Ainda irei abordar os parques da Disney na nossa série sobre Orlando, mas o tema de hoje é algo que me chamou a atenção imediatamente no dia em que tive a chance de presenciar ao vivo: a semelhança da chamada “Parada Disney” com os desfiles das escolas de samba cariocas.

A parada é realizada em dois horários, sempre no Magic Kingdom: às 15h30 e em sua versão noturna, que normalmente é realizada cerca de uma hora e meia antes do fechamento do parque – que varia dia a dia. Assisti duas vezes a ela, sempre em sua versão noturna.

20150304_203119E, de cara, chama atenção a semelhança com o cortejo das escolas cariocas. Além dos carros alegóricos, a abertura da parada é com uma espécie de “ala” emulando as nossas comissões de frente. No meio das alegorias aparecem alas coreografadas e até uma bastante semelhante aos nossos casais de mestre sala e porta bandeira, tanto em vestimenta como em bailado – que o vídeo ao alto no post, embora um pouco escuro, mostra.

Só a trilha sonora que é bem diferente: é uma música eletrônica que, após 10 minutos, se torna irresistivelmente chata. Até brinquei com minha esposa na ocasião dizendo que parecia o desfile de uma certa coirmã deste ano: linda, mas com um samba tão chato que dava sono – e eu dormi a sono solto ao final da apresentação desta escola…

Brincadeiras à parte, é notável a semelhança entre as duas manifestações culturais. O desfile das escolas de samba tal como conhecemos é de 1932 – antes do surgimento dos parques, e Mickey Mouse era uma criança com quatro anos de idade – e a internacionalização dos nossos desfiles, com boa vontade, ocorre no final da década de 70. Ou seja: temos duas manifestações incrivelmente semelhantes com toda probabilidade de terem se desenvolvido de forma autônoma, sem cópias ou influências.

20150304_203303Este é o grande barato do ser humano: duas manifestações culturais podem se desenvolver de forma parecida sem jamais ter contato direto entre elas. Com certeza o americano que for à Sapucaí para nosso carnaval terá a mesma sensação que tive quando vi a parada realizada pela Disney.

Lógico que há diferenças: os carros alegóricos na Disney são menores, porque precisam fazer curvas durante o trajeto – e também porque são utilizados mais vezes. Suas esculturas na verdade são pessoas vestindo fantasias, o que se diferencia do modelo adotado pelas escolas cariocas. Se utiliza mais os efeitos de iluminação por ser uma parada noturna em um ambiente bem menos iluminado que a Marquês de Sapucaí – e aí, embora não concorde, entendo os argumentos dos carnavalescos que defendem a redução da intensidade da luz na passarela.

Por outro lado, a parada reforça uma ideia que eu já tinha consolidada: o que faz o espetáculo de nossas escolas ser o que é não é a parte visual, e sim o samba, o canto e a dança. No Magic Kingdom, com 15 minutos de espetáculo eu já estava agastado pela música, uma batida eletrônica extremamente chata e monótona. O mesmo ocorre com escolas de samba que trazem sambas ruins, o que infelizmente são a maioria hoje.

Além disso, há outros elementos que, em uma visita aos parques de Orlando, podem perfeitamente ser aplicados às nossas escolas. Basta ver o vídeo acima, de outra apresentação no Magic Kingdom e que remete perfeitamente às nossas comissões de frente – com direito a tripé e tudo. Ou o show de acrobacias com os golfinhos, cujo vídeo coloquei em post anterior.

20150307_122042Outro ponto a ser observado é que em termos de estrutura de alegorias e soluções práticas temos muito o que aprender com as soluções utilizadas nos parques da cidade americana. Uma alegoria do carnaval carioca, grosso modo, é um chassis de caminhão que recebe em sua estrutura ferro, depois madeira e aí sim a parte artística composta de forração, esculturas e pintura de arte. Mas a base disso é evidentemente adaptada de algo que, a priori, não é feito para o fim a que se destina.

Em muitos casos sequer há a presença de um engenheiro a fim de fazer os cálculos necessários de carga em cima dos chassis e prevenir quebras – que são mortais na avenida. Mesmo a iluminação dos carros ainda é bastante empírica.

20150304_142729Ou seja: ainda há muito o que se desenvolver em termos de tecnologia a fim de se ter carros alegóricos desenvolvidos especificamente para o carnaval. Sou obrigado a dar a mão à palmatória e concordar com o recém-contratado carnavalesco da minha escola Paulo Barros, quando ele diz que as alegorias precisam evoluir em estrutura e tecnologia.

