Reza a tradição que no dia 15 de novembro de 1908, em uma modesta casa de São Gonçalo (RJ), o Caboclo das Sete Encruzilhadas, incorporado no médium Zélio de Morais, anunciou a criação de uma religião brasileira, a Umbanda. Sobre ela, a Umbanda, escrevi um texto em 2009 que reproduzo abaixo, com pequenas alterações:
 
Nasci e cresci dentro de um terreiro de macumba. Digo isso com um orgulho tremendo. Minha avó, a Dona Deda, era mãe de santo das boas, versada nos segredos do xambá, da jurema e da encantaria. Fui, por isso mesmo, batizado nos conformes da curimba – protegido pelo caboclo Pery e pelo Exu Tranca Rua das Almas e oferecido aos cuidados da lua velha, num terreiro grande de Nova Iguaçu. Eles hoje guardam também o meu filho.
Minha infância foi assombrada pelo rufar dos tambores brasileiros – e pelo alumbramento com os caboclos de pena e os marujos e boiadeiros da minha macaia querida. Quem viu, viu – e sabe do que eu falo.
Em um certo momento, busquei as raízes. Fui ao candomblé, me iniciei, recebi um cargo de grande honraria, cantei em iorubá. Não me bastou – em meu peito continuava batendo mais forte a virada dos caboclos do Brasil. Percebi que de mim, que atravessei o mar só para ver a juremeira [ôh belezura!], isso ninguém tira !
Conversei com Seu Zé; recebi ordens de Seu Tranca Ruas; vi Tupinambá dançar encantado; fui seduzido pela beleza de Mariana – ôh, minha rainha e meu amor – e pela saudade de seu navio; temi a presença de Seu Caveira; cantei a delicadeza da pedrinha miudinha; respeitei o cachimbo velho de Pai Joaquim; me emocionei quando Cambinda estremeceu para segurar o touro bravo e amarrar o bicho no mourão. Os meus me entenderão.
É por isso, pelo meu encanto por Yara, pelo temor amoroso ao caboclo Japetequara – veterano bugre do Humaitá – pela reverência aos que correram gira pelo norte, que me emociono com os santos brasileiros e mestiços como nós – por amor ao Brasil, camará! Amor bonito e dedicado, feito o cocar de Sete Flechas e o diadema da sucuri no limiar das luas.
Se já está dito o que Zambi determina, salto de banda e me recolho por hoje, bradando um saravá afetuoso aos leitores, neste aniversário da Umbanda, e oferecendo o samba impactante da Acadêmicos do Grande Rio de 1994 [ um samba muito maior que a escola, diga-se] : Os santos que a África não viu.
 
Porque nós somos filhos de pemba, homens de bem e não temos vergonha do nosso povo.
 

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