A coluna de hoje do advogado Gustavo Cardoso trata do aquecimento global.

O Aquecimento Global

Após um mês de janeiro como este, agressivamente quente no Brasil e absurdamente frio nos Estados Unidos, a pergunta voltou, de forma distinta, à mente de muitos: está havendo um aquecimento global, causado pela atividade humana?

Sem entrar em detalhes, o frio em algumas regiões do planeta também pode ser efeito colateral de aquecimento global. Mas aí o problema começa a se tornar complicado demais, nos arriscamos a entrar em terreno movediço, e é exatamente essa a questão de fundo: Como enfrentar a dúvida se não temos qualificação técnica para resolvê-la?

Uma saída é ignorá-la – mas teremos de conviver com o fato de que um posicionamento sábio pode ser decisivo para a nossa vida ou a de nossos filhos; uma alternativa é a de acreditar na primeira tagarelice que ouvimos na televisão – como não é difícil imaginar, não costuma ser uma boa ideia; outra é procurar ler toda a produção científica a respeito e formarmos uma opinião balizada – desculpe, amigo, não temos tempo nem base para isso.

Minha solução é indutiva: nunca seremos especialistas na matéria; o melhor que podemos fazer é saber o que pensam os cientistas que estudaram o fenômeno. Se entre eles há divergência, fiquemos na dúvida. Se entre os estudiosos há consenso, é racional assumir que as conclusões deles sejam válidas, até que sejam revistas por trabalhos mais avançados. Pois bem, neste assunto do aquecimento global, ao contrário do que alguns pensam, há consenso.20140122__p_01b6e3d9-e46c-4368-a2ca-dfcf5fddd2c1~l~soriginal~phEm 2010, a PNAS, o periódico da Academia Nacional de Ciências dos EUA, revisou 1.372 trabalhos de geologistas, climatologistas e meteorologistas, e constatou que de 97 a 98% deles tratava o aquecimento global causado pelo homem como um fato. A publicação Environmental Research Letters repetiu a pesquisa em 2013, desta vez com 4.014 papers, e chegou à mesma conclusão: 97,1% dos cientistas concordam que o homem está causando aquecimento global.

O IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) é uma organização científica intergovernamental estabelecida em conjunto por dois órgãos das Nações Unidas. Este instituto recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007, e tem entre seus colaboradores os maiores especialistas do mundo em clima. Suas visões são consideradas conservadoras sobre o aquecimento global; mesmo assim, recomenda que 0,5% do PIB mundial seja dedicado à reversão das mudanças climáticas, sob pena de vivermos, em algumas décadas, uma gravíssima tragédia ambiental.

O IPCC mantém que o aquecimento global é inequívoco, como evidenciado pelo aumento da temperatura média do ar e dos oceanos, do derretimento da neve polar e do aumento do nível do mar em escala global, e que isso acontece, em grande parte, desde meados do século XX, devido às atividades humanas.

Tal ponto de vista é endossado por vários corpos nacionais e internacionais de cientistas. Por outro lado, nenhuma associação científica do mundo mantém formalmente uma opinião discordante. A última que mantinha uma posição de dissenso oficial se retratou em 2007; era, como se podia esperar, a poderosa Associação Americana dos Geólogos de Petróleo.QUE-CALOR

Podemos, assim, reconhecer que há consenso científico sobre o aquecimento global e sua principal causa. Também há consenso sobre as terríveis consequências de não revertermos, na medida do possível, a tendência atual, mas sequer precisamos detalhá-las. E podemos assumir que, se não formos nós mesmos estudiosos do assunto, é uma atitude racional seguir o que pensa mais de 97% dos cientistas que investigaram o fenômeno, em vez de nos atermos à opinião de menos de 3%, boa parte dos quais abertamente patrocinados por empresas petrolíferas, ou, pior ainda, de palpiteiros amadores.

O curioso é que a opinião pública, apesar de, na maioria, acreditar no aquecimento global, está bem longe dos cientistas em convicção e apreensão. Nos países “em desenvolvimento”, a maioria sequer ouviu falar do assunto. Na Europa e nos EUA o público está muito mais informado, mas enquanto no velho continente há um quase consenso que se aproxima do da comunidade científica, nos EUA, justo o país decisivo para a tomada de decisões supranacionais, há uma bizarra disputa em torno do “climate change denial”.

Num país em que as grandes corporações têm imenso poder sobre a informação, o americano médio liga a TV na Fox News e vê o mesmo espaço dado num debate a um cientista que argumenta pela evidência do aquecimento global e outro que nega a existência do fenômeno. O primeiro é um Prêmio Nobel e representa a quase totalidade da comunidade científica internacional; o segundo tem uma posição isolada e é financiado pela ExxonMobil; mas o apresentador do programa trata as duas posições como teorias de igual valor.

Na sequência, os comentaristas da emissora se reúnem para desancar a “teoria” do aquecimento global como um plano da ONU para dominar os Estados Unidos, ou coisa ainda mais pirada. Nos EUA há pessoas de verdade que acreditam que as Nações Unidas são uma entidade literalmente satânica empenhada em maquinações sinistras como evitar guerras, restringir o comércio de armas e perseguir as angelicais companhias de petróleo americanas. Por outro lado, há os de opinião que o aquecimento global é real, e foi imposto por Deus como um castigo pelos EUA permitirem o casamento gay.

globalwarm-e1278438330587No Brasil o debate é marginal, exceto entre os ambientalistas e os que se informam pela mídia americana, efeito da popularização da internet e da TV a cabo. Os caricatos Reinaldo Azevedo e Olavo de Carvalho, sempre afoitos por imitar a banda mais cômica da direita americana, são alguns dos que se aventuraram no climate denialism. Não dá muito trabalho, é só traduzir umas opiniões extravagantes publicadas em inglês.

Enquanto isso, a comunidade das nações não dá mostras de que esteja empenhada em avançar na questão. Os líderes mundiais não entendem muito mais do que nós de climatologia. Podemos supor que, das duas, uma: ou eles acreditam nos analistas da Fox News ou têm sido agraciados pela ExxonMobil e congêneres. Cada um pode imaginar o que quiser.

Uma síntese de como andam as coisas é a história do Parque Amazônico do Yasuní, no Equador. Estima-se que em seu subsolo estejam 20% das consideráveis reservas de petróleo do Equador. A área é provavelmente o local de maior biodiversidade do planeta, e nela vivem diversas comunidades indígenas, contrárias à exploração do petróleo. A outra parte do dilema é que o país precisa se desenvolver.

O governo equatoriano propôs à comunidade internacional que desse ao país US$ 3,6 bilhões, uma pequena porcentagem do que o país arrecadaria com a extração petrolífera, em troca de manter o santuário ecológico intacto. O mundo tratou a oferta como uma piada, e o Equador se resignou – decidiu devastar a mata e explorar o combustível. Então, é isso. Vamos para o futuro com menos florestas, mais petróleo, mais aquecimento, mais Fox News… Até quando, e como, ainda não se sabe exatamente.

Mas já se tem uma ideia.4jan2014---pessoas-lotam-a-praia-de-ipanema-na-zona-sul-do-rio-de-janeiro-neste-sabado-4-de-calor-intenso-1388877485465_1920x1080