Na segunda parte de seu artigo o advogado Gustavo Cardoso analisa o papel do PSDB neste processo, bem como perspectivas políticas futuras.

Marina e Eduardo Campos contra a Oposição – Parte II

A filiação de Marina Silva, segunda colocada nas pesquisas de intenção de voto para a presidência, ao PSB pode ser um golpe mortal na combalida oposição tucana? Poderia significar um realinhamento nacional, em que duas facções de um mesmo lado vencedor (a coalização que governa desde 2003) passam a disputar o poder entre si, empurrando os antigos oposicionistas para as margens do jogo político? Como dito, é possível…

Primeiro, o PSDB e seus associados na oposição têm perdido representação no Congresso a cada eleição, desde que deixaram o poder. Estes resultados indicam desarticulação social. Vale lembrar que o PT e o PSB nunca deixaram de crescer enquanto estiveram na oposição. O PSDB ganhou eleitores novos nos últimos anos, a saber, parte da classe média urbana que abandonou o PT a partir do primeiro mandato de Lula, mas isto se revelou insuficiente para compensar a forte identificação das classes mais baixas com o líder petista.

Segundo, os tucanos, e mais ainda os democratas, não parecem ser capazes de mobilizar os jovens. A juventude insatisfeita com o atual governo parece ter encontrado uma representante em Marina Silva. Terceiro, a centro-direita brasileira não tem produzido um pensamento articulado que dê sustentação ao projeto da oposição. Os únicos acadêmicos de vulto que têm se manifestado a seu favor são economistas flagrantemente associados ao mercado financeiro.

Quarto, o partido perdeu (e ainda está perdendo) um precioso tempo com as intrigas de Serra, que se recusa a aceitar o próprio ocaso, e com a vaidade de Fernando Henrique Cardoso, mais preocupado com a glorificação de seu “legado” que com a renovação da legenda. Para ascender à testa do partido, Aécio teve de fazer uma cara aliança com FHC, que lhe impõe o ônus de defender em público um ex-presidente impopular. Enquanto isso, não abre espaço para Antonio Anastasia, um político com ideias interessantes, e agora mesmo tenta ressuscitar Pimenta da Veiga em Minas. O resultado é estagnação e perplexidade no eleitor.

Quinto, corolário dos anteriores: o PSDB não tem se mostrado capaz de renovar suas lideranças. Seus principais quadros são praticamente os mesmos desde a fundação do partido, em 1988. A exceção é o governador Beto Richa, que em verdade “herdou” o locus de seu falecido pai. Mas o Paraná não tem tradição de produzir líderes nacionais, e até o momento esta sina parece acompanhar Richa.

Sexto, os tucanos mais jovens, agora alçados ao primeiro plano, têm uma qualidade política e intelectual nitidamente inferior à geração de Mario Covas, Franco Montoro e FHC. Sétimo, o partido virtualmente deixou de existir em estados importantes nos quais já teve peso, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Ceará. Finalmente, alguns de seus ideólogos (como André Lara Resende) e apoiadores políticos (como os Bornhausen) já estão embarcando no trem de Campos e Marina. Por tudo isso, o PSDB corre o risco de morrer com seus fundadores.

Também há motivos para duvidar desse desfecho. A mídia continua lhe dando apoio desproporcional à sua popularidade; as oligarquias do nordeste já ensaiaram abandonar o barco em 2002, mas a debandada foi revertida; Campos e Marina carecem de densidade ideológica e de apelo em São Paulo; a aliança dos dois se deveu à impossibilidade de registro da Rede, não havendo garantia de que se manterá após a eleição, nem mesmo de que chegue até lá; há uma incipiente extrema direita sub-representada nos partidos atuais, o que leva a duvidar que o espectro político possa ser deslocado um pouco mais para a esquerda.

