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Nesta tarde de quinta, a coluna “Made in USA”, do advogado Rafael Rafic, encerra a brilhante série de colunas sobre a aescolha do novo Papa analisando a surpreendente escolha de Jorge Bergoglio, argentino e primeiro Papa latino americano da história.

Em minha visão de leigo, diria que talvez a ideia seja a mesma ocorrida com João Paulo II e os então países comunistas, ou seja: contrapor-se aos governos populares e de centro esquerda na América do Sul – inclusive o Brasil. Lamento, apenas, a escolha de um Sumo Pontífice sobre o qual pesam fortes suspeitas de colaboração com a sanguinária ditadura argentina da década de 70. Passemos ao texto.

O Conclave Papal – Parte VI: O Papa Francisco

A esperada fumaça branca saiu, anunciando que o Conclave escolheu um novo papa. E o escolhido é o Arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mário Bergoglio. A escolha foi uma surpresa para todos os entendidos: sejam profissionais como os vaticanistas, seja esse simples amador que vos escreve.  Foi o primeiro Papa latino-americano da história (isso já era esperado), o primeiro papa não-europeu em 1300 anos (também era esperado) o primeiro a se chamar Francisco e o primeiro Papa jesuíta da história.

Esse último fato também é curioso, já que a Companhia de Jesus é mais voltada à evangelização e são raros os seus membros que galgam altos postos na hierarquia da Igreja. Tanto é que Bergóglio era o único jesuíta presente ao Conclave.

Mais uma vez ficou provado que quem se preza a dar palpite em Conclave provavelmente erra. Comigo não foi diferente, o que fez até o editor, brincando comigo, colocar no Twitter que eu escrevi 30 mil toques à toa. Afinal de contas, assim que o nome dele foi revelado na noite de segunda feira, eu twittei na mesmíssima hora que ele era apenas uma cortina de fumaça para a futura escolha de um outro nome.

Para mim, essa é a grande surpresa desse conclave. As notícias extraoficiais (até porque os Cardeais fazem juramento de silêncio sobre o Conclave) indicam que Bergoglio partiu em vantagem desde o primeiro escrutínio. Ele era um nome que se indicava na lista de “papas de terceiro dia”, não na lista de favoritos. Acho que foi justamente a emergência forte desse nome novo logo no início do Conclave é que evitou que o mesmo chegasse ao terceiro dia, que parecia inevitável a todos os vaticanistas.

Mas os problemas que descrevi seriam os mesmos a serem enfrentados pelo novo Papa, fosse ele quem fosse. Então não escrevi a toa.

O novo Papa veio de um Arcebispo metropolitano, como escrevi que deveria ser o novo Papa para cobrir o problema pastoral que a Igreja enfrentou com Ratzinger. Pode-se discordar do que Bergóglio fala, mas não se pode negar que ele sabe falar com a sua massa e tem uma longuíssima experiência pastoral.

Já se pode perceber a boa comunicação do novo Papa pelo seu primeiro discurso, quando, quebrando o protocolo (Bergóglio leva uma vida simples e não é fã de protocolos), antes de conceder a famosa benção “Urbi et Orbi” pediu um pequeno momento de orações do povo para ele, como se fosse uma benção do povo para ele. Nesse momento, ele se curvou para o povo, em um gesto de humildade.

Isso é uma inovação interessantíssima e seria de bom grado que esse momento fosse incorporado à liturgia da apresentação do novo Papa. Também deve-se enaltecer seu semblante feliz e sorridente, bastante diferente do demonstrado por Ratzinger em 2005.

Porém, esperava-se um papa bem mais novo e com muito mais pulso para fazer mudanças profundas. Aqui a escolha surpreendeu bastante. Bergóglio já tem 76 anos, uma idade mais avançada e que, provavelmente, levará a um segundo papado mais curto consecutivo. Dá a impressão que a Igreja optou por outro papa de transição. Além disso, também me aparenta ter a saúde já um pouco fragilizada e sinceramente não acredito que ele tenha a força necessária para fazer a limpeza necessária.

Temos que esperar como será o novo pontificado. As vezes, Papas surpreendem após a sua nomeação – sempre dou o exemplo de Roncalli. Ficou a impressão de que eleição dele foi um voto de reprovação à atual cúria de Bertoni, mas tenho fortes dúvidas se ele irá contra esta cúria e fará a limpeza necessária de acordo com o relatório proveniente do Vatileaks. Acredito que ele não tenha a energia e a força necessárias.

Aqui a minha aposta é que Bergóglio mudará toda a Cúria, mas deixará impune todos os atos anteriores. Praticamente uma “anistia”, tal qual foi feita no Brasil pós-ditadura.

Outro ponto interessante é que esse é o quarto dos últimos cinco papas que pertenceram ou apoiaram o famoso movimento “Comunhão e Libertação”. A única exceção foi Luciani (João Paulo I). Por isso Bergóglio é bastante ligado ao Papa Emérito Ratzinger, que provavelmente continuará a exercer um forte papel de conselheiro do novo Papa.

Esse movimento é conhecido pela defesa ferrenha dos valores clássicos católicas, claramente anti-comunista, com viés integralista até. Ou seja, tudo o que a Igreja não precisa. Nesse sentido podemos esperar mais do mesmo do que tivemos com Wojyla e Ratzinger. Assim, esperem uma defesa ferrenha dos valores católicos contra o aborto, a eutanásia, a homossexualidade, o sexo com camisinha e o fim do celibato.

Pelo menos espero que haja, com um Papa latino-americano, uma guinada para fora do eurocentrismo que está matando a Igreja Católica. Talvez o grande legado que Bergóglio possa deixar será a diminuição do peso da Europa não só no Colégio de Cardeais eleitores, como na estrutura da Igreja de um modo geral.

Urge que um papa latino-americano no próximo Consistório finalmente destrave algumas nomeações cardinalícias latino-americanas que já passaram da hora de ocorrer. No caso brasileiro, isso resultaria em nomear Cardeal os Arcebispos do Rio de Janeiro, D. Orani Tempesta, o Arcebispo de Salvador, D. Murilo Krieger, e um Arcebispo de uma praça nem tão importante, mas que tem se destacado no cumprimento de sua função: o Arcebispo de Mariana, D. Geraldo Lyrio Rocha.

Também acredito que a Igreja tenha escolhido um Papa sul-americano em um claro movimento de reação ao aumento substantivo dos fiéis das Igrejas neopentecostais, inclusive no Brasil, sendo que muitos deles foram “roubados” do rebanho católico. Uma das missões de Bergóglio será retomar o crescimento, não só numérico como principalmente proporcional de católicos no sub-continente. Acho que ele deixou claro essa missão na escolha de seu nome (explico abaixo).

Por fim, continuo a acreditar que a escolha de um sul-americano já foi feita de caso pensado, já que o próximo grande evento da Igreja Católica será em junho desse ano aqui no Rio de janeiro: a Jornada Mundial da Juventude de 23 a 28 de julho. Alias, provavelmente essa será a primeira viagem internacional do Papa.

Também faz bastante sentido a escolha de um argentino, apesar da Jornada ser no Brasil. Porém essa explicação virá mais abaixo.

Outro ponto a ser bastante destacado é o ponto político da nomeação. Esse foi o primeiro ponto que logo me veio a cabeça quando do anuncio do novo Papa. A eleição de Bergóglio guarda certas semelhanças com a de Wojtyla (João Paulo II) em 1978. Bergóglio ultimamente tem sido bastante político em seus discursos, sendo um dos maiores anti-kirchneristas da Argentina atualmente. Ele, que nasceu em Buenos Aires e passou toda sua vida na Igreja argentina, sempre se posicionou pela manutenção da Igreja e seus fiéis.

Talvez justamente por isso, ele tenha se alinhado à ditadura militar na Argentina, e por mais que não a tenha apoiado explicitamente também, em momento algum, se manifestou contra a mesma. É acusado de ser conivente com o seqüestro pela ditadura argentina de dois padres liberais que pregavam homilias contra a ditadura. Acusação sempre negada veementemente pelo próprio.

Também é famosa uma foto em que Bergóglio dá a hóstia ao ditador argentino Jorge Rafael Videla e ainda pesam sobre ele denúncias de envolvimento em episódios de seqüestros de bebês, absurdo que foi perpetrado como política de estado pela ditadura Argentina. Ele também nega a última acusação. Vejo nessa nomeação uma alta possibilidade da Igreja responder com força ao avanço do “kirchnerismo” na Argentina e, principalmente, do “chavismo” em um momento em que ele começa a tomar bastante força na América Latina.

Além de governos ‘populistas’ de esquerda, anti-clerical e de forte restrição de remessa de dinheiro para o exterior (restrição que também atinge a Igreja) essa ideologia incentiva bastante o culto ao governante, seja ele vivo ou morto, quase como se fosse uma divindade. A Igreja em toda sua história sempre lutou contra essa idolatria, concorrente à divindade católica e a “seu mensageiro” Jesus Cristo.

Aqui eu explico o porquê que faz mais sentido a eleição de um argentino do que de um brasileiro ou colombiano. Brasil e Colômbia foram os países que menos se renderam a essa onda chavista-esquerdista que toma conta da América do Sul e por isso terá um impacto muito maior a inserção de um papa argentino no seio da política argentina do que um brasileiro no Brasil.

O Brasil, embora tenha um governo de centro-esquerda, é um governo laico e até certo ponto amigo da Igreja. A Igreja se movimenta livremente aqui, tendo até algumas figuras políticas importantes do governo que são amigas de eclesiásticos influentes. Já a Colômbia tem um governo de centro-direita, de família tradicional.

Já a Argentina, apesar de um dos poucos estados não-laicos da América, sendo oficialmente católico-romano, tem um governo atual que vive as turras com a Igreja e em especial com o Papa eleito.

Não podemos esquecer que, recentemente, a Argentina foi o primeiro país latino-americano a aprovar o casamento gay. Aprovação essa que causou uma frase polêmica do novo Papa: ele afirmou que crianças adotadas por casais homossexuais eram infelizes e discriminadas. A reação de Cristina Kirchner foi veemente e tivemos uma das várias discussões ríspidas entre os dois por intermédio dos jornais.

É certo que Cristina Kirchner deve estar com bastante ‘raiva’ no palácio presidencial. Não bastasse terem eleito um argentino grande desafeto seu para Papa, ele ainda fez questão de em seu primeiro discurso chamar a Argentina de “fim de mundo”. Essa frase teve o claro intuito de mostrar humildade do novo Papa, mas não soou bem a nenhum ouvido.

Alias, a viagem de Bergóglio para a Jornada Mundial da Juventude deverá sofrer muitas alterações. Inicialmente, feita por Ratzinger, a agenda era bastante enxuta e apenas previa os eventos mínimos necessários para a Jornada no Rio de Janeiro.

Porém, com o novo Papa, que além disso é sul-americano, provavelmente essa agenda sofrerá profundas inclusões, e o próprio Arcebispo do Rio de Janeiro já demonstrou que tentará fazer com que isso ocorra. Não descarto um grande tour pelo Brasil e por toda América Latina e tenho quase certeza que ele aproveitará sua estada no Brasil para passar por sua Buenos Aires natal.

Chegando lá, recomendo prestar bastante atenção nas falas proferidas por Bergóglio, porque principalmente em seus discursos em solo argentino, acredito que teremos a exata noção da intenção de Bergoglio em usar ou não seu status papal para confrontar o governo de Cristina Kirchner e os governos “bolivarianos” da América Latina.

Já a escolha do nome Francisco, inaugurando essa “linhagem” de Papa, foi uma escolha bastante interessante. Aqui, por mais que não tenha sido um acerto total meu, já tinha avisado na minha quarta coluna pré-conclave que as opções de nomes para Papa estavam ficando por demais estritas e que esperava para um futuro próximo a inauguração de novos nomes.

Inicialmente a escolha do nome foi atribuída a uma homenagem a São Francisco de Assis, e isso é o normal já que ele é a grande figura chamada “Francisco” na Igreja, sendo o padroeiro da Itália. Assim, ele queria passar uma mensagem de que a simplicidade e austeridade serão a tônica do novo papado, em uma resposta a uma Cúria rachada e corrompida, da qual Bergoglio nunca fez parte ou se aproximou, que tomou conta do Vaticano no papado de Ratzinger.

Porém, alem dessa mensagem, acredito que, como um bom jesuíta, Bergóglio também quer lembrar a figura de São Francisco Xavier, figura evangelizadora importantíssima da ordem dos jesuítas que fez trabalhos pioneiros em possessões portuguesas na Índia, na China, no Japão e em algumas outras ilhas da região. Isso indicaria um papa missionário e pastor, já que a própria Igreja diz que S. Francisco Xavier foi quem converteu mais pessoas desde São Paulo, ainda na época de fundação da Igreja.

Porém, junto com esse trabalho de “evangelização” não se pode esquecer que vem junto todas as atrocidades cometidas pela Companhia de Jesus nesse trabalho nos séculos XVI e XVII, do qual Francisco Xavier fez parte. Podemos verificar esses problemas até na história brasileiro, com a catequização forçada de índios e a defesa da manutenção da escravidão ao defender que negros não tinham alma e por isso precisavam ser escravizados.

Esse é meu pequeno panorama do novo Papa e seu papado, com pontos positivos que sempre virão acompanhados de outros negativos. Um Papa que, por qualquer ângulo que se veja, sempre terá dois lados. Na minha opinião, quase tudo o que a Igreja não precisava. O quase fica por conta do acerto em se escolher um Papa latino-americano com bastante experiência pastoral.

Uma dúvida que vem complicando a todos, inclusive a eclesiásticos: o certo é Papa Francisco ou Papa Francisco I?

A tradição da Igreja Católica indica que o primeiro Papa a escolher um nome é chamado apenas pelo seu nome, sem qualquer indicação numérica. Apenas quando um segundo Papa escolhe o mesmo nome é que este Papa tem o II incluído no nome e o primeiro passa automaticamente a ser o I. Porém isso ocorre apenas quando o segundo Papa escolhe o mesmo nome.

A confusão se originou em 1978 quando Luciani ao escolher o novo nome, João Paulo, primeiro nome composto da história, por um gravíssimo erro foi anunciado pelo Cardeal proto-diácono como “Ioannis Paulis primus”, ou seja, “João Paulo Primeiro”. Não sei se o erro foi do cerimonial ou do próprio Cardeal proto-diácono, na época o Cardeal Pericle Felice.

O próprio Albino Luciani, com toda sua alegria e simpatia que lhe eram natas, logo após o anúncio teria dito em privado não foi isso que ele disse, que era para ser apenas João Paulo, pois não se fala o ‘primeiro’. Mas já que assim foi anunciado ao público e a imprensa e como todos já teriam se acostumado a assim chamá-lo, que ficasse assim.

Parêntese: aqui ocorreu uma gafe terrível de Felice, um dos raríssimos proto-diáconos que tiveram a honra de anunciar dois “habemus papam”, porque mesmo que o cerimonial tivesse falhado, era obrigação de um Cardeal saber dessa regra e não anunciar o “primus”. Portanto, espero bastante que a liturgia e a tradição sejam seguidas e, conforme corretamente anunciado pelo Cardeal Tauran, ele se proclame apenas Papa Francisco.

Por fim, espero que Ratzinger tenha conseguido demonstrar que é bastante vantajoso para Igreja e para a cidade de Roma que os papas renunciem. Assim, a Igreja sempre terá alguém com a saúde necessária a todos os encargos, administrativos e pastorais, sem precisar ver o declínio público de saúde do grande líder da Igreja Católica.

Além disso, a inexistência de luto por um Papa permitiu que a inauguração do novo papado fosse bem mais alegre e bonita, como nunca havia sido. Foi um achado dar ao novo Papa antes de seu anúncio todas as pompas de posse de um Chefe de Estado.

Foi bonito ver a formação da Guarda Suíça, a entrada triunfal da Banda da Guarda Gendameria do Vaticano (que andava esquecida e que Ratzinger brilhantemente reabilitou), entrada dos Carabinieri italianos, a saudação de ambas as tropas e as execuções dos hinos do Vaticano e da Itália. Isso só foi possível graças a renúncia de Ratzinger e a não existência de luto pela morte de um pontífice anterior.

2 Replies to “Made in USA: “O Conclave Papal – Parte VI: O Papa Francisco””

  1. Não sou católica, mas minha família é e muito atuante, inclusive uma tia do meu pai é freira. Eles pertecem a uma corrente mais conservadora de Campos -RJ.
    Quando eu for pra lá, perguntarei a opinião sobre o novo Papa pra ver como a igreja de lá está pensando sobre esse Papa sul-americano.

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