Era para ter escrito isso na semana passada, mas os afazeres não me permitiram que o fizesse.
O leitor mais atento do blog deve ter percebido que mudei o visual durante este ano. Abandonei a barba que cultivava há sete anos e optei por manter a “cara limpa”, como se diz. Depois que raspei a barba venho mantendo-a lisa, mas às vezes deixo crescer cinco, seis dias – particularmente acho um porre ter de fazer a barba todos os dias.
Comprei até uma máquina daquelas de cabelo para auxiliar no processo, mas ainda assim preciso vencer a inércia. É algo muito chato.
Sábado retrasado fui comprar algumas coisas de que necessitava para minha casa e deparei-me com um destes salões de cabeleireiro “unissex” que grassam por aí. Dei sorte: havia quem cortasse meu cabelo e raspasse a barba. Nem sempre neste tipo de estabelecimento há profissionais que façam serviços direcionados ao público masculino, pois o foco é direcionado às mulheres – que, sejamos justos, é uma escolha mais racional pela quantidade de serviços e consequentemente lucros gerados por tal público.
Normalmente, quando há este tipo de profissional voltado aos serviços masculinos na verdade é um cabelereiro “comum” que “