(Rodrigo Mattar é jornalista esportivo e o maior especialista brasileiro em provas de Endurance)

Quantas coisas conseguimos fazer em 24 horas, não é mesmo? Em 1440 minutos, trabalhamos, comemos, dormimos, tomamos banho, enfim… vivemos a nossa rotina costumeira do dia-a-dia. Agora, imagine o quão é difícil participar de uma maratona de automobilismo que dura 1440 minutos, varando a noite em meio ao incansável trabalho de pilotos e equipes?

É porque vocês ainda não viram o que são as 24 Horas de Le Mans.

A corrida mais antiga de Endurance (Resistência) do mundo nasceu nos anos 20, em meio aos primórdios da indústria automobilística, como uma contribuição para o progresso técnico e favorecer o desenvolvimento dos automóveis. Trinta e três duplas largaram na primeira edição, disputada em 1923. A vitória foi de dois franceses, René Leonard e André Lagache, num bólido chamado Chenard & Walcker, cujo exemplar é exibido orgulhosamente no Museu de Le Mans.

le-mans-test-finish-order-01À medida que os anos se passaram, as 24 Horas de Le Mans ganharam importância, sobreviveram ao massacre da II Guerra Mundial (isso porque a corrida foi suspensa entre 1940 e 1949) e se tornaram referência de corrida longa no mundo inteiro. Sua importância pôde ser medida pelo envolvimento dos fabricantes ao longo dos anos e também pelo status que adquiriu. Não é à toa que Le Mans compõe junto com o GP de Mônaco de Fórmula 1 e as 500 Milhas de Indianápolis a chamada “Tríplice Coroa” do automobilismo. O único piloto a vencer essas três míticas corridas foi o inglês Graham Hill, que aos 42 anos de idade conquistou Le Mans em 1972, ao lado de outra lenda da prova, Henri Pescarolo.

Nos mesmos anos 70 da vitória histórica de Hill, Le Mans virou filme. O ator e entusiasta do automobilismo Steve McQueen, já falecido, produziu e estrelou a película dirigida por Lee H. Katzin que é considerada, junto a “Grand Prix”, obra prima de John Frankenheimer e o recente “Rush” de Ron Howard como os filmes mais representativos do esporte em todos os tempos.

Le Mans sobreviveu à crise do petróleo e também ao fim do World Sportscar Championship (WSC), cuja morte foi decretada em 1992 pela dupla Bernie Ecclestone-Max Mosley, preocupada em manter a Fórmula 1 sempre intocável. Como efeito, a edição da corrida em 1993 apresentou o pior grid de todos os tempos: só 29 carros competiram. Mas Le Mans é Le Mans. Sem fazer parte de nenhum campeonato, sobreviveu e voltou à pujança de outros tempos.

le-mans-test-finish-order-03A pista, que sofreu várias alterações ao longo dos anos, tanto de extensão quanto de estrutura e segurança, foi palco de grandes duelos. A batalha Ferrari versus Ford nos anos 60 foi uma delas. Os americanos passaram como trator sobre os italianos e depois veio um longo período de dominação da Porsche, quebrado aqui e ali por vitórias pontuais de construtores franceses, como a Renault, a Rondeau e a Peugeot. Hoje Le Mans assiste ao domínio impressionante da Audi (acima), que desde 2000 emplacou 13 conquistas, perdendo apenas duas para a Bentley (que corria com motor Audi) em 2003 e para a Peugeot em 2009. Os “Senhores dos Anéis” são uma séria ameaça ao recorde da Porsche, de 16 triunfos.

Hoje, as 24 Horas de Le Mans fazem parte do World Endurance Championship (WEC), campeonato disputado por quatro categorias: LMP1, com protótipos fechados de equipes oficiais de fábrica e ou particulares, admitindo motores com sistemas híbridos; LMP2, com protótipos abertos ou fechados de equipes particulares, com motores de blocos de série ou de competição, misturando pilotos profissionais e amadores; LMGTE-PRO, para modelos Grã-Turismo de competição construídos em 2015 com pilotos profissionais e LMGTE-AM, para modelos Grã-Turismo de competição com um ano de uso e mesclando profissionais e amadores. A FIA implantou um sistema de graduação de acordo com o currículo, experiência e idade dos pilotos: Platina, Ouro, Prata e Bronze.

Pela duração da corrida, a mais longa de um campeonato em que as demais provas têm até seis horas de duração, a pontuação é dobrada. Ou seja: a vitória em cada categoria vale 50 pontos. Por isso, todo mundo sonha em ganhar a prova. Mas não é qualquer um que a vence. O maior privilegiado entre todos foi o dinamarquês Tom Kristensen, recém-aposentado. O piloto venceu a prova nada menos que nove vezes, superando de longe o antigo recorde, que pertencia ao belga Jacky Ickx.

CLR-GT1_LeMans_1999A corrida deste ano terá 56 carros, sendo 14 protótipos LMP1, 19 protótipos LMP2, nove LMGTE-PRO e 14 LMGTE-AM. Entre as cinco estreias de modelos no circuito de Sarthe, a mais falada é do Nissan GT-R LM Nismo (abaixo), protótipo que propõe uma ruptura dos conceitos vigentes, já que foi concebido com motor dianteiro. Embora revolucionário, o carro tem visíveis problemas e se conseguir terminar a corrida, terá alcançado um feito histórico. Afinal, faz mais de uma década que não se constrói um protótipo LMP1 com motor dianteiro – o último foi o Panoz, de origem americana.

Dentre os 168 pilotos de 29 países que vão participar das 24 Horas de Le Mans, três são brasileiros: Lucas Di Grassi, Fernando Rees e Pipo Derani. Entre os três, Lucas é o que tem maiores chances de vitória. Afinal, corre na Audi com um protótipo LMP1 e já correu duas vezes na pista, com dois pódios – 3º lugar em 2013 na estreia e 2º lugar no ano passado, igualando os melhores resultados de pilotos do país – José Carlos Pace em 1973 e Raul Boesel em 1991.

le-mans-test-finish-order-29Para Derani e Rees, será não só a estreia de ambos os pilotos na pista, como também um desafio a mais: igualar outros dois brasileiros campeões em subcategorias. Na LMP2 de Derani, que correrá com um Ligier Nissan, Thomas Erdos ganhou duas vezes. E na LMGTE-PRO, a antiga LMGT2, Jaime Melo também venceu duas vezes em Le Mans.

E nesse ano, as 24 Horas de Le Mans têm transmissão exclusiva do Fox Sports. O canal exibe as primeiras 3h30min no sábado e a última 1h30min no domingo, incluindo a premiação final. A transmissão ficará com Hamilton Rodrigues na narração e Rodrigo Mattar (eu mesmo) nos comentários.

Imagens: A Mil Por Hora – pela ordem: todos os pilotos da edição deste ano, Porsche LMP1, Audi LMP1, a Mercedes “voadora” de 1999 e Nissan LMP1.

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