Na série “Escola do Meu Coração”, o jornalista esportivo Rodrigo Mattar escreve sobre a sua Imperatriz Leopoldinense, em relato onde sobrepõe suas lembranças pessoais à história da escola.
Escola do Meu Coração: “Quem dera… se a vida fosse assim… sonhar, sorrir”
Meu primeiro endereço foi Rua Roberto Silva, 170/102, em Ramos. Numa rua em subida, próxima a uma das entradas do Morro do Alemão. Nas duas ruas seguintes – Aureliano Lessa e Professor Lacê, ficavam – respectivamente – o Social Ramos Clube e a Imperatriz Leopoldinense. Essa proximidade, essa vizinhança com a escola de samba fundada em 1959 por Amauri Jório e outros nove remanescentes do Recreio de Ramos, a primeira agremiação do bairro.
Ramos é celeiro de bambas. Pixinguinha morou lá a vida inteira. Armando Marçal também era do bairro. O compositor de grandes músicas ao lado de Alcebíades “Bide” Barcelos – basta lembrar de “Agora é cinza”, foi pai de Mestre Marçal, o grande diretor de bateria da Portela, também criado no bairro. Sem mencionar os craques criados à sombra da tamarineira da sede do Cacique de Ramos, um pouco mais distante da quadra da Imperatriz, na Rua Uranos.
Lembro bem da primeira vez que pisei a quadra da Professor Lacê, 235. Era um molequinho de uns seis, sete anos, que se alimentou dos discos de samba-enredo que o meu pai tocava, quase sem parar, todos os fins de semana. As honrosas exceções eram Clara Nunes, Roberto Ribeiro, João Nogueira, João Bosco e… Pixinguinha.Como coincidência feliz, 1980 foi o ano em que comecei a prestar mais atenção em desfile de escola de samba, marcando a primeira oportunidade em que a Imperatriz pisou na avenida para ganhar – embora a agremiação já fosse conhecida graças à popularidade da novela global Bandeira 2 em 1971, que fez o samba “Martim Cererê” ser um dos mais executados para o carnaval do ano seguinte. “Reluzente como a luz do dia”, dizia a letra do samba muito bem cantado por Dominguinhos do Estácio no disco – e na avenida. Sim, houve um empate com a Portela e a Beija-Flor, mas a Imperatriz era campeã pela primeira vez.
O coração do pequeno súdito da Rainha de Ramos seria conquistado de vez em 1981. O desfile arrebatador homenageando Lamartine Babo nunca mais saiu da memória e do coração. No colégio, o Instituto Pio XI, pediram um trabalho de língua portuguesa onde tínhamos que escrever a música que mais gostávamos. Não tive dúvidas.
“Quem dera… se a vida fosse assim… sonhar, sorrir! Cantar, sambar… e nunca mais ter fim!”, dizia o verso final de um samba maravilhoso. Só deu “Lalá” e a Imperatriz foi bicampeã. Poderia ser tri em 1982, mas Arlindo Rodrigues – o mago dos carnavais – lançou mão de elementos “vivos” em suas alegorias – e isso não era permitido pelo regulamento. A escola perdeu seis pontos e eu não fiquei nem um pouco triste com o terceiro lugar. A madrinha da Imperatriz, o grande Império Serrano, era campeão com o incontestável “Bumbumpaticumbumprugurundum”.
O coração deste gresilense só voltaria a bater forte, no compasso do surdo e do tamborim, em 1989. E por motivos óbvios. A escola voltava a ter Dominguinhos do Estácio ao microfone e um samba maravilhoso – assinado, entre outros, por Preto Jóia e Niltinho Tristeza. A Imperatriz provava ali a excelência de sua ala de compositores. E nos ofereceu um desfile para a história, porque derrotou o luxo do lixo da Beija-Flor de Joãozinho Trinta. Um carnaval épico, um dos mais discutidos até hoje. E com que prazer vejo que a revolta dos nilopolitanos não perece. E lá se vão 25 anos…
A partir daí, a minha querida escola se tornou uma força do carnaval carioca. Ao mesmo tempo, sua competência foi questionada e a Imperatriz começou a ganhar apelidos jocosos que não condizem com sua bela história. “Certinha” e “Fria” são os mais publicáveis.
Certinha ou não, fria ou não, levou outros cinco carnavais entre 1994 e 2001, com direito a um tricampeonato que – assim como o título de 1989 – faz o torcedor da Beija-Flor estrilar de ódio. E faço aqui uma confissão: trocaria o campeonato de 1995, injustamente ganho em cima da Portela, pelo de 1996, no meu ver injustamente perdido para a Mocidade Independente de Padre Miguel.Esse inconformismo faz parte e não há bem que sempre dure. A partir daí, nunca mais gritei “é campeão”, nunca mais entoei nenhum outro samba a plenos pulmões na quarta-feira de Cinzas. Mas o coração daquele pequeno súdito que foi arrebatado em 1981 ainda amolece a cada passagem da “linda, majestosa, tão querida” na avenida. Ainda que não seja o melhor desfile, é o amor pela Imperatriz que prevalece. Sempre.
Pois quem não sabe o que é o amor, não sabe o que é ser feliz. Quem não sabe o que é sambar, não sabe o que é a Imperatriz.
http://www.youtube.com/watch?v=51gUBwN6ykg
(Fotos: Uol, Extra e reprodução de internet)
Bonito demais. É impossível não gostar, não reconhecer, não curtir a história da Imperatriz Leopoldinense nesses seus quase 55 anos de vida.
Eu aprendi como funciona uma agremiação vendo os preparativos da querida Imperatriz Leopoldinense para os seus desfiles.
Fico com o samba de 1980, de Darci e Dominguinhos: uma obra de arte. Uma verdadeira aula de samba-enredo:
Reluzente como a luz do dia
Bela e formosa como as ondas do mar
Encantadora e feliz
Chega a Imperatriz
Fazendo o povo vibrar
Ê Bahia
Vou cantá-la nos meus versos (vou cantar)
Teu passado glorioso
Teu presente já famoso
E o futuro Deus dirá
Pega na barra da saia
Vamos rodar
Lá, laiá, lá, laiá, lá, laiá
Lá, laiá, lá, laiá, laiá
(Ê Bahia…)
Bahia terra da magia
Da feitiçaria e do candomblé
Caô, meu pai Caô
Caô, meu pai Xangô (bis)
Que coisa linda ver
O ritual do lava-pés
A lavagem do átrio e as catedrais
E o pregoeiro a dizer:
Quem vai querer?
Quem vai querer? (bis)
Fubá de castanha
Pé-de-moleque, dendê