Na última semana, escrevi nesta revista eletrônica artigo criticando a relação da CBF com a imprensa de forma geral. No final daquele texto, escrevia: “Por outro lado, a Copa do Mundo mostrou como o telespectador sai prejudicado do virtual monopólio das competições nacionais de futebol que o mesmo grupo de TV detém”. Este tema é que aprofundo neste artigo.

Durante a Copa do Mundo, os telespectadores brasileiros tinham nada menos que seis opções para assistir às partidas: Globo, Bandeirantes (canais abertos), SporTV, ESPN, Fox Sports (com dois canais e transmissões diferenciadas) e BandSports (canais fechados). Ou seja, eram nada menos que sete alternativas para se ver os jogos da forma que fosse mais conveniente para seus interesses.

Por outro lado, as emissoras tinham de se esforçar a fim de reter a audiência. Com isso, vimos iniciativas como a do SporTv de fazer um programa apenas com capitães campeões mundiais, o Fox Sports com uma narração mais descontraída em seu segundo canal ou a ESPN dando crescentes oportunidades ao excelente Everaldo Marques após a ótima resposta de público às suas primeiras narrações.

DSC_0277Também se pôde comparar as equipes de narradores e comentaristas de cada canal, de forma a se ter uma ideia mais adequada da qualidade das transmissões. Além disso, o chamado “pré jogo” tinha duração de quase uma hora em praticamente todos os canais: afinal de contas, com a concorrência os ofertantes tinham de se desdobrar a fim de oferecer a melhor cobertura e assim ter uma maior audiência – o que se traduz em maiores cotas de publicidades a anunciantes.

Semana passada, com o final da Copa do Mundo, retomou-se o Campeonato Brasileiro. Ao contrário do Mundial, a principal competição do futebol brasileiro é um virtual monopólio do grupo Globo e seu canal de esportes na TV a cabo, SporTV – além do Premiére, plataforma de pay per view do grupo. E a cobertura é bem diferente.

Tomando como exemplo a cobertura do jogo entre Flamengo e Atlético Paranaense, por exemplo, que teve transmissão exclusiva em PPV. A transmissão se iniciou faltando cinco minutos para a partida se iniciar, com um narrador que não conhecia os jogadores dos times, um comentarista que achava tudo “lindo e maravilhoso” – podia ser comentarista de carnaval na televisão, a propósito – e apenas um repórter. No intervalo, como os times saem em direções diferentes no estádio de Macaé, ele simplesmente não conseguiu ouvir os jogadores das duas equipes envolvidas.

IMG-20120208-00288Ou seja, uma transmissão, sendo bem condescendente, burocrática. Como não há outra opção para se assistir às partidas, a detentora dos direitos se acha confortável para colocar profissionais de segunda linha e fazer uma transmissão com uma qualidade muito inferior a que se vê quando há concorrência. A própria transmissão em HD tem uma qualidade de imagem muito inferior a de outros canais especializados em esportes em seus programas. O raciocínio é claro: não há a necessidade de agradar ao consumidor, porque ele não dispõe de outra opção para ver o jogo de seu time favorito.

O PPV, aliás, não é um serviço barato: sou assinante do pacote que inclui as séries A e B do Campeonato Brasileiro e do Campeonato Carioca. Pago R$ 85 mensais, o que, anualizado, dá pouco mais de R$ 1 mil. Vale lembrar que se paga 12 meses de mensalidade para se usufruir, na prática, pouco mais de nove: os meses de dezembro e janeiro e na fase final dos Estaduais não tem quase nada de serviço em PPV.

Para o leitor ter um referencial de comparação, o Game Pass da NFL, cuja assinatura renovei recentemente, custou R$ 444. Esta assinatura, além de me dar direito a ver todos os jogos da temporada, me dá opção de rever os jogos após a realização dos mesmos (a qualquer tempo), as partidas das duas últimas temporadas e ainda, na transmissão ao vivo, se pode escolher qual áudio se quer acompanhar: se a do time da casa, a do visitante ou a “normal”.

O aplicativo de internet ou celular do Premiere (o PPV do futebol brasileiro) só permite assistir aos jogos ao vivo. Ou seja: se o assinante não puder ver o jogo ao vivo, ele não pode ver o VT posteriormente. Também não permite escolher a narração com a qual desejamos acompanhar a partida.

Isso pelo dobro, ou até mais, do preço de serviços similares. O custo do monopólio.

Como o leitor pode ver, esta situação é extremamente lesiva ao consumidor de futebol brasileiro. O monopólio exercido por um único grupo nos torna “amarrados” a esta transmissão, extremamente cara e de baixa qualidade.

IMG-20120208-00309Ou seja, algum tipo de regulação deveria haver a fim de impedir ou minorar os efeitos deste monopólio. Na Argentina, nossos vizinhos, havia o monopólio do grupo Clarín, que é uma espécie de “Globo” deles. Lá, o governo interveio, comprou os direitos de transmissão dos campeonatos locais e hoje, todas as partidas são transmitidas pela televisão aberta. Entretanto, as transmissões de futebol no país vice-campeão do mundo acabaram contaminadas por um viés político partidário, além de limitar os ganhos que os clubes podem ter com a segmentação.

Pessoalmente, me agrada mais o modelo adotado pela NFL nos Estados Unidos, onde diversas TVs dividem a transmissão dos jogos. Com isso, há a competição de forma a maximizar não somente o ganho das equipes como a satisfação do consumidor. Ainda que nem sempre, ou quase nunca melhor dizendo, uma partida tenha mais de uma transmissão, como mais de um canal divide as transmissões acaba se gerando o “efeito concorrência” que eleva a qualidade e favorece o consumidor.

No caso brasileiro, como a mídia e a imprensa não têm qualquer tipo de regulação, o consumidor acaba sujeito a contratos particulares que podem ser adequados às partes, mas inadequados ao consumidor, que é a parte mais importante da relação. Profissionais sem o preparo adequado, imagem com qualidade ruim e cobertura jornalística extremamente limitada acabam sendo o padrão neste Brasil onde um único grupo dá as cartas.

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3 Replies to “Sobre futebol e televisão: como o monopólio prejudica o consumidor”

  1. Olá, meu nobre! Parabéns pelo post. Gostei muito e concordo plenamente com você.
    O valor cobrado pelo PV é muito alto para o serviço oferecido.
    O aplicativo para celular, via NET, é gratuito. Mas até pouco tempo, outras operadoras ainda cobravam R$ 10,00 para ter acesso via celular. Não sei se ainda está assim. Absurdo total!

    Pelo jeito, não é interessante que se dê alternativas para os clientes. Muitos devem estar lucrando desta forma.

    Até quando ficaremos escravos dessa política ?

    1. De graça em termos, porque já se paga e caro pelo pacote. Mais absurdo ainda são as outras operadoras cobrarem esta taxa.

      Quanto mais estudo este tema, mais me convenço que a solução passa por um marco regulatório para o setor. Mas convenientemente, os monopolistas dizem que é “censura”…

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