Nesta semana onde o torcedor rubro negro teve a medida exata da incompetência da diretoria atual do clube, a recente conquista corintiana da Taça Libertadores acabou por abafar algo que é muito representativo: o centenário de um dos clássicos mais representativos do futebol brasileiro, o FlaxFlu.
A Confederação Brasileira de Futebol, em rara decisão acertada, marcou o jogo do primeiro turno do Campeonato Brasileiro exatamente para o final de semana que marca o centenário. A data exata do primeiro FlaxFlu foi 07 de julho de 1912 e originalmente a tabela marcava o jogo para este dia. Mas a pedido da televisão a partida passou para o domingo, 08 de julho.
A história do FlaxFlu possui algumas controvérsias. Há a versão difundida por Nelson Rodrigues, de que o Flamengo seria “filho” do Fluminense, fundado a partir desse, mas esta é uma falácia. Explico.
Como focado em minha participação no programa da ESPN sobre o centenário do futebol do Flamengo, o clube foi criado em 1895 como uma agremiação de remo, então esporte que galvanizava as massas cariocas. Inclusive é mais antigo como clube que o Fluminense, fundado em 1902.
O departamento de esportes terrestres do Flamengo é que foi fundado em 1912, após uma briga do time tricolor campeão em 1911 com o chamado “graund comiteé”, que era um misto de comissão técnica e diretoria da época. Vários dos jogadores tricolores já faziam remo no Flamengo, o que tornou natural que o rubro negro abrigasse estes jogadores após o dissenso.
Ou seja, o que se pode dizer é que o departamento de futebol do Flamengo nasceu de uma dissidência tricolor, mas não o clube em si.
No primeiro clássico, mesmo desfalcado, vitória do Fluminense por 3 a 2 (foto acima). No jogo do returno, a lógica: Flamengo 4 a 0. Iniciava-se ali a mística do clássico.
O nome “Fla-Flu” surgiu em 1925, e de forma pejorativa: todos os jogadores convocados para a seleção do Rio de Janeiro eram pertencentes às duas equipes, o que gerou comentário irônico da imprensa paulista que “o combinado Fla-Flu não ganharia o Brasileiro de Seleções”. Entretanto o então Distrito Federal (o Rio de Janeiro era a capital do Brasil) venceu os paulistas na final por 3 a 2 e a partir daí o jornalista Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues, passou a usar a expressão para se referir ao clássico.
Para o rubro negro há controvérsias se é o clássico mais importante. A geração do meu pai, por exemplo – e a de Zico também – sempre tinha o Botafogo como maior rival por causa dos oito anos em que ficamos sem vencer o time alvinegro – e pela própria freguesia que somente acabaria com a “Era Zico”.
A geração posterior à minha (tenho 37 anos) tem o Vasco como maior rival, principalmente por causa das decisões seguidas de títulos importantes entre 1999 e 2006 – quatro Estaduais e uma Copa do Brasil neste período, todas as decisões vencidas pelo Flamengo.
Minha geração, que viveu quase que em sua totalidade o período de maior glória do clube, divide-se entre o Vasco – pelo fato de, naquele momento, ser o único time carioca que “batia de frente” conosco, e pelo Fluminense por causa daqueles malditos (risos) Assis e Washington.
Pessoalmente quando criança tinha mais gana de vencer o Vasco, por causa de um jogador que embora adversário eu admirava e que se matava quando enfrentava a gente: o hoje presidente vascaíno Roberto Dinamite. Mas até hoje tenho uma superstição por causa daquela final de 83 onde o Fluminense venceu com um gol no último minuto (acima): em dia de decisões se não for ao estádio eu não uso a camisa do Flamengo – na minha cabeça de menino a camisa que usei deu azar.

Curiosamente, o Fluminense é o único rival carioca que jamais decidiu com o Flamengo um título nacional. Aliás, desde aquele famigerado gol – em impedimento, bom que se diga, porque só havia um jogador entre Renato e a baliza – de barriga que a dupla Fla-Flu não decide um campeonato. De lá para cá, nos últimos 17 anos foram apenas duas Taças Guanabara (2001 e 2004, ambas vencidas pelo Flamengo) e uma Taça Rio (2005, com título tricolor).

De tempos para cá, o clássico vem se firmando como o mais equilibrado envolvendo o Flamengo: as seguidas decisões contra Vasco e Botafogo com vitórias Flamengas criaram uma espécie de “sentimento de inferioridade” nestas torcidas, ao fato que firma-se a convicção que o FlaxFlu é jogo aberto – os tricolores não “tremem” contra a gente.

A propósito, não assisto a um FlaxFlu no estádio desde 2003, pelo Campeonato Brasileiro daquele ano. Vitória de 1 a 0 para o Flamengo, com um gol meio “espírita” do atacante Jean.

Presencialmente, meu FlaxFlu inesquecível foi o 4 a 1 de 1986, onde a torcida do Fluminense cometeu a insanidade de provocar Zico chamando-o de “bichado”. Zico voltava de séria contusão e marcou três dos quatro gols, dando o passe para o outro – marcado pelo atacante Bebeto, este mesmo (na foto o primeiro daquela partida). O jogo também é histórico por outro motivo: foi a única partida oficial onde Zico e Sócrates atuaram juntos com a camisa do Flamengo. Fala Zico sobre aquela partida, em depoimento ao Globoesporte.com:
“Era o primeiro jogo do Campeonato Carioca de 1986. Foram três gols meus e um do Bebeto. Foi o único jogo do Sócrates comigo no Brasil. Nesse Fla-Flu do “bichado”, tomei um susto. A torcida do Fluminense nunca tinha feito isso. Aí, quando eu entro em campo, começaram: “Bichado! Bichado! Bichado!”…

Foi o Fla-Flu que eu mais joguei bola. Fiz tudo o que você possa imaginar. O coro do “bichado” me deu mais gana de ganhar. Dei passe de calcanhar entre as pernas do zagueiro. Dei passe de bicicleta… Eu quis fazer tudo… E dava tudo certo. Se você tenta um calcanhar e erra… Eu tentava e caía certinho no pé do outro cara. E fui fazendo os gols… Dois foram golaços.”

Meu primeiro FlaxFlu presencial foi em 1980 ou 1981, e uma curiosidade: em todos estes anos só vi o Flamengo perder uma única vez para o Fluminense, em 1994.

Contudo, parece certo que a mística deste jogo é bastante diferente das demais partidas. Há uma eletricidade diferente no ar que torna sim o clássico diferente – e talvez venha daí toda a magia. É jogo duro, é jogo respeitoso e normalmente sempre vence aquela equipe que está em pior situação, uma curiosa tradição desta partida.

Ou seja, a se manter esta tradição iremos aturar Joel Santana uma semana mais no cargo…

Também é do FlaxFlu o recorde brasileiro de público em uma partida de clubes: 177.656 pagantes no empate de zero a zero que deu o título carioca daquele ano ao Flamengo.

Mas temos de saudar estes 100 anos desta rivalidade entre duas grandes equipes, de partidas gloriosas não somente no campo como na literatura e que certamente engrandecem a prática do ludopédio, como era conhecido anteriormente o nosso futebol.

Vida longa ao FlaxFlu!

2 Replies to “100 Anos de Fla x Flu”

  1. Como sou rubro-negra, mas tenho pais, irmãos e sobrinhos tricolores, o Fla-Flu acaba sendo o clássico mais especial pra mim. O 4 a 1 de 86 é o mais marcante para mim. Zico e Cia arrasaram os tricolores! Parabéns pelo belo texto sobre o clássico!

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