Ainda, Campos e principalmente Marina não afirmam ter a pretensão de substituir o eixo PSDB-DEM na oposição ao PT, mas de constituir uma “terceira via” baseada não em divergências ideológicas, mas numa “nova forma de fazer política”, que supostamente suplantaria o “toma-lá-dá-cá” em vigor. O rechaço a Ronaldo Caiado, que estava ávido por associar-se ao projeto, deu alguma credibilidade ao argumento.

É possível que tal promessa encontre crédulos na Zona Sul do Rio, entre artistas alternativos e descolados em geral que se sentem esteticamente atraídos pelo que Marina representa. Mas os que têm idade suficiente para se lembrar de como e porque o PT e o PSDB foram fundados, e depois viram como foram obrigados a governar, e mesmo aqueles que leem jornais e já sabem da adesão de tipos como Heráclito Fortes à candidatura “socialista” terão dificuldade de confiar nisso.

Marina Silva só inventará uma forma nova de fazer política no Brasil se refundar o Brasil. Se a política brasileira mudar, será porque a sociedade mudou, e não porque alguém com “autoridade moral” assumiu o poder. Uma coisa é rejeitar o apoio de Caiado na campanha, quando ele pode tirar mais votos do que traria. Outra é deixar de compor com ele, ou com pessoas como ele, para governar.

Daí surge outro problema: terminada a eleição e dispensados os marketeiros, qual será a ideologia dessa nova frente? A referência de Marina ao “chavismo” do atual governo sugere uma tentativa de ocupar o espaço da atual direita, mas também remete ao deserto de ideias em que vive a oposição. Quase tudo que se sabia sobre Marina é que ela levantava bandeiras ecológicas. Agora sabe-se também que ela lê a Veja. Os economistas que falam por ela foram “roubados” do PSDB. Não parece uma base muito sólida. E Eduardo Campos é ainda mais anódino.

São questões por resolver. O certo é que Marina tornou a candidatura de Campos mais cool, e que o novo PSB/Rede se mostra capaz de agregar personagens de todos os matizes ideológicos. Por enquanto, a maioria dos novos adeptos não parece interessada nas propostas da chapa, mas numa candidatura de oposição mais viável eleitoralmente que a de Aécio Neves, e numa posição de maior destaque num futuro governo do que teriam com a volta dos tucanos a Brasília.

Sem dúvida, Caiado não terá, e Cristovam Buarque não teria dificuldade ideológica de se realinhar com Aécio e Dilma, respectivamente. Mas na hipótese de o carisma de Marina se impor durante a campanha, e Dilma e Campos se enfrentarem num segundo turno (ou mesmo se a chapa do PSB chegar à frente do PSDB em uma eleição de turno único), e mais ainda se os tucanos perderem o governo de São Paulo, estará aberta a possibilidade de cristalização de uma força política capaz de polarizar com o PT, e a qual muitos adversários do “lulopetismo” podem ter de aderir por questão de sobrevivência.

Há mais um dado importante: Marina Silva é, por enquanto, a única líder política nacional a assumir-se evangélica, o que lhe permite comunicar-se diretamente com uma parcela de eleitores dedicada, fiel e que cresce vertiginosamente. Este é um trunfo que nem Lula possui.

Em suma, há uma possibilidade concreta de que, dependendo do resultado das eleições, a partir de 2014 o eixo da política brasileira seja deslocado para marginalizar a atual direita, que pode vir a ser substituída, como alternativa ao petismo, por um novo agrupamento derivado do próprio pacto governista. Mas isto depende de a nova frente adquirir entrosamento, consistência ideológica e força em regiões estratégicas.

Falta examinar a questão por outro ângulo. E se Campos e Marina vencerem? Absorveriam o PT, deixando o PSDB na oposição? Ou o inverso? Alguns aliados da dupla sonham em agregar  ambos os partidos, segregando PMDB, DEM e quejandos. Enquanto Lula for vivo, na terra ou na mente do povo, é um sonho impossível. O PT não abrirá mão de disputar o protagonismo sabendo ter um quadro que muitos consideram imbatível, a quem os próprios Eduardo e Marina devem boa parte da projeção que alcançaram. Também neste último cenário, é o PSDB que está na berlinda.