A deposição do presidente paraguaio Fernando Lugo, na última sexta feira, em um golpe de estado disfarçado de processo de impeachment “Express” deixa algumas lições aos demais países do continente, que servem de alerta e merecem ser analisadas.
Em minha avaliação, o que houve no Paraguai foi um golpe de Estado, um tanto quanto semelhante ao de Honduras. Os analistas conservadores estão ponderando que foi “dentro da lei do país”, mas não dá para se aceitar isso quando se enumeram alguns fatores.
O processo foi iniciado e encerrado em 24 horas, o presidente Fernando Lugo teve sua defesa cerceada, a Suprema Corte do país simplesmente arquivou o recurso de Lugo e as justificativas para apeá-lo do cargo, mal comparando, são opiniões de opositores políticos e jornalistas – além de um caso mal explicado onde morreram 11 camponeses em confronto ocorrido na fazenda de um dos principais adversários políticos de Lugo.
Houve claro interesse em demovê-lo de forma relâmpago a fim de impedir uma eventual reação, atropelando prazos e o mais elementar direito de defesa. No momento em que escrevo há diversos protestos de camponeses e apoiadores do governo deposto, mas não me parecem suficientes para reverter o quadro. Até porque a atitude de Lugo foi tíbia, para se dizer o menos – talvez temendo um banho de sangue na capital Assunção.
Adicione-se aí documento vazado pelo Wikileaks onde em 2009 já se afirmava que o “fast impeachment” seria realizado no país, organizado pelo político e general Lino Oviedo – diga-se de passagem com notórias ligações com o crime organizado.
Na prática, Lugo caiu por três motivos, apesar de um governo de um reformismo muito moderado. Primeiro porque, ainda que de forma tímida, vinha buscando enfrentar a estrutura agrária do Paraguai. O país tem 80% das suas terras concentradas em apenas 2% da população, sendo os estancieiros e produtores de soja latifundiários extremamente poderosos – o país é o quarto maior exportador mundial de soja.
O segundo fator, levantado em ótimo artigo no “Blog da Cidadania” – que, aliás, merece uma leitura atenta – é que Lugo havia dificultado a vida de contrabandistas e daqueles que legalizavam carros roubados no Brasil. Vale dizer que o antecessor de Lugo tinha ligações abertas com estes contrabandistas.
Finalizando os motivos, mas não menos importante, a recusa de Lugo em permitir que os Estados Unidos instalassem uma base militar em um aeroporto construído pelo ditador Stroesssner (1954-1989) próximo à fronteira brasileira e então abandonado – mas que propicia uma estrutura importante em torno da qual poderia acabar-se de erguer a base.
Além disso sabe-se que a diplomacia americana vê a “Tríplice Fronteira “ – Brasil, Argentina e Paraguai – como um dos focos do terrorismo islâmico mundial. A região possui uma expressiva colônia árabe e na avaliação dos “falcões” norte americanos estes são financiadores dos grupos terroristas e principalmente anti-israelitas no Oriente Médio – além de centro de treinamento. Um governo “amigo” no Paraguai ajuda na caçada americana a estes supostos terroristas, no mínimo fazendo vista grossa para operações americanas na região.
O golpe de estado no Paraguai deixa, entretanto, algumas lições aos demais países da América Latina.
A primeira delas, exclusiva para nós brasileiros, é que se torna bastante temerário se ter uma base americana próxima da usina de Itaipu. Bastam meia dúzia de “marines” e boa parte do país fica às escuras. O governo brasileiro necessita empreender esforços a fim de evitar a instalação de tal base, ainda mais quando se sabe que a 4ª frota naval americana, do Atlântico Sul, foi reativada e que Washington não ficou nem um pouco satisfeita em ver as companhias americanas alijadas da exploração do petróleo do pré sal brasileiro.
Outra lição é que não dá para se depender de uma base parlamentar frágil como a de Lugo. Na primeira oportunidade o Partido Liberal “mudou de lado” e colocou o presidente na “forca express”. Mesmo com as inúmeras concessões feitas pelo presidente paraguaio aos aliados conservadores, isso somente serviu para que fosse deposto. Ou seja, é uma lição àqueles progressistas mais sectários que criticam a política de alianças do PT brasileiro. Infelizmente, em nosso modelo parlamentar isso é um mal necessário.
Percebe-se também um claro interesse americano de barrar a onda de governos progressistas em especial na América do Sul, em visível aliança com setores conservadores e a grande imprensa destes países. Nos últimos dias viram-se protestos de policiais na Bolívia e greve de caminhoneiros na Argentina, repetindo um quadro que vimos no Brasil em 1964 e especialmente no Chile de Allende em 1973. Em minha avaliação estas greves e protestos tem as digitais da CIA, a agência de inteligência norte-americana.
Evo Morales chegou a acordo com os policiais, mas ficou claro que era uma situação que estava bastante próxima de evoluir para um golpe de estado. Na Argentina percebem-se também movimentos desestabilizadores do governo de Cristina Kirchner.
Mais um ponto que necessita ser observado é a necessidade de uma TV pública forte e a construção de um marco regulatório para a imprensa. A crise paraguaia deixou clara esta necessidade: primeiro porque a TV pública paraguaia – que está sendo desmontada no momento em que escrevo – foi a única a mostrar a indignação da população com o golpe de estado.
Segundo, porque a mídia de países como o Brasil apoiou entusiasticamente a deposição do presidente paraguaio, a ponto de um influente jornalista da maior rede de comunicações brasileira afirmar sem pudores que “desejava uma solução idêntica aqui no Brasil”. Quase caí para trás quando ouvi isso.
Aliás e a propósito, fui muito criticado por ter escrito no Twitter que a oposição brasileira, apoiada pela imprensa, se tiver chance irá tentar algo semelhante. Não acredito em nada via Congresso Nacional, mas lembro aos leitores que em 2006 o Supremo Tribunal Federal, nas pessoas dos Ministros Marco Aurélio Mello (então presidente do TSE) e Gilmar Mendes, buscou declarar a reeleição de Lula como “ilegal” e pensou-se em impedir a sua posse através de uma manobra do órgão.
Isso porque não cito a “dobradinha” que o mesmo Gilmar Mendes fez com o candidato conservador José Serra nas eleições de 2010, com direito a troca de telefonemas pública antes de uma decisão que afetaria diretamente o processo eleitoral. Acredito que não se deve descartar alguma tentativa deste naipe aqui no Brasil.
Concluindo, os governos progressistas da América do Sul devem ter em mente que o espectro de uma solução ao arrepio de eleições, com apoio americano, é bastante plausível a curto e médio prazos, e para tal devem procurar alguma forma de neutralizar este tipo de cenário.
Os “fast golpes”, infelizmente, ao que parece vieram para ficar.
P.S. – A se lamentar, também, como a ideologia de extrema direita de seu Diretor de Jornalismo Ali Kamel destruiu os jornalismos político e econômico da Globo. Hoje se limita a um panfleto partidário conservador e nitidamente demófobo.

