Em princípio, a contratação do Carnavalesco Paulo Barros pela Portela, oficializada um dia depois do fim da decepcionante passagem do profissional pela Mocidade, não faz muito sentido. Paulo Barros é, sem dúvida, o carnavalesco de maior sucesso depois do período de bons trabalhos de Joãosinho Trinta. Mais que três títulos, Paulo revolucionou o modo de se fazer um desfile de escola de samba, mudou a relação entre público e escola, criou uma identidade própria.

O problema é que essa identidade própria em nada tem a ver com a identidade que a Portela conseguiu em quase 92 anos de história. Visto com maus olhos por boa parte dos sambistas mais fanáticos, ele é, de certa forma, o oposto da Portela. É o Carnaval da coreografia, dos efeitos especiais, das influências norte-americanas, do samba em segundo plano. Da Portela, espera-se justamente o contrário.

E não para por aí. A contratação de Paulo Barros não só causa estranheza porque ele e a Portela não parecem ter sido feitos um para o outro, mas porque também não combina com a nova diretoria da escola. Quando Serginho Procópio e Marcos Falcon assumiram a escola, encontraram uma terra arrasada. Com muito trabalho, estruturaram a Portela, deram a ela a condição de ter uma base que lhe permitisse brigar pelo título sempre. Mas a abrupta evolução portelense não se explica pelo dinheiro ou pela gestão eficiente. Esses fatores foram os responsáveis por despertar no portelense um orgulho do que é a escola e não do que ela foi. E isso tem muito a ver com as corretas escolhas dos enredos que levaram a grandes sambas.

Por essa lógica, não faz o menor sentido contratar um carnavalesco que ficou marcado pelos efeitos especiais tanto quanto pelos enredos-tema que, em geral, eram de dificílima compreensão. Um profissional que é tão conhecido pela ousadia quanto pela confessa e assumida filosofia de que o samba deve servir ao visual e não o contrário. Isso sem falar no pensamento não menos confesso de que sua criatividade não deve jamais ser cerceada, o que definitivamente está longe de ser o perfil de funcionário que a Portela atual admite. Basta ver o quanto Wander Pires foi “domado” em tão pouco tempo. Eu pelo menos não soube de um princípio de problema causado por ele nesses meses todos o que, se não é inédito, é bem raro em sua carreira.

Mas não é difícil, ao menos para mim, imaginar os motivos que levaram a essa contratação. A diretoria, apesar do pouco tempo no comando, mais que provou sua competência e mostrou que sabe muito bem onde pisa. Foram pouquíssimos erros e, por isso, é difícil pensar que não foi uma contratação muito bem planejada. Para início de conversa, me parece claro que Alexandre Louzada não continuaria. Não sei exatamente o motivo, mas me parece ter sido algo alheio à vontade tanto de Louzada quanto da Portela. Pelo que se lê por aí, por uma força maior, talvez um problema de saúde, não tinha mais como ele continuar. E a verdade é que todos os outros principais carnavalescos estão empregados: Renato e Márcia Lage estão muito bem no Salgueiro, Rosa Magalhães parece estar feliz na São Clemente e Max Lopes, ainda que viesse a sair da Vila, já não tem mais o crédito de outros tempos.

Restaria então recorrer a promessas, mas também não seria fácil ou garantido. Tirar Alex de Souza da Ilha não vinha se mostrando simples, Fábio Ricardo ainda alterna bons e maus momentos e nomes como João Vittor Araújo, Edson Pereira e Leandro Vieira ainda não têm experiência no Grupo Especial a ponto de pegarem uma escola como a Portela. Assim, não estranharia, se ouvisse alguns meses atrás, que a diretoria da azul-e-branca estava começando a olhar com carinho para Paulo Barros. Ele não é daqueles que se contratam por impulso. É preciso, em uma escola como a Portela, pensar um pouco até descobrir algumas vantagens.

A primeira chega a ser óbvia: Paulo Barros é, sim, muito competente. Convém a muitos não lembrar e reduzi-lo a um artista totalmente alheio ao que é o Carnaval, mas vale dizer que ele iniciou a carreira muito longe do glamour da Sapucaí. Sua competência despontou desde cedo em escolas como Vizinha Faladeira e Arranco do Engenho de Dentro, que, ainda que desfilassem na Sapucaí, não chamavam a atenção do grande público. Fez muito com pouco e de lá foi para a Paraíso do Tuiuti, onde mais uma vez se mostrou diferenciado com carnavais pra lá de marcantes. Falar sobre sua trajetória na Unidos da Tijuca é chover no molhado. No Borel, Barros provou ir além do que é um grande carnavalesco. Provou que é gênio.