Também vale a pena pontuar que uma visita aos parques por parte de carnavalescos e dirigentes faria bem em termos de novas soluções a alegorias que pudessem ampliar os horizontes de nossa festa. Há diversas atrações nos parques com mini alegorias e esculturas, com movimentos, com soluções que, no mínimo podem ser estudadas para adaptação e modernização de nossas estruturas.

20150304_202450Óbvio que aí esbarramos na questão de que os mandatários de nossa festa consideram que está tudo lindo e maravilhoso e nada precisa ser mudado. Mas sabemos que nada é imutável e que a festa precisa mudar em alguns aspectos para garantir sua sobrevivência. O interesse a cada dia é menor, a televisão não cobre com o mesmo afinco, os patrocinadores absolutamente necessários à festa escasseiam, o custo sobe e se cria uma situação insustentável a médio prazo.

Não tenho a ilusão de esgotar o assunto, mas fica aqui a minha contribuição ao debate. E finalizo pontuando que, em uma talvez involuntária referência à nossa festa, o desfile Disney se encerra com uma Águia – se bem que sou mais a nossa Redentora…

No próximo artigo, a culinária.

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6 Replies to “A Parada Disney e sua semelhança com os desfiles das escolas de samba”

  1. Olá Pedro Migão.

    Eu gostei muito desse artigo. Algumas reflexões já haviam me surgido quando vi, no Youtube, o concurso de alegorias de flores, na Holanda, num festival de primavera.
    A primeira coisa que me veio foi a diferença de estilo entre as alegorias feitas lá e as feitas aqui. Claro que o suporte (estrutural e financeiro) é, talvez, o principal distanciador dos dois estilos.

    Lá, cada grupo constrói uma alegoria, que podem contar vários chassis, sem a necessidade de interligação e que podem ter no máximo 5 metros de largura, em função da rua por onde ocorrem os desfiles. Além de que o material decorativo principal das alegorias são pétalas de flores; o que reduz e muito a gama de cores possíveis de serem usadas. As alegorias desfilam em dois dias. No primeiro vão do início ao fim da pista e, no segundo, do final ao início. A frente e o verso das alegorias são as laterais. E eles se aproveitam disso para fazer alegorias “dupla face”, onde um lado vê uma face num dia e no outro vê a outra.

    Aqui um vídeo da construção das alegorias e de várias equipes https://vimeo.com/121927707 Impressionante a quantidade de gente na construção.

    Aqui imagens das alegorias de 2014: http://www.corsozundert.nl/uitslag/

    Aqui os desfiles no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=aTxjt2K25eM

    Mas, a reflexão que me vem é a de: como as alegorias das escolas de samba são iguais. Seja de Rio de Janeiro, seja de Manaus, seja de Porto Alegre ou São Paulo. Se no uso das imagens, elas se diferenciam, em termos de concepção são muito parecidas. Em sua grande maioria são arquibancadas (aqui também entram as rampas), caixotes, pirâmides (que Paulo Barros adora – acho que ele foi um faraó numa vida passada) quando não uma superposição dessas figuras geométricas.

    Ok, reconheço que sair dessas figuras geométricas é uma reclamação boba, já que mesmo na Holanda os carros são em formatos de paralelepípedos, mas mesmo sendo paralelepípedos, eles aproveitam essa condição de apresentação. A alegoria da Guitarra tocada no fundo do mar é maravilhosa.

    E que aqui no Brasil, acho que não aproveitamos, seja por falta de reflexão teórica (no sentido de se discutir qual a elasticidade visual e a possibilidade de ocupação de espaço de uma alegoria nas condições que temos de apresentá-las) seja porque já não se tem como sair dessa forma de apresentação, já que muita coisa entra nessa questão (e, talvez, a principal seja por que tentar algo diferente se quando chegar na barreira do jurado a bola não entra? Ou, a política acaba sendo mais forte?)

    Honestamente, não sei nem pra onde essa reflexão me leva. Acho que isso me vem de ver os arranha céus alegóricos de São Paulo que em sua grande maioria são um espaço mal aproveitado em que tamanho substitui concepção. Mas, não só. Eu cansei de ver, em todos os desfiles do Brasil (tá, isso é um exagero), ponto de luz iluminando perna de destaque. Eu cansei de ver grandiosidade e pouco conteúdo. Afinal, planejamento não depende de dinheiro. Mas, fazer alegoria depende, né.

