Nesta segunda feira, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, disseca tema que eu havia abordado tangencialmente na última quinta feira: o estádio de Porto Alegre para a Copa de 2014.

Todos Gritam e Ninguém Tem Razão – O Estádio de Porto Alegre para a Copa-2014

Reconheço que o assunto desperta pouca atenção para quem não vive aqui no extremo sul, mas ultimamente em Porto Alegre qualquer conversa, debate ou reportagem é monotemática: afinal, onde vai ser jogada a Copa do Mundo em 2014?

Bem antes de escrever aqui para o Ouro de Tolo eu colaborava com um outro blog e lá comentei sobre um jogo da seleção brasileira ainda pelas eliminatórias da Copa, no comecinho de 2009. O tom do artigo lembrava que não fosse pelas frescuras da FIFA, a Copa do Mundo poderia ser jogada no Beira-Rio com poucas alterações.

O Beira-Rio é um estádio todo setorizado, com várias entradas e saídas, bem localizado, com milhares de vagas de estacionamento, um restaurante de categoria, outro mais popular, lugar para umas 50 mil pessoas, cadeiras razoavelmente confortáveis. Precisaria colocar cadeiras aonde não tem, melhorar o setor de imprensa, fazer uma licitação para lanchonetes mais diversificadas, enfim, “dar um tapa no visual”.

Mas isso não serve para a FIFA, claro. As exigências são monstruosas, caríssimas, desproporcionais. O Beira-Rio precisaria ser profundamente remodelado para receber cinco joguinhos entre seleções estrangeiras (o Brasil, como sempre se soube, não jogaria em Porto Alegre). A direção do Inter topou o desafio e meteu a marreta na arquibancada, destruindo parte dos setores. Imaginava custear a reforma vendendo camarotes para torcedores endinheirados, além de passar nos cobres o seu antigo estádio, o Estádios dos Eucaliptos – uma construção que embora acanhada foi sede da Copa de 1950.

O dinheiro não deu nem para a saída. E o Inter começou a correr atrás de parceiras. A construtora Andrade Gutierrez veio até o clube prometendo o Paraíso: tocaria a obra e ficaria com o direito de explorar comercialmente o estádio por alguns anos. Tudo parecia perfeito.

Quem acha que é só no Flamengo que negócios são feitos e anunciados sem que os contratos sejam assinados pode começar a dar o braço a torcer. A direção do Inter, sempre exaltada como exemplo de profissionalismo, comemorou cedo demais. Mais de um ano já se foi e a empreiteira até hoje não assinou o contrato e nem dá sinais de que vá assiná-lo. Ou, pior ainda, sequer tocava no assunto.

Até que um belo sábado Porto Alegre acordou em choque: a misteriosa construtora soltou uma nota oficial acusando o Banrisul, controlado pelo governo estadual, de estar criando dificuldades de liberar o crédito. Pura balela, óbvio, porque o banco só vai emprestar o dinheiro quando a construtora der alguma garantia de que irá honrar o compromisso caso algo dê errado – e a Andrade Gutierrez já deixou claro que não vai afiançar nada além de 20% do total da grana.

Em qualquer outra cidade essa discussão seria pautada por outros critérios, mas em Porto Alegre impera a batalha eterna entre os vermelhos e os azuis.

Ao mesmo tempo em que o Inter iniciava seus preparativos para reformar o Beira-Rio, a poucos metros dali o Grêmio preparava a vingança. Se os colorados teriam um estádio novo, moderno, cheiroso, os tricolores não podiam ficar confinados ao Olímpico – outro ótimo e funcional estádio. E mesmo alijados da Copa, os gremistas decidiram que era hora de construir o seu novo templo.

Livres das amarras das exigências da Copa e sem acesso às verbas públicas concedidas aos proprietários das sedes dos jogos, o Grêmio percorreu outros caminhos, encontrou uma empreiteira que topou bancar a aventura e botou seu bloco na rua. A construção do estádio segue a todo vapor (acima, na foto) e a Grêmio Arena estará prontinha até o final desse ano.

Aí é que a porca começou a torcer o rabo…

Well, se a cidade vai ter um estádio novinho em folha, construído quase que inteiramente dentro do padrão FIFA (sempre falta uma coisinha ou outra, essa gente é insaciável nos seus requintes), por que raios não se joga a Copa lá e se encerra esse assunto?

Confesso que meus quase cinco anos riograndenses ainda não conseguem captar por inteiro a alma gaúcha. Ninguém consegue dar uma resposta convincente a uma pergunta tão singela.

Agora nada mais parece importar.

Os gremistas estão loucos para que se decida transferir a Copa para o seu quintal e submeterem seus rivais à suprema humilhação de terem perdido o privilégio. Os colorados apelam para todos os lados e não se cansam de arrancar declarações das autoridades que reafirmam sempre que podem que não há hipótese de mudança do estádio.

A Zero Hora, principal jornal local, chegou a dar matéria de capa insinuando que a Presidenta Dilma teria pressionado a empreiteira invocando sua condição de “colorada”, da mesma forma que Lula interveio em favor do Itaquerão.  Hã, hã! Alguém imagina alguma semelhança entre Lula e Dilma em matéria futebolística?

Até eu entrei na dança e arregimentei o pequeno núcleo flamenguista da cidade para cerrar fileiras em favor da transferência para a Grêmio Arena, porque não faz sentido prolongar a indefinição de algo para o que se tem uma solução já pronta.

O mais curioso é que os verdadeiros temas que permeiam o imbróglio estão passando ao largo. Querem ver?

a) Por que é tão importante para Porto Alegre receber a Copa? Não me venham com esse papinho do turismo e afins. São cinco joguinhos apenas. Porto Alegre não tem vocação turística, sejamos francos. Quem vier passará uma noite no máximo e vai parar em lugares mais badalados. A chance da cidade lotar de turistas é se Uruguai ou Argentina ficarem sediados aqui, porque dá para vir de carro. Mas os hermanos já passam por aqui todo ano mesmo, não precisa de Copa para isso.

b) Por que o Grêmio quer tanto essa Copa? A par da zoação em cima do rival, é um péssimo negócio receber os jogos do Mundial. Em 2013 o Grêmio já poderá usar seu estádio novo, aumentando seu faturamento. Sediar a Copa demandará mais obras (como eu lembrei, a FIFA é insaciável) e retardará a inauguração da Grêmio Arena – a FIFA só quer estádio estalando de novo, aquelas cadeiras caríssimas precisam estar imaculadas para receber as bundas abençoadas dos senhores turistas – não pega bem contaminá-las com o cheiro de povo.

c) Por que o Inter insiste tanto nesse projeto? Está mais do que na cara que a Andrade Gutierrez pulou fora depois de ter chegado a conclusão de que o negócio é impagável – se é impagável para eles, que são malandros, imagina para um clube de futebol. O Inter tem um estádio que atende perfeitamente os interesses dos seus torcedores. Com os trinta e poucos milhões que já arrecadou com a venda de alguns camarotes e de seu antigo estádio, dá para fazer uma bela reforma no Beira-Rio, colocar cadeiras em todos os setores, tornar o estádio melhor para o seu público cativo. Realizar a Copa é arrumar sarna para se coçar na manutenção do futuro elefante branco e vermelho.

Fica aqui um conselho de um torcedor invejoso, que não tem um estádio para chamar de seu… Gremistas e Colorados, Porto-Alegrenses em geral, mandem a FIFA passear e levar os jogos para Cuiabá, Brasília, Natal, qualquer dessas cidades tão acostumadas à prática do futebol de alto nível e que por certo terão utilidade permanente para seus ricos estádios.

Vamos ficar aqui mesmo jogando Brasileirão, Gaúchão e Libertadores, que é mais negócio para todos. Será que não dá para desconfiar que um jogo entre Costa Rica e Egito não tem um décimo da importância de um Gre-Nal?

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