Arrasador. Insofismável.
Se fosse reduzir a poucas palavras este “A Privataria Tucana”, do laureado (três Prêmios Esso, o mais importante do jornalismo brasileiro) Amaury Ribeiro Jr, as palavras seriam estas.
Fruto de dez anos de pesquisas do autor por cartórios, varas de Justiça, bancos e outras diversas fontes, o livro desnuda alguns bastidores das privatizações e mostra como as propinas resultantes do processo foram “lavadas” a fim de entrarem de forma legal – “ma non troppo” – no país.
Além disso, a obra mostra esquemas de lavagem de dinheiro utilizados pelos políticos tucanos – mas não só estes: políticos, empresários e criminosos utilizavam-se dos mesmos estratagemas. E mostra os esquemas de espionagem a aliados e adversários comandado pelo ex-candidato José Serra.
Em um terceiro momento, o autor revela alguns bastidores da última campanha presidencial, onde acabou no meio de um tiroteio envolvendo a campanha tucana e, ao mesmo tempo, uma luta de poder entre dois grupos de petistas – que quase desestabilizou a candidatura de Dilma Roussef e com direito a lamentáveis traições.
Como se não bastasse, ainda mostra a formação dos consórcios de privatização, revela alguns fatos sobre a venda – melhor seria dizer doação – da Vale do Rio Doce, mostra que a filha de José Serra quebrou o sigilo bancário de 60 milhões de brasileiros e explica o porquê da monumental pizza em que se transformou a CPMI do Banestado, produzida tanto por petistas quanto por tucanos.
Como o leitor pode ver somente pela introdução, nitroglicerina pura.
O processo de privatização no Brasil se pautou pela pouca transparência, pelo apoio entusiasmado da mídia – como escrevi em post recente – e pelo “abafa” de todas as tentativas de se investigar o processo. Olivro traz o mérito de jogar luz em muito do que ocorreu, chegando a rastrear algumas propinas pagas neste processo. Sempre cruzando documentos e estabelecendo relações, o autor faz um panorama bastante fiel – e assustador – do que houve no processo.
Como são muitos assuntos tratados, faço abaixo pequeno resumo de cada capítulo.
Capítulo 1 – “A História antes da História”: Amaury conta o episódio onde levou um tiro em investigação sobre o assassinato em massa de menores no entorno de Brasília, o que o levou ao jornalismo político.
Capítulo 2 – “Briga de Foice no PSDB”: a pedido do jornal “Estado de Minas”, onde trabalhava, o autor preparou matéria que mostrava o esquema de “arapongagem” montado por Serra a fim de monitorar e acompanhar todos os passos de Aécio Neves, então governador de Minas e concorrente do governador paulista na postulação tucana à candidatura presidencial.
Tal guerra teve seu ápice em um artigo do Estado de São Paulo intitulado “Pó Pará, Governador”, em clara intimidação ao governador mineiro. Nas investigações a pedido do Estado de Minas (ligado de forma xipófoga a Aécio) Amaury se concentra em operações de lavagem de dinheiro comandadas por Ricardo Sérgio de Oliveira, ligado a Serra, ex-caixa de campanha de Fernando Henrique e um dos personagens centrais do livro. Bem como do genro de Serra.
Capítulo 3 – “Com o Martelo na Mão e Uma Idéia na Cabeça”: introduzindo a questão das privatizações, mostra-se o modelo utilizado – que nas palavras do autor “faria corar Margaret Thatcher”. O capítulo faz um resumo das privatizações e mostra que estavam nos planos também a venda do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e a Petrobras.
Também demonstra-se que muitas vezes o Estado pagou para que empresas fossem vendidas, via empréstimos do BNDES, moedas podres e aumentos de tarifas da ordem de 500% na telefonia e 150% na energia elétrica.
Cita-se o episódio do Banerj, banco estatal do Rio de Janeiro, onde o governador tucano Marcello Alencar – de fama popular sedimentada como corrupto, embora incrivelmente jamais tenha se conseguido provar nada – pagou R$ 3,3 bilhões para vender o banco por R$ 165 milhões.
(Parêntese: foi em 95 que pela única vez fora de um regime ditatorial se fez intervenção em um sindicato por motivos políticos, no caso o dos petroleiros. O autor deste absurdo era o então advogado geral da União e hoje Ministro do STF Gilmar Mendes, o mesmo que concedeu dois habeas corpus a Daniel Dantas em 48 horas. Fecha o parêntese)
Capítulo 4 – “A Grande Lavanderia”: aqui se mostram os paraísos fiscais no Caribe , em especial as Ilhas Virgens Britânicas. Lá ficava a “Citco”, que era um instrumento de lavagem de dinheiro usado por tucanos de alta plumagem, o Presidente da CBF Ricardo Teixeira e Fernandinho Beira Mar, entre outros.

