Neste domingo, o último antes do carnaval, a coluna “Orun Ayé”, do compositor Aloisio Villar traz um pouco dos motivos que nos fazem gostar do desfile das escolas de samba.
Aproveito para dizer que, apesar dos problemas no barracão (mais uma vez), a Portela vem para fazer seu melhor desfile desde 1995. Podem me cobrar.
Motivos para Amar o Samba
Como todos já sabem faltam apenas seis dias para o carnaval. Todo mundo espera o carnaval e por motivos diferentes. Alguns viajam, outros ficam em casa e descansam, pode ir para Salvador pular atrás de um trio elétrico ou ver os bonecos de Olinda. Ficar no Rio e ir aos blocos. 
E tem as pessoas como eu e o dono do blog que são apaixonadas pelas escolas de samba. 
Como nasce o amor? 
É complicado explicar. Eu acho que ao contrário da paixão, que é algo arrebatador e com prazo de validade, o amor chega de mansinho, vai se aconchegando, tomando conta da gente até nos vermos amando. 
Acho que o amor começa de um gostar, de uma empatia, simpatia e se é amor tem boas chances de ser para sempre – caso esse amor seja sempre regado e mútuo. 
Porque não precisa ser necessariamente o amor a uma pessoa para ser mútuo. O amor por uma instituição ou estilo de vida só irá perdurar se lhe der prazer. Tristeza e decepção não combinam com amor. 
Bem, já enrolei bastante: então está na hora de entrar no assunto que não é amor apenas, mas sim amor por escolas de samba. 
Como já contei algumas vezes, no início dos anos 80 passei a prestar atenção no carnaval. Lembro vagamente do noticiário dando conta dos títulos da Beija-Flor em 1983 e Mangueira em 1984. Passei a acompanhar desfiles mesmo em 1985 e daí surgiu meu primeiro encantamento. 
O desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel e seu antológico “Ziriguidum 2001”. 
O samba é maravilhoso, poesia pura e o enredo uma grande ousadia do carnavalesco Fernando Pinto que seria moderno até hoje. Por uns momentos fui Mocidade e até hoje as imagens desse desfile me encantam. 
No ano seguinte curti o desfile da União da Ilha e seu “Assombrações” com Arlindo Rodrigues, mas me impressionou a Beija-Flor com seu “O mundo é uma bola”. 
Faltou a escola dizer que o mundo era uma bola submersa. Componentes com água pelas canelas devido a chuva torrencial levaram a escola com toda a garra. A Beija foi vice campeã, mas não teria sido nenhum assombro se vencesse. 
Mas desse ano também veio um samba que me marcou, o da Mangueira homenageando Dorival Caymmi: “Bahia terra sagrada, de Iemanjá e Iansã, Mangueira super campeã”. 
Aliás, eu como apaixonado por escolas de samba sempre fui mais auditivo que visual e acho que a queda do carnaval começou quando o que vemos passou a ser mais importante do que ouvimos. 
No ano seguinte apesar da beleza de “Tupinicópolis” que a Mocidade e Fernando Pinto colocaram na avenida e a poesia sem rimas de “Raízes” de Martinho da Vila com a Vila Isabel eu me apaixonei pelo “Tititi no Sapoti” da Estácio. 
Esse samba é o tipo de samba que me fez apaixonar por carnaval, assim como “Skindô skindô” do Salgueiro e “E por falar em saudade” da Caprichosos. Sambas irreverentes, com cara de carnaval. 
Também de 1987 vem “E por que não?” do Salgueiro, último samba do genial compositor Didi. Samba bonito com mensagem importante passada em forma de poesia. 
Teve outro samba desse ano que balançou comigo por sua beleza e anos depois, ouvindo com mais maturidade, se tornou o único samba que já me fez chorar: é “Adelaide, a pomba da paz” da Portela. 
Um samba com letra linda e melodia envolvente que coloco junto com “Das maravilhas do mar fez se o esplendor de uma noite” (Portela também, 1981) como os meus dois sambas preferidos. O “Das maravilhas..” tem o mais bonito início de samba que conheço. 
Para quem não sabe esse samba liderou as paradas de sucesso em 1981 sendo líder das AMs e FMs e se apresentando no Globo de Ouro, da TV Globo. 
Era uma coisa tão louca que o samba chegou na avenida nacionalmente conhecido e ocorreu uma grande invasão de pista de populares que queriam acompanhar o desfile da escola e desfilar com ela que prejudicou a Portela. 
Voltando à ordem dos anos, em 1988 aconteceu um grande duelo. Mangueira com o samba que considero um dos mais bonitos de sua história: “100 anos de liberdade, realidade ou ilusão”. E a Vila com sua “Kizomba”. 
Falar o quê de Kizomba? Um desfile tão inesquecível, tão único que as chuvas não permitiram que ocorresse Desfile das Campeãs naquele ano. Kizomba só passou na Sapucaí uma vez. 
1989 já escrevi em uma coluna que foi o ano que não terminou. A Imperatriz com seu maravilhoso “Liberdade, liberdade abre as asas sobre nós”. Escola luxuosa, elegante e com um samba que se tráz controvérsias sobre o que conta é unanimidade em sua beleza. 