    Um comentário sobre as alegorias desse ano: acho que uma das soluções de mar mais interessantes que eu vi nesse ano, foi o segundo carro da Portela. A ideia das ondas como se estivessem recortadas como se as víssemos de lado foi muito boa. Mas, a sereia não. Esperava muito mais de Paulo Barros e do Renato. Não consigo engolir o estilo do Cid Carvalho. Max e Rosa sabem sua zona de conforto e foram didáticos no ponto. Fabinho e Alex são os melhores no Art Nouveau e tem que continuar em seu estilo. Louzada e Cahê saíram do seu estilo e não se deram muito bem. Na Portela, eu esperava o surrealismo e não veio e a África Pop não se mostrou informação suficiente para preencher alegorias ou será que não se soube transpor essa ideia para alegorias? Ficou muito parecido com o afro já conhecido. Comissão de Carnaval da Beija-Flor conseguiu ser clean (sei que parece uma forçação) dentro do atulhamento de elementos que ela geralmente faz. Não parecia tão jogado. Comissão da Tijuca, acho que foi uma das melhores execuções de alegorias (concepção meio a desejar). E o João não disse a que veio. Já em 2014, a Viradouro não tinha as melhores alegorias e esse ano não teve de novo. Mas, vale destacar o cortejo de cavalos marinhos e aquela iluminação muito boa.

    Enfim, o ponto principal é: nossas alegorias são bonitas, mas estão ficando pra trás no que elas podem fazer. Ou no que pode ser feito com elas. A onda mais recente de mudança no quesito proporcionada pelo Paulo Barros está perdendo sua força. Se desgastou pelo fato de que ninguém aprendeu a usar e o próprio já está de saco cheio de encherem o saco dele com reclamações sobre as alegorias e tá tentando ser menos Paulo Barros (se é que eu posso dizer isso). Precisamos de uma nova onda e que talvez seja para a escola de samba toda.

    Mas, vale a pena investir para não enfrentar a barreira de jurados mal formados (ou intencionados ou politicamente intencionados)?

    Espero não ter dito muita besteira!

    Abraços!

    1. João, obrigado.

      A reflexão que eu faço no texto é a seguinte: acho que há espaço para a construção de nossas alegorias avançar em termos de tecnologia. Seria interessante se os mandatários de nossas escolas mandassem carnavalescos ou diretores de carnaval à Orlando para conversar com os responsáveis e entender como funcionam estas engrenagens, não somente da parada como de muitas instalações que vi como turista.

  2. Muito bom!!! Era mais o menos o que eu pensava hoje. O carnaval carioca precisa de novas soluções que se adaptem a sua festa.

  3. Tirando q trata-se de um cortejo, não há mais nenhuma semelhança. Viajou legal na comparação, principalmente na história da águia. abs.

  4. Boa tarde!

    Prezado Pedro Migão:

    Este texto é a semente!
    O nosso despreparo na concepção do espetáculo está no uso técnico das coisas. O exemplo dos chassis é ótimo, e vou mais além: não é no Rio de Janeiro que se consegue inovar. O termo pode ser lugar-comum, mas por aqui é tudo muito engessado. Ainda para completar, pesam o tempo de organização do espetáculo, que não permite experimentações (Um carnaval sobreposto ao outro), e um público (Dirigentes e espectadores) chato no estilo “Eu avisei”, que cobra algo novo, mas adora apontar quando não funciona…

    O leitor João Francisco mencionou diversos aspectos cabíveis, os quais não irei repetir aqui. Faço minhas as palavras dele.
    Assim, sendo, aproveito para expressar uma opinião.

    TAMANHO NÃO É DOCUMENTO! Sim, eu fico muitas vezes boquiaberto com o tamanho dos carros alegóricos em São Paulo. Ao mesmo tempo, acredito que um caminho estético esteja “perdido”, bem debaixo dos nossos olhos, mais precisamente no carnaval da Unidos da Tijuca em 2005.
    A alegoria “O reino de Atlântida” (Segue o link http://www.reinaldoleal.com/rlcarnaval2005/carnaval2005pag5.htm) era minúscula, mesmo para os padrões da época (Sim, uma década é tempo!). No entanto, a idéia de uma pequena parte à frente com incríveis 6 composições e 1 destaque, e o uma redoma transparente que flutuava na pista (Era possível passar por baixo dela) foi simplesmente fantástica, e aponta que o desfile pode preencher a pista de uma forma bem particular de Escola para Escola, sem comprometer suas notas.
    Paulo Barros, agora na sua Portela, acendeu uma chama de cor diferente da que vinha acendendo desde que estourou no carnaval. Não sei o porquê desta outra chama não ter sido tão valorizada. Talvez estivesse muito à frente de seu tempo para ser compreendida e levada adiante, mas compartilho esta idéia aqui na intenção de alguma forma tentar reacendê-la.

    Atenciosamente
    Fellipe Barroso

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