Gênios são complicados. Todos eles. Paulo Barros não é diferente. O gênio é gênio porque acredita em sua genialidade que nem sempre é genial. Isso explica porque, de 2012 para cá, ele tem mais errado que acertado. Particularmente, gostei apenas do Carnaval de 2013. Em 2012, 2014 e, sobretudo, 2015, a prática não foi nem um pouco genial como ele provavelmente acreditou que seria. A princípio isso torna ainda mais esquisita a aposta de Procópio e Falcon em seu trabalho, mas, para mim, faz todo o sentido. Como eu disse, essa administração da Portela tem a claríssima consciência de que ninguém é maior que a agremiação. Assim, todos são “subalternos”, todos tem que “obedecer” ao que é a Portela. Com Paulo Barros, não deve ser diferente.

Na prática, isso significa que a Portela, se tudo funcionar como se espera, terá o bônus sem o ônus. Terá o bônus de contar com uma mente indiscutivelmente genial sem o ônus de não haver nenhum tipo de freio para essa genialidade toda. A Portela tem uma administração um pouco mais próxima da escola do que parecia ter a Mocidade, que ainda está ajeitando a casa e parece ter se empolgado demais antes da hora. Além do mais, o sétimo lugar de Paulo Barros dá munição para que sua condição de funcionário fique mais evidente. Por bem ou por mal, ele certamente estará mais condicionado a obedecer que a reclamar. Terá quem lhe diga que aquilo não é tão fantástico quanto parece. Muitos que torcem o nariz para a chegada de Paulo Barros a Madureira imaginam que ele mandará na escola e, nisso, eu pessoalmente não acredito. Por isso estou bem mais otimista.

paulobarrosmocidadeMas e o outro lado? Se é mesmo verdade que Paulo Barros pediu para sair da Mocidade – e parece ser porque ele não se apressou em desmentir a versão da escola -, por que trocaria um lugar onde ainda seria muito prestigiado pela comunidade para encarar uma escola onde terá que se adaptar? Para mim também faz sentido pois esse talvez seja o maior desafio de sua carreira, aquele que pode enfim lhe alçar ao patamar dos maiores em definitivo. A novidade pode ser o gás que faltava em sua carreira. Qualquer prognóstico sobre o seu possível desempenho me parece sem embasamento porque nunca ele encarou uma jornada como essa.

Vizinha Faladeira, Arranco e Tuiuti pertenciam a realidades muito distantes, de modo que as comparações não cabem. Embora a Unidos da Tijuca seja uma escola tradicional, estava, quando contratou Paulo Barros, em busca de uma identidade após tantos anos de altos e baixos, marcados por uma ou outra grande apresentação. Assim, Paulo teve a liberdade de fazer de sua identidade a identidade tijucana. Já a Viradouro tem em seu DNA a ousadia desde os tempos de Joãosinho Trinta. A Mocidade, por sua vez, estava em um momento de euforia completa e absoluta, de modo que aceitaria qualquer coisa para voltar a brigar pelo título. Sem falar que sempre foi uma escola aberta a inovações ainda que seja tradicional.

O que mais se assemelha desse novo trabalho de Paulo é sua curta passagem pela Vila Isabel em 2009, mas ali havia a presença de outro carnavalesco, Alex de Souza, para “equilibrar” as coisas, o que define 2016 como algo totalmente novo. Sabendo de sua competência e da competência de seus empregadores, há muita chance de sucesso. Isso sem falar no prestígio que ele ainda tem com o público e com o júri, o que só tende a ser benéfico para a Águia. Quem sabe não nasce dessa aparente maluquice o fim do jejum? Quem sabe depois de tanto tempo, não nasce, com características tão distintas do primeiro, e, que fique claro, insuperável, um novo Paulo da Portela?

4 Replies to “Paulo da Portela”

  1. Bom dia!

    Caro Leonardo Dahi:

    O ponto alto do seu texto passa quase despercebido à maioria dos leitores, que é o elogio à desdenhada apresentação da Unidos da Tijuca em 2013. A meu ver, um desfile “cult”, pois o enredo foi extremamente rico em informações e bonito visualmente, o que ficou de lado por causa dos problemas que a Escola teve na pista. Estes problemas caíram imediatamente na conta de Paulo, sem qualquer reflexão do que havia sido apresentado. O tempo cuidará de reconhecer a beleza deste desfile um dia…

    No mais, nada a acrescentar! Meio que parafraseando Jamelão, “deixa o cara trabalhar”!
    A todos que gostamos da festa, resta-nos torcer. Torcer muito para que tudo dê certo! Quem ganha somos todos nós! (Aliás, não entendo esta onda de muita gente ficar zicando…)

    Atenciosamente
    Fellipe Barroso

  2. Acho que tem que arriscar mesmo, o que pode acontecer é não dar certo e PB na rua…a Portela o máximo que perde é mais um ano de jejum…ele não…ele está na fase de mostrar realmente que ele é…se ele é uma criação da Tijuca ou é mesmo o gênio que ele se auto intitula … a Portela vindo fracassada em 2016 PB vai ficar em uma situação complicada no mercado…a Portela não…está mostrando que não está para brincadeira,que quer vencer… e depois disso acredito que até outros carnavalescos que não faziam mais questão de irem para a Portela por descredito mesmo…vão mudar de ótica… PARABENS,O QUE IMPORTA É TENTAR!

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