os passos de Cristo e os 12 apóstolos. Ogundana era um fiel seguidor e foi levado pela fé desde a Galiléia até os últimos dias do Mestre em Gólgota.
Quando Cristo morre, Ogundana deixa Jerusalém e vive com Judith perto do Mar da Galiléia. Vinte anos depois, Judith morre e ele parte para o deserto da Galiléia, onde vive até o fim de seus dias.
Hoje, Ogundana é uma entidade que desce em terreiros de Umbanda atendendo pelo nome de Alabê de Jerusalém para contar uma das mais belas histórias de fé, onde prega a fraternidade e o respeito pelas religiões que fazem parte de um “mesmo leque”.
“O que, na verdade, refresca o rosto de Deus, é um leque, que tem uma haste de Calvino e outra de Alan Kardec. Na outra haste, as brisas, que vêm das terras de Shivas, são uma, dos franciscanos, e outra, dos beduínos. Não precisa ir muito longe… Jesus nasce entre os rabinos.
Às vezes corações que crêem em Deus, são mais duros que os ateus. E jogam pedra sobre as catedrais dos meus deuses Yorubás. Não sabem que a nossa terra é uma casa na aldeia, religiões na Terra são archotes que clareiam.”
A ópera
O cantor Altay Veloso é um filho de uma sacerdotista de cultos africanos e neto de uma cristã. Entre os terreiros e as igrejas, Altay cresceu na vida ecumênica e conheceu a história de Alabê. Aos 21 anos escreveu a primeira canção da ópera: Jerusalém. Sem pensar em fazer a peça, sem linearidade e sem intenção de unir todas as músicas, Altay passou anos escrevendo canções contando a história de Alabê. Aos 40 anos a ideia da ópera surgiu e uniu as canções para terminar a saga do filho de Daomé.
No começo dos anos 2000, antes de colocar a ópera em prática, Altay grava as canções em CDs e DVDs com imagens das próprias gravações nos melhores estúdios de Montreal, São Paulo e Rio de Janeiro. As bases foram gravadas pela Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro, sob a regência do maestro Leonardo Bruno e gravada por nomes da MPB como Elba Ramalho, Bibi Ferreira, Lenine, Alcione, Jorge Vercilio, Wando, Fafá de Belém, Ivan Lins, intérpretes de escola de samba e outros cantores. Foram 150 vozes nas gravações na bela obra da ópera brasileira com raízes africanas que hoje está em DVD.
O samba
Agora, o Alabê de Jerusalém vai virar história na Sapucaí. Em 2016, a Viradouro tentará o acesso para o Grupo Especial das escolas de samba contando a história de Ogundana e a ópera de Altay Veloso. No próximo sábado a escola de Niterói escolhe o hino que cantará a história do Alabê de Jerusalem. São quatro sambas. Dois bons e dois ótimos. Minha torcida vai para a parceria de Renan Gêmeo, mas a grande escolhida deve ser a parceria de Felipe Filósofo e Paulo Cesar Feital. Semana que vem eu volto para falar mais sobre Alabê no carnaval, por enquanto seguem os sambas finalistas.
https://www.youtube.com/watch?v=0sE8hGVGGgQ
Um grande enredo que possibilitou a composição de grandes sambas. Fiquei pensando: e se a Viradouro tivesse contado esta história em 2015? Particularmente, apesar da beleza dos sambas que deram origem ao samba híbrido deste ano, não curti a opção da escola. Acho que gerou um enredo batido, um arremedo de enredo. Do samba partiu-se para a história, invertendo a lógica e criando uma situação meio forçada. Talvez, apenas talvez (a parte financeira tem grande relevância), o Alabé no Grupo Especial pudesse ter salvado a Vira da degola.
Texto espetacular. O Luiz Antônio Simas falou com muita propriedade algo que eu já tinha pensado: a Viradouro fez Carnaval de Série A no Especial e Carnaval de Especial na Série A. No Especial, Carnaval de Série A não deu certo. Tenho minhas dúvidas se um de Especial na Série A dará.
O Simas tem razão.
Eu penso de forma muito parecida, Gil. Era enredo para o Especial. Acho que o enredo acabou limitado por serem apenas quatro setores no grupo de Acesso.
Aliás, por que as escolas do Acesso quando sobem se tornam tão conservadoras em média?
Acho que é um pouco diferente de conservadorismo, na verdade. Cai numa coisa que eu conversava com o Rafic e o Alex outro dia. As escolas que sobem, em geral, tentam muita coisa absurda para ficar. Já tentaram enredo patrocinado, já tentaram inverter a ordem das coisas (primeiro pegar o samba e depois o enredo), já tentaram formar uma equipe experiente, já tentaram manter a equipe da Série A, já tentaram dar sacode, fazer o chão tremer… E, em todos os casos, esqueceram de fazer o simples, um Carnaval básico, que não tenha muito de onde tirar ponto. Quem mais se aproximou disso, veja, foi a Ilha. E a Ilha ficou. Por isso tenho tão boas expectatvas quanto ao Carnaval da Estácio.
Dahi, não é tão simples. A Ilha ficou muito pelos sérios problemas internos e políticos que a Viradouro vivia naquele momento – e a troca da diretoria para uma “amiga” na escola insulana também ajudou.
Escola que sobe, se fizer o básico desce sem perdão. E olha que nem estou falando de anos como 2013/14 onde as escolas que vinham do Acesso fizeram mais que o suficiente para ficar no Especial e foram degoladas ainda assim…
Essa questão dos problemas internos da Viradouro não me convence. A Ilha se manteve no grupo com 293,8 pontos. Temos uma margem pequena de comparação porque esse regulamento só foi usado em 2010 e 2011, mas em 2011, das duas escolas que foram julgadas, duas dizeram menos pontos – Porto da Pedra e São Clemente. Ou seja: a Ilha fez uma pontuação que lhe garantiria permanência em qualquer ano.
Quanto ao fato de quem fizer o básico ficar, eu não sei porque, como eu disse, ninguém mais faz esse básico. O Carnaval menos presunçoso de quem veio do Acesso, mais até que o da Ilha, foi o da São Clemente em 2008. Caiu, mas não caiu por muito.