O incêndio que destruiu parte considerável das fantasias da Grande Rio, União da Ilha e Portela, reforçou em mim a ideia de que alguma escola de samba deveria fazer um enredo sobre Luz Del Fuego, pioneira do naturismo (a sublime arte de andar nua) no Brasil. Era só aproveitar que as fantasias pegaram fogo e desfilar com três mil componentes praticamente pelados – o que, evidentemente, estaria de acordo com o enredo e sairia baratinho.

Luz del Fuego morreu antes do meu nascimento. Não obstante esse detalhe, é uma referência poderosa do erotismo na minha infância, ao lado de minha paixão por Conga, a mulher gorila (foi para ela, a mulher que se tranformava sensualmente em macaca, que arrisquei pela primeira vez um cinco contra um). O impacto que tive ao saber, lá pelos cinco anos de idade, da existência de uma mulher que passava os dias nuazinha, mudou radicalmente minha vida e redefiniu minhas prioridades.

Penso em Luz del Fuego e lembro que o Rio de Janeiro tem uma praia destinada à saudável prática do naturismo. Todo mundo pelado, eis a regra. Já escrevi alhures que nunca frequentarei tal lugar, e explico com três argumentos. O primeiro deles é que no espaço, perto de Grumari, admitem-se pessoas peladas e pessoas com trajes de banho. Não pode dar certo. O correto é todo mundo peladão e ponto final.
O segundo argumento: a praia em questão chama-se Abricó. O nome é, admitam, inadequado. Não se pode andar impunemente com o báculo exposto num lugar com uma denominação dessas. Parece até aquela velha piada do índio caramuru, da tribo paraguaçu, que gostava de sururu, morava no Alto Xingu e se chamava Papa-có. Nem pensar.
O terceiro argumento é definitivo e dispensa comentários – dizem que tem muito mais homem do que mulher naquelas bandas.
Bom mesmo, para ficar pelado, é a belíssima praia de Tambaba, na Paraíba. É terminantemente proibido usar roupas. A lei que referendou a praia paraibana como espaço para o naturismo estabelece que andar vestido é atentado ao pudor e o camarada pode até ir preso. Concordo. Tambaba só admite a presença de casais, para evitar bichas loucas e tarados que criem problemas, e tem até uma pousada naturista onde os funcionários e funcionárias atendem todo mundo com as bundas de fora.
Mas voltemos ao x do problema. Quem começou com esse negócio de naturismo no Brasil foi mesmo a atriz Dora Vivacqua, mais conhecida como Luz del Fuego. A atriz fundou, no início dos anos 50, o Partido Naturista Brasileiro – que reputo como a mais séria organização política brasileira desde a fundação do Partido Liberal do Império.
Luz morava na Ilha do Sol, pertinho de Paquetá, e gostava de andar nua com uma jibóia imensa enrolada no corpo. Em sua propriedade funcionou o primeiro clube de nudismo do país, o que fazia com que afoitos farofeiros de Paquetá – com o argumento familiar de que queriam conhecer a romântica pedra da Moreninha e tinham se perdido nas águas da Guanabara – tentassem chegar nadando à ilha vizinha para ver o mulherio pelado.
O final de Luz del Fuego foi terrível – morreu assassinada, em 1967, por bandidos que queriam roubar um carregamento de pólvora guardado na ilha. Pouco antes da morte estúpida da fundadora, o Partido Naturista, que chegou a ter quase 60 mil filiados, fora proibido pelo regime militar – numa inequívoca demonstração de que fardas e ternos são, em geral, muito mais indecentes que a nudez.

Assisti, moleque, ao filme Luz del Fuego, em que Lucélia Santos – que eu conheci na novela Escrava Isaura, produzindo o milagre de seduzir a dupla de machões (sic) Rubens de Falco e Edwin Luise – representava a pioneira do naturismo tupiniquim. Lucélia estava, ouso dizer, em surpreendente forma, apesar da atuação dramática superior da escamosa atriz que representava a cobra jibóia, naquela que considero a maior interpretação feminina da história do cinema canarinho. Vou até rever o filme qualquer hora dessas.

Termino esse arrazoado retomando minha sugestão inicial. As escolas de samba estão dando bobeira. “Luz del Fuego, a musa pelada da Ilha do Sol” daria um enredo inovador, barato e com enorme potencial de comunicação com o público.
Evoé!

3 Replies to “UM ENREDO BOM E BARATO: LUZ DEL FUEGO NA SAPUCAÍ”

  1. Siiiiiiimas!!!
    texto sensacional esse seu, a sua cara por sinal … quanto a ideia de virar enredo eu acho superválida só fico meio preocupada quando ao aspecto visual do pessoal da velha-guarda, nao seria um quadro muito bonito … =)
    continuo aqui sempre acompanhando seus textos e esperando pra ver se vc volta para o twitter!!!
    beijos
    sabrina

  2. sou pescador e fico triste cada dia que eu saio para pescar olho e vejo a ilha se acabando.esse e um pais sem memoria.

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