5 Replies to “Golpe paraguaio: lições para a América Latina”

  1. Parabéns pedro,
    você ajuda muito a termos uma visão mais critica do mundo e da geopolítica vigente!!
    Agradeço por essa postagem maravilhosa e torcendo para que tenha-se cada vez mais publicações nesse nível!

  2. Sua análise da situação paraguaia foi muita boa e agradeço pq me esclareceu coisas que não sabia. Absurdo mesmo o que acontece por lá. Agora, o Lugo vacilou demais em não ter buscado mais apoio parlamentar sabendo que estaria por um fio no “Fast Impeachment”. Enfim, pq ninguém o apoiou? Outra coisa que gostaria de saber para ter uma opinião definitiva. Onde há fumaça há fogo.

    Na Argentina a Kirchner é mais uma populista, e como todos populistas desagradam diversos setores. Então é natural que haja movimentos desestabilizadores. Em todos países democráticos é assim. Vide os EUA com Obama. Onde há oposição há desestabilização me admira vc um cara tão inteligente não encarar isto como algo até esperado…

    Agora acho que vc dá importância demais ao Gilmar Mendes como agente da oposição…parece até uma piada. Se há algo parecido com a Oposição no Brasil é a oposição do Flamengo…

    E quanto a imprensa, faz favor. O Globo tem o perfil mais conservador. Em todos países democráticos do mundo há imprensa assim. Ele critica, ele dá sua opinião, seu público lê e critica. É natural. É uma empresa jornalistica com uma tendencia. E querer calar isto pq não aguenta ver opinião que seja contra a corrente dita “progressista” é demais para mim. Desculpe.

    1. Vamos lá, henrin:

      1) Acho que a primeira parte do texto explica o “porquê não apoiou”. A base social paraguaia é fraquíssima;

      2) Jogo oposicionista é para ser feito no Congresso, não insuflando agitação para derrubar no grito governos eleitos;

      3) Algum tipo de manobra jurídica pode ser tentada. Não me surpreenderia – mas concordo que as chances foram maiores.

      4) Concordo com tudo isso. O( problema é quando se deixa de informar ou se torcem/omitem/falseiam informações e fatos para atender ás teses fascistas de seu diretor;

      abs

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