Capítulo 5 – “Aparece o Dinheiro da Propina”: o tomo abre com a CPMI do Banestado, cuja agência em Nova York se tornou a maior lavanderia do mundo – R$ 30 bilhões lavados. A CPI acabou em uma monumental pizza, porque tanto tucanos quanto petistas tinham culpa no cartório e fizeram um “acordão”.

Entretanto, ao ser processado por Ricardo Sérgio, o autor teve acesso aos documentos da CPI e aí conseguiu – de forma totalmente legal – documentos que mostram Ricardo Sérgio recebendo propina por ocasião da privatização da Telemar.

À época ele era diretor da área internacional do Banco do Brasil, mas era caixa de campanha de José Serra e Fernando Henrique Cardoso desde 1990.

Há ainda uma mal explicada história de uma doação feita por Carlos Jereissati – um dos posteriores compradores da Telemar – à campanha ao Senado de Serra em 1994. Ele doou R$ 2 milhões à campanha, mas somente R$ 95 mil apareceram na prestação de contas da campanha.

Outra informação impressionante: a Vale do Rio Doce foi vendida com suas reservas de minério de ferro, que podem abastecer o mundo por quatro séculos, valoradas como zero. Ou seja, a empresa foi privatizada como se não tivesse sequer mais um quilo de minério para extrair do solo.

Os capítulos 6 a 10 mostram de forma detalhada todo o esquema de lavagem de dinheiro utilizado por Ricardo Sérgio e por tucanos de alta plumagem. Chama a atenção a presença constante do primo de Serra, Gregorio Preciado, da filha Verônica e do genro nos esquemas de lavagem de dinheiro, através de diversos métodos.

Preciado também foi beneficiado com empréstimos do Banco do Brasil mesmo estando inadimplente com o banco, e teve uma redução de dívida de 90% concedida pela mesma instituição.

Do 11 ao 13 detalha-se o esquema de espionagem de José Serra – operacionalizado pelo ex-Secretário de Segurança do Rio de Janeiro e ex-deputado federal Marcelo Itagiba – e as empresas “camaleão” utilizadas para internar dinheiro no país. Bem como a quebra do sigilo bancário de 60 milhões de brasileiros feita pela empresa da filha de Serra, em sociedade com a irmã de Daniel Dantas.

Nos três capítulos finais contam-se histórias das eleições de 2010, onde o autor ficou no meio de um tiroteio que envolvia o staff de Serra, a central de espionagem do candidato, a luta política do PT e o controverso episódio de indiciamento do autor – cuja explicação do episódio é bastante convincente, até porque as datas das eventuais quebras simplesmente não batem.

O livro elucida a questão do vazamento de declarações de renda de tucanos da agência de Mauá, feita pela própria estrutura de inteligência do PSDB a fim de incriminar os petistas e colocada na conta do autor. O argumento dele é insofismável: os dados que ele procurava não estavam em declarações de renda, e sua pesquisa abrangia período anterior aos das declarações vazadas.

Lamentável é a postura do presidente nacional do PT, Rui Falcão, que sabota de forma deliberada a campanha a fim de obter mais poder – a ponto de começar a vazar todos os passos da campanha para órgãos de imprensa engajados na campanha do PSDB, como a Veja e a Folha de São Paulo. Em português claro: traidor.

Estes órgãos, a propósito, saem bem chamuscados do livro, pois fica claro que atuavam no staff de Serra e muitas vezes distorciam matérias a fim de atender aos objetivos de campanha.

