Abrindo a semana, após longo interregno temos a volta da coluna “Sobretudo”, assinada pelo publicitário Affonso Romero. No texto de hoje ele faz um bom exercício de racionalização da gestão dentro de campo do Flamengo, que infelizmente não vejo como ocorrer no clube nos próximos 10 ou 20 anos.

Em tempo: lógico que é diferente da vida real, mas no simulador Football Manager a estratégia de apostar em jovens valores revela-se sempre acertada a médio e longo prazo.

O Flamengo e a Ousadia Burra – ou Sonhando o Sonho Certo

O texto do Editor-Chefe postado na última quinta feira sobre o Flamengo me fez atropelar compromissos e sentar para escrever. A princípio, um comentário no post. Foi ficando grande e acabou em coluna. Assim que é bom, porque parece ser a única forma deste articulista apresentar-se para o serviço.

Ainda que – devo logo dizer – seja uma coluna longa que só interessará aos que tiveram na vida o privilégio de serem torcedores do Flamengo [N.do.E.: caro leitor torcedor de outro time: o conceito deste post serve a boa parte das equipes brasileiras]

Bem, andava eu fazendo umas continhas, pesquisando o valor pago nas mais diversas transações do futebol (eu faço estas bobagens pelo simples exercício mental) quando me deparo com uma contundente afirmação do Sr. Michel Levy, soberano das alquebradas finanças rubro-negras a respeito das possibilidades do ex-jogador AAdriano voltar à Gávea: “o Flamengo pode tudo”. 

Verdade, e infelizmente verdade apenas no pior dos sentidos. Num clube em que o Sr. Levy apita alguma coisa, pode acontecer de tudo mesmo. Até esta possibilidade estapafúrdia da volta do AAdriano vir a se tornar realidade, se é que já não se tornou no momento em que estas linhas estiverem no blog.

É impressionante como o Flamengo se supera em fazer negócios ruins, prejudiciais à imagem do clube, sem pé nem cabeça, por puro impulso de jogar dinheiro no lixo. É a ousadia burra, sem perspectivas.

Pensei em outra forma de o Flamengo tudo poder. Ou melhor, poder algo fora do quadradinho da administração do esporte no Brasil. Seria a ousadia do bem, uma proposta de virada na mesa. Poderia pensar em como colocar de pé em três tempos um CT de excelência, em como aproveitar o potencial de mercado da marca Flamengo, em como finalmente construir um estádio próprio e decente, em novas formas de captação de recursos, em regras de governança, em democratização das relações no clube, poderia pensar em muitas e muitas coisas.

Mas tomei um atalho que até hoje eu sempre evitava, o seguinte: a cada vez que alguém se propõe a discutir seriamente a administração esportiva, a gestão, os princípios, vê-se invariavelmente enredado numa discussão paralela que deveria acontecer a posteriori, mas que é o começo e o fim de todo papo sobre futebol – vai contratar quem, quem será o técnico, que craque vestirá a camisa 10? Torcedor, sendo sócio ou não, acaba querendo discutir só isso.

Ok, topo a parada, mas tem que explicar umas coisinhas antes.

Para começar, voltemos àquela pesquisa de mercado. Uma coisa que chama a atenção no valor das transferências no futebol mundial é como os jogadores se valorizam depois de uma faixa etária entre 23 e 25 anos. Deveria ser o contrário, pela lógica esperada de mercado, porque quanto mais novo o atleta, mais tempo de carreira ele tem pela frente. Não faz sentido comprar os direitos de um cara de 30 anos. Acontece que os clubes no mundo todo fazem bobagens parecidas, e uma das principais é avaliar o jogador pelo que ele já jogou no passado (distante ou imediato), e menos pelo potencial que ele demonstrou ter para jogar no futuro.

Com menos história, menos títulos no currículo, menos nome, um atleta por volta dos 21 anos é subvalorizado pelo mercado comprador, principalmente pelos clubes mais ricos da Europa, que ditam as maiores cifras. Portanto, o potencial de valorização a médio prazo de jogadores de até 23 anos (ou um pouco mais, dependendo da posição) é imenso.