Do outro lado uma surpreendente Beija-Flor que veio mendiga, pobre, trazendo os povos da rua, os farrapos, o proibido e censurado. Trouxe o Cristo mendigo que mesmo proibido olhou por nós e quase fez Fernando Pamplona enfartar no desfile das campeãs quando foi descoberto ficando só a cabeça escondida. 
Nesse ano espetacular também tivemos a União da Ilha e sua “Festa Profana” e o samba da Vila que falava que direito era direito e eu acho lindo. 
1990 trouxe a Mocidade com seu “vira virou”. Enredo em homenagem à sua história, carnaval arrebatador com vitória incontestável. 1991 outro grande carnaval da Mocidade com “chuê, chuá as águas vão rolar”, mas nesse ano também tivemos o Salgueiro com seu delicioso samba sobre a rua do Ouvidor, Portela contando como é vaidosa, União da Ilha rendendo tributos ao seu poeta Didi e Melissa Bensson tomando banho apenas de tanga em um carro alegórico da Imperatriz e fazendo os marmanjos sonharem. 
No ano seguinte outra mulher marca em um carro alegórico. 
Luciana Sargentelli com seus pés sangrando na Estácio de Sá vira um simbolismo do Estácio aguerrido vencendo uma favoritíssima Mocidade que buscava seu tricampeonato através do sonho. Acredito eu que o último samba com aquelas características dos anos 80 que me fizeram amar samba-enredo e por ironia do destino a escola acordou do sonho para realidade nesse quesito. 
Em 1993 talvez tenha ocorrido a última e maior manifestação popular para uma escola de samba no desfile [N.do.E.: discordo: em 2004 a reedição de Aquarela Brasileira fez até os gringos se esbaldarem nas arquibancadas]. Quem recebeu foi o Salgueiro e seu “Peguei um Ita no norte”, mais conhecido como “Explode coração, na maior felicidade..” Samba que é tocado até em enterro. 
Era um samba comum no pré carnaval daquele ano e que explodiu no lugar que tem que acontecer: na Sapucaí. 
Eu sempre digo que quando acabou o desfile do Salgueiro naquele ano acabou o carnaval no desfile das escolas. Agora são simplesmente desfiles de escolas de samba. 
E acabou meu processo de amar os desfiles e seus sambas. Ali ele foi concluído e com esse amor adquirido durante oito anos acompanhei os outros anos do carnaval carioca que não tiveram o mesmo brilhantismo desses que citei acima, mas não é porque amamos algo ou alguém que o nosso objeto de amor não tem defeitos. Tem sim e quando amamos eles são superados. 
Tivemos sim grandes momentos de 1993 pra cá, tivemos Madureira de novo sonhando em 1995 (acima), a Viradouro com Joãosinho Trinta impactando com seu carro todo preto em 1997, o homem voando com a Grande Rio nesse século que também teve o inesquecível Agotime com a Beija-Flor e o surgimento do carnavalesco Paulo Barros que trouxe momentos já históricos como o carro do DNA em 2004 e sua comissão de frente em 2010. 
Vivemos a expectativa pro carnaval de 2012 do “Barcelona subindo o Pelô” para ver se o samba da Portela consegue fazer na avenida o que se espera dele e minha expectativa pessoal com o samba da União da Ilha. Meu primeiro pela escola. 
Também existe a expectativa pelas surpresas de Paulo Barros. Ele não é unanimidade entre os amantes do carnaval como o é com as pessoas que não acompanham o samba o ano inteiro. 
Quem está certo? Só o tempo dirá. Joãosinho Trinta também era muito criticado e minha avó que não é do meio colocava relógio pra despertar só para ver a Beija-Flor. 
E como eu disse nos dois últimos parágrafos, tudo tratado como “expectativa”, porque apesar de muitos negarem, a importância dela aquela esquina da Presidente Vargas com a Marquês de Sapucaí ainda conta muito e pode nos reservar grandes e inesquecíveis surpresas. 
E quem sabe algum garoto não se emocione com essas surpresas e não passa por esse processo de surgimento do amor que passei entre 1985 e 1993? Não é difícil se apaixonar por samba. Samba é cultura, é arte e a arte nada mais é que a vida mais feliz.
Orun Ayé!

2 Replies to “Orun Ayé – "Motivos para Amar o Samba"”

  1. Mais uma linda postagem do Villar. E é isso aí, eu comecei aos poucos, vendo pela TV pedaços, depois passei a ver tudo, descobri a Sapucaí, o Grupo de Acesso, o Grupo de Acesso B e, agora, se Deus quiser, estarei pelo segundo ano consecutivo nos cinco dias no Sambódromo.

  2. Grande Pedro Migão, estou presente aqui em nome da familia FLASHOP – ILHA!!!!!!
    Sempre sabio nas palavras…
    Belissimo texto!!!

    Saudações Rubro-negras!!!
    Salve o coração branco e encarnado!

    Rafa!

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