Resumindo, o livro mostra que a corrupção no Brasil não foi inventada pelo PT, embora haja muitos corruptos no partido. Tem o mérito de mostrar todas as falcatruas ocorridas durante a privatização, confirmando a impressão generalizada de que teria havido um assalto aos cofres da nação – e fazem Mensalão e assemelhados parecerem troco de bala nas Lojas Americanas.

Ainda mostra todos os esquemas de lavagem de dinheiro utilizados especialmente pelos tucanos, mas não somente por eles. E de forma didática, embora seja tema espinhoso, explica como funciona o processo.

Lembro também que Serra sai menor da leitura, pois fica claro que sua conduta para o público externo era uma e a realidade, totalmente diferente.

E algo importante: todos os fatos relatados estão calcados em documentos, obtidos de forma legal e disponíveis ao público. cerca de um terço do livro é de transcrição destes, com algumas descobertas bastante interessantes.

Independente da posição política do leitor, é leitura obrigatória. Nem que seja para desmascarar a hipocrisia de certos políticos e certos órgãos de imprensa que posam de vestais.

Na Saraiva, custa R$ 26,90. Indispensável.

Entretanto, tenho um presente para o leitor deste Ouro de Tolo: irei sortear dois exemplares do livro. Basta deixar nome, cidade e e-mail na área de comentários. Boa sorte!

19 Replies to “Resenha Literária – "A Privataria Tucana"”

  1. Obrigado pela resenha, Pedro.

    Sobre as revelações do livro, não me surpreendem. Aliás, tenho absoluto convencimento que as divergências entre PT e PSDB cingem-se ao campo ideológico, porque no que diz respeito à ética e a retidão, os dois partidos são ignóbeis. Ambos chafurdam em um imenso mar de lama, em maior ou menor grau, dependendo do momento (diga-se, quando se refestelam no poder). E junto com eles, sempre acompanha o grande PMDB, o parasita político por excelência.

    Por isso que, há muitos anos, vem cabendo ao eleitor a inglória missão de escolher a “menos pior” das opções, projetando a vitória do candidato cujo partido irá espoliar em menor grau o erário e visar menos o locupletamento. LAMENTÁVEL.

  2. Já passei da metade do livro, e é impressionante a cara de pau dos que insistem em dizer que é tudo mentira. Corrupção, infelizmente, sempre houve e haverá, de todos os lados e partidos. Mas esta é a mais completa documentação do modus operandi dos subterrâneos do Brasil.

  3. Acho uma certa “coincidência” um livro destes sair de aliado da Dilma/PT às vesperas das eleições municipais de São Paulo.

    Agora, deve-se ouvir a resposta da outra parte para se tomar posição até pq o autor é, digamos, meio suspeito.

  4. A obra de Amaury Jr. não me é estranha, visto A obra de Amaury Jr. não me é estranha, visto que a Revista Carta Capital fez uma bela cobertura mostrando os podres da “Privataria Tucana”, agora trabalhada em profundidade por Jr. Não li a obra, mas tenho certeza que dever ser um excelente trabalho. Enquanto os políticos procuram encobrir a lama, uma imprensa livre e séria encaminha-se para o oposto. O governo petista sabia, no entanto, preferiu jogar um par de cal colaborando com a corrupção e os malfeitores.ue a Revista Carta Capital fez uma bela cobertura mostrando os podres da “Privataria Tucana”, agora trabalhada em profundiade por Jr. ainda não li a obra, mas tenho certeza que dever ser um excelente trabalho. Enquanto os políticos procuram encobrir a lama, uma imprensa livre e séria encaminha-se para o oposto. O governo petista sabia, no entanto, prefeririam jogar um par de cal colaborando como sempre com corrupção.

  5. PT E PSDB, FILHOTES DO NÚCLEO DURO PAULISTA, SÃO IRMÃOS SIAMESES. REPUBLICANOS E DEMOCRATAS PARA OS IANQUES; PSDB E PT PARA OS TUPINIQUINS. PORTANTO, OS DOIS PARTIDOS BRASILEIROS SE MERECEM. É ASSIM, UMA MÃO LAVA A OUTRA SUJA. A CARA DE UM É O CU DO OUTRO.ASSIM FUNCIONA ESTE PAÍS. LULISMO E PETISMO VIRARAM DOENÇAS. PT E PSDB, DOIS PARTIDOS CORRUPTOS

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