Por exemplo: o goleiro mais valorizado do mundo de até 23 anos é o espanhol De Gea, avaliado em R$40 milhões. Um valor astronômico e, ainda assim, bem aquém do preço de cada um dos três goleiros mais caros (Casillas, Neuer e Petr Cech – todos já na fase final da carreira) que custam entre R$62 e 87 milhões. A tendência da percepção do mercado é a de que De Gea se tornará em breve um dos três ou cinco principais goleiros do mundo mas, ainda que isso não se confirme de todo, certamente ele custará mais de R$50 milhões (em valores corrigidos) em breve, uma valorização real de 20% em um ou dois anos. Entre os brasileiros, o mais valorizado dos novatos é Neto, da Fiorentina (R$ 7 milhões), enquanto o agora veterano Victor, do Grêmio, mesmo sem uma carreira europeia vale o dobro.

O mesmo fenômeno se repete para todas as posições. Abaixo, uma tabela comparativa:

Defensores de até 23 anos:
Phil Jones, Manchester Untd – R$44 milhões
Danilo, Porto – R$24 milhões
Coates, Liverpool – R$ 13 milhões

Defensores com mais de 23 anos:
Piqué – R$94 milhões
Vidic – R$85 milhões
Thiago Silva – R$ 80 milhões

Meiocampistas de até 23 anos:
Gareth Bale, Tottenhan – R$87 milhões
Pastore, PSG – R$75 milhões
Thiago Alcântara, Barcelona – R$48 milhões

Meiocampistas com mais de 23 anos:
Iniesta – R$160 milhões
Ribery – R$100 milhões
Snejder – R$94 milhões

Atacantes de até 23 anos:
Thomas Muller – R$85 milhões
Neymar – R$75 milhões
Balotelli – R$75 milhões

Atacantes com mais de 23 anos:
Messi – R$250 milhões
Rooney – R$160 milhões
Aguero – R$120 milhões

Podemos imaginar que uma ou outra promessa possa deixar a desejar no futuro, mas o mais provável é que a performance dos jogadores mais velhos comece antes a sofrer o peso dos anos, mais cedo ou mais tarde, em todos os casos. Ainda assim, o valor de mercado dos jogadores maduros é consistentemente mais alto. Isso só faz sentido para os grandes clubes europeus uma vez que eles têm necessidade de resultados imediatos, estando propensos a assumir o alto custo de descartar jogadores em final de carreira sem compensação pelo investimento anteriormente feito, substituindo-os por jogadores já testados em outros clubes e ligas e com pouca predisposição em arriscar-se com iniciantes, por mais talentosos que sejam.

Por outro lado, este fenômeno também explica por que jogadores de grande talento e potencial saem dos seus clubes de formação nos países periféricos por preços muito inferiores aos observados nas transações internas na Europa. É necessário, antes, vê-los postos à prova em sua capacidade de adaptação e ação sob pressão.

A soma destes dados mostra uma oportunidade de ouro para um clube como o Flamengo. É possível investir em jovens em processo de valorização crescente no mercado latino-americano, alguns até com experiência internacional, objetivando o retorno financeiro em cerca de três ou quatro anos. Claro, o clube não tem dinheiro para a contratação sistemática de jogadores assim. Mas uma vez que trabalhasse com transparência e sob um clima de boa governança e respeito a contratos, uma bolsa de investidores poderia ser atraída.

Vamos pensar em cerca de R$ 250 milhões captados para retorno aos investidores em quatro anos. É possível montar um time inteiro de jovens talentos com altíssimo potencial de valorização. O Flamengo, como dono da maior torcida do Brasil, jogando campeonatos de alta performance e com o time sob constante pressão e visibilidade, é a melhor vitrine nativa imaginável para a valorização destes atletas.

Para começar, o Flamengo teria que contratar um técnico compromissado com um estilo de futebol que combinasse com a imagem do clube e com aquilo que se espera de jogadores talentosos. Ou seja, o compromisso do Flamengo deveria ser treinar e jogar, desde as equipes de base, num estilo próprio, com brilho, velocidade, garra, toque, ofensividade, pressão no campo adversário (seja marcando ou atacando). Há poucos técnicos no mundo com este perfil, a maioria de escola argentina ou holandesa. O melhor exemplo não está disponível para contratação: Pep Guardiola.

