Há tempos que esboço esse texto. Confesso que tenho postergado, ora pelas atribuições de professor e coordenador de pesquisa de uma instituição de ensino federal (que não são poucas), ora pelo calor exuberante desse “inverno” nonsense de Cuiabá e Mato Grosso, ora pela preguiça ocasionada por esse quase determinismo geográfico, ora por mera indisciplina minha mesmo. Sim, faço mea culpa.

E nessa, já se passaram tantos assuntos que povoaram minha mente em diversas ocasiões, para esse blog tão bem frequentado: já pensei em escrever fazendo uma análise dos candidatos a cargos políticos em MT, falar sobre a experiência frustrante de ir aos jogos do Corinthians e Flamengo na Arena Pantanal, de abordar sobre o grito desmobilizador de torcida “Uhhh Bicha” (quem inventou essa porcaria?!), a constatação da torcida gremista como racista, ou ainda falar sobre o futebol “moderno”…

Enfim, resolvi falar sobre tudo isso ao mesmo tempo. Pode ser que o texto se configure como algo generalista demais; corro esse risco. Mas eu preciso escrever, preciso dar uma resposta para algumas pessoas que aguardam alguma opinião minha, mesmo que estas já tenham desistido de cobrar de mim com um sonoro “cadê o texto?”. Né, Pedro? Rsrs!

Começo com a frustração de frequentar um estádio repleto de corintianos e vê-los castrados por um alto-falante. O mesmo vale para a torcida do Flamengo, perfumada demais para quem vai ver um jogo. Mas também pudera, cobrando “míseros” 100 reais não esperava encontrar nenhuma FLAvelado querendo ver o MENGÃO jogar na capital mato-grossense. Pois é, como pode as duas maiores torcidas, as mais populares do Brasil, serem tão comportadas, quietas, enfadonhas, coxinhizadas, obedientes a um falastrão animador de público e plateia?

Estádio em Cuiabá lotado de flamenguistas (10/09/14).Por que o estádio, ops, digo, “Arena” se tornou um local tão mercadologizado, repleto de todo tipo de propaganda, seja visual, auditiva, repleto de simbolismos, do tipo, “você veio à Arena, mas não se esqueça de fazer o seguro do carro com a empresa X, matricular seu filho na escola Y”. Ah, sem contar no condicionamento quase behaviorista, “senta na cadeira, senão você não vai ter o espetáculo”. Cuma? Espetáculo? Isso aqui é teatro, por acaso? Cadê a batucada? Papel picado? O grito das torcidas? O barulho ensurdecedor delas?

Ô saudade de 2009… O ano que o Maracanã morreu para muitos flamenguistas. 84 mil pessoas fazendo a festa. Pagando 45 reais para entrar. Alguns, claro, mais caro, outros mais barato, outros nem pagaram. Mas a renda desse jogo, com muito mais emoção e alegria e importância beirou a mesma quantia do joguinho de plateia e espectadores de Cuiabá, que foi de 38 mil. No primeiro jogo, renda de 2 milhões. No segundo, 1 milhão e 900 mil. Ou seja, a média de preços simplesmente dobrou! E a festa praticamente sumiu. Claro, a comparação é feita com cidades diferentes, momentos diferentes no campeonato. Mas era a ocasião ímpar dos torcedores cuiabanos de fazerem a festa para seu time. E não fizeram.

Claro, não podemos deixar de mencionar a torcida que fez a linda festa com dois bandeirões e faixa contra o racismo. É vital destacar o papel da Embaixada da Nação, a Urubu Cuiabano, que se organizou para puxar o time do começo ao fim. Foram guerreiros que gritaram o jogo todo, (eu fui um deles) mas que, infelizmente, não conseguiram ecoar o sentimento verdadeiro de torcedor de estádio aos outros presentes, que provavelmente achavam que tinham que se comportar como torcedores de sofá e amendoim, na casa do sogro, muito provavelmente.

Bandeirão da T.U.C em CuiabáNão fizeram porque o público agora é diferente e, além disso, estão proibindo de se fazer a festa das torcidas nos estádios. A shoppinização, padronização e/ou elitização dos estádios é evidente. Começa pelo preço absurdo cobrado: 120 reais?! Não estou falando de cadeira vip não; estou falando do setor leste, o mesmo que fica de frente para as câmeras de TV. Segundo, torcidas que se organizam para fazer a festa são expressamente proibidas de entrarem com batucada. Pronto, prato cheio para o locutor de rádio local fazer a festa com o microfone nas alturas. Aquele mundo de gente virou torcida de gincana, animada por um palhaço que condiciona a hora de sentar, de gritar, de se manifestar, de se levantar… A torcida não tem mais autonomia, autenticidade, elas estão cada vez mais condicionadas.

E… PADRONIZADAS! O que que é isso, gente! Quem inventou o gritinho estridente e irritante do tiro de meta de todo e qualquer goleiro, “UUUhhh Bichaaa?!”

Foi assim no jogo entre Atlético-MG e Santos, Corinthians e Bragantino, Flamengo e Goiás, todos na Arena Pantanal. Isso ocorreu, ou ocorre ainda até na nova Arena Corinthians, inclusive fazendo com que torcedores das antigas criassem um “manual para os recém-fanáticos” (veja aqui: http://blogdorafaelcastilho.blogspot.com.br/2014/08/guia-de-conduta-para-corinthianos.html), com belo tom de ironia. A consequência disso foi a carta aberta do clube paulista, pedindo encarecidamente para que a torcida parasse de usar esse jargão pífio e cópia barata das torcidas dos nossos hermanos. É um tal de barra-brava pra lá, barra-brava pra cá… Até na torcida do Flamengo tem uns chatos com tamborzão ditando uma rítmica para lá de monótona, cantando com sotaque “portunhol”, em pleno Maracanã… Putz, me poupem, né? Que identidade forjada é essa? Nada tem a ver com o Flamengo, o time com a torcida mais brasileira que existe.

Torcida Urubu Cuiabano, embaixada da Nação comparece em peso na Arena Pantanal.Mas não tem torcida que mais copia os nossos vizinhos que a torcida tricolor porto-alegrense, do Grêmio. E mais, copiam o que tem de pior deles. Não fazem nenhuma adaptação, nem na letra, na música, na melodia, nada! Copiam descaradamente as vestimentas, os gritos, os sotaques e até as manifestações de preconceito. Não que o Brasil seja exemplo de democracia racial, muito menos o Rio Grande do Sul. Pelo ao contrário! Somos um país racista sim! Desigual sim! Mas a sutileza e negligência como são tratadas essas questões sociais são uma aberração, da forma como são expressadas. Imitar macaco é o que a torcida do Grêmio pior poderia fazer. Vaiar o bravo e grande goleiro Aranha também. O clubismo, regionalismo, bairrismo gaudério é gritante e perigoso!

Seja como for, o brasileiro está mudando. Pouco, lentamente, mas está. Certas piadinhas não são mais admitidas em lugar algum. Piadistas canalhas, que só sacaneiam o pobre, o feio, o negro estão cada vez mais em descrédito, ainda que não por uma maioria da sociedade. Mas há sim, uma parcela significativa cada vez maior que já não tolera a intolerância. Tolerar, significa ser conivente com isso. E persistir com ideias preconceituosas não faz jus a um país que pretende assumir a ponta do mundo multi-lateral dentro de alguns anos.

E da mesma forma que não toleramos os corruptos, recentemente incorporados sob insígnia de petista, é importante lembrar que tucanos e latifundiários também são corruptos, que já existem em uma história brasileira recheada de patriarcalismo e relação promíscua entre público e privado. Troca de favores, relações patrimonialistas, confusão entre moral e ética… enterrar essas práticas escusas não ocorrem da noite para o dia. Mas transgredi-las é fundamental para transformar o Brasil em um país realmente democrático, e não uma democracia repleta de entulhos autoritários.

Paro por aqui. Prometi que iria também falar sobre os candidatos a cargos eletivos em Mato Grosso, mas só de pensar nas opções que estão em vigor, me embrulha o estômago, sobretudo a governador do Estado. A mulher do maior ficha suja do Brasil, barrado pelo TSE a ser candidato a governo, é candidata. É mole? A partir daí já é possível criar um prognóstico nada animador para os próximos anos. Em outubro falaremos de segundo turno, ou não. É importante também não deixarmos de falar de conjuntura internacional, é Escócia, Ucrânia, Faixa de Gaza… Vamos ver quais serão os desdobramentos até lá.

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