Mas há um outro discípulo de Marcelo Bielsa (este mesmo um bom nome) que montou um time com estas características e que poderia fazer história caso dispusesse de mais talentos: Jorge Sampaoli, o argentino que atualmente dirige La U (Chile). Claro que, a cada nome que citarmos aqui, devemos considerar a disponibilidade, e que há opções naturais e semelhantes ao exemplo que estamos usando. Da mesma forma, valerá também para os jogadores.

Bem, o segundo passo é blindar o Departamento de Futebol, dar as condições para a equipe treinar e estar concentrada em suas missões, criar critérios claros de avaliação e premiação por resultados (de preferência, por contrato) e preparar as condições motivadoras para atração e retenção que favoreçam a contratação de jogadores talentosos interessados num projeto de médio prazo, focados no desenvolvimento de suas carreiras e compromissados com este projeto até além de seus ganhos financeiros (apesar de que este seja um item fundamental).

Terceiro: partir para as contratações. Repito que esta é uma lista mais conceitual do que atrelada a nomes “imprescindíveis”. Os nomes são balizadores. Os valores foram todos arredondados para cima, considerando a percepção do mercado de que o Flamengo (ou bolsa de investidores em seu nome) estaria inflacionando um pouco o mercado com seu aporte, e que o simples interesse real em determinado atleta alavanca sua valorização instantaneamente.

O primeiro nome seria o de Dedé, zagueiro do Vasco cotado para o mercado europeu em cerca de até R$ 18 milhões. Uma oferta entre R$ 20 e 25 milhões pode ser irresistível. Nome bastante cotado para Olimpíadas e Copa, tem rentabilidade praticamente garantida para depois de 2014. Eleito o segundo melhor zagueiro das Américas em 2011, viria a se somar a Marcos Gonzalez, eleito à sua frente, formando aquela que seria a melhor zaga das Américas.

Para as laterais, duas jovens revelações que dariam velocidade e fôlego ao time, ambos cotados em R$ 15 milhões: Mário Fernandes, do Grêmio e Alex Sandro, do Porto.

Para a posição de volante, três jogadores com características complementares, todos destacados pela qualidade na saída de jogo: Marcelo Díaz (Un.do Chile, 25 anos, R$ 5 milhões, polivalente, capitão e termômetro da La U de Sampaoli), Casemiro (São Paulo, 20 anos, R$20 milhões) e Fernando (Grêmio, 20 anos, R$10 milhões).

Para a meia, três jogadores versáteis, de intensa movimentação e qualidade no passe, dois deles em idade olímpica: Oscar (Internacional, 20 anos, R$20 milhões) e Giuliano (Dnipro, 22 anos, R$20 milhões). O terceiro seria um jogador para ser a base do time, com mais experiência e liderança, mas ainda em idade para render bem por muitos anos: Hernanes (Lazio, 27 anos) cujo valor no mercado europeu está cotado em R$ 37 milhões, mas para o qual seria obrigatória uma oferta mais vantajosa para a Lazio, na casa dos R$50 milhões.

No ataque, Vagner Love receberia a ajuda de André (Atlético Mineiro, 21 anos, R$15 milhões) e do chileno Eduardo Vargas (22 anos, R$30 milhões) que recentemente trocou a Universidad de Chile pelo Napoli.

Nenhum desses jogadores pertenceria ao Flamengo integralmente. Seus direitos estariam vinculados à bolsa de investimentos, através do clube. A expectativa é que venham por um contrato de 5 anos e que cumpram, em média, entre 3 a 4 anos deste contrato, sendo repassados em seguida ao mercado europeu. Um dos fatores de atração dos jogadores seria exatamente a formação de um supertime, uma grande vitrine vencedora, que jogasse um futebol moderno e competitivo, talentoso e atraente, capaz de impulsionar e marcar suas carreiras.

O clube teria que reverter esta imagem em produtos e em fatores de atração de parceiros, para suportar pagar a folha de salários deste supertime, uma vez que não teria custos de contratação.

Esta estratégia só é válida porque o Flamengo possui, hoje, uma geração emergente com muitas e jovens promessas, mas que precisa de algum tempo para amadurecer e poder substituir estas estrelas em ascensão quando forem revendidas. Por um lado, este projeto tenta garantir uma hegemonia temporária ao clube, tempo para lapidar uma nova geração de atletas e preparar as gerações seguintes. Todas, sistematicamente inseridas num projeto mais amplo de formação de um estilo rubro-negro de jogo, implantado desde a base: um jogo coletivo, rápido, baseado no toque de bola e na habilidade, com velocidade e força de equipe.

Considerando a média do mercado, e a escolha criteriosa de atletas, pode-se projetar um ganho real já reajustado de 50 a 100% do valor investido inicialmente na contratação dos jogadores. A geração de uma força virtuosa pode impulsionar outros projetos administrativos e desatar nós na gestão do clube.

A preparação de uma geração sucessória começa na montagem criteriosa do elenco, que deve priorizar os nomes formados no clube e de baixa idade. Também deve-se manter um elenco enxuto, de modo a dar oportunidades a todos os que estiverem no clube e abrir a possibilidade de empréstimos e novas experiências para os que forem “estourando” idade sem aproveitamento imediato.

Desta forma, completam a equipe Paulo Victor (25 anos), César (20), Welinton (23), Frauches (19), Galhardo (20), Muralha (19), Luis Antônio (19), Thomás (19), Camacho (22), Adryan (17) e Lucas (20), oriundos da base e que formam a estrutura central do Flamengo de daqui a três a quatro anos. A estes, somam-se David Brás (25) e Magal (24), jovens contratados que podem ser aprimorados para os próximos anos. Os experientes Felipe (28), Marcos Gonzalez (32) e Vagner Love (27) somam-se aos contratados Hernanes (27) e Marcelo Díaz (25) formando a espinha dorsal mais madura do time titular.

Os demais jovens do atual elenco voltam para a base, ou para os que já têm mais de 20 anos, emprestados para adquirir rodagem. Os veteranos do atual elenco seriam emprestados, negociados, teriam os contratos rescindidos por acordo ou treinariam à parte até o fim dos contratos.

Difícil montar este projeto? Certamente. Impossível? Não, basta uma mudança de postura e comportamento porque, basicamente, trata-se de ofertar ao mercado uma possibilidade de investimento com alto potencial de ganho futuro, devendo-se ter credibilidade para tal. Mas um clube onde há espaço para os Levys da vida não pode tudo. Pode o AAdriano. Pode só qualquer bobagem.

(Fotos: O Globo e Lance)

2 Replies to “Sobretudo – "O Flamengo e a Ousadia Burra – ou Sonhando o Sonho Certo"”

  1. Concordo em gênero, número e grau! Excelênte perspectiva de um futuro brilhante. Porém, como você BEM disse, com essa gestão atual, na qual temos como líder uma boa moça, com boas intenções, mas incapaz de fazer boas escolhas, até mesmo para quem irá ajudá-la a tornar suas boas intenções em uma realidade, como você também BEM disse sobre o paspalhão (maneira que costumo me referir ao nosso vice de finanças, cujo não gosto nem de pronunciar o nome), não consigo acreditar que essas atitudes são sequer viáveis. É muita gente incompetente, burra e sem credibilidade no mercado junta achando que estão conseguindo enganar a todos.
    Um amigo meu deu-me, numa discução sobre a volta ou não do AAdriano, o melhor ponto de vista em questões de precisão, pelo menos na minha opinião: “Com Joel Santana de treinador e toda esta corja que ronda o nosso Clube, eu sou a favor da contratação do Adrinao. Com a bagunça instalada e a TOTAL ausência de um planejamento para o futebol, a coisa se torna como briga de rua. Se conseguir pegar um paralelepipedo, pega e taca, depois torce para o prejuízo ser o menor possível”.

  2. Excelente. Favor imprimir e enviar para a Gávea, aos cuidados da Patricia Amorim. Mas vai junto, para explicar, porque se ela for ler, não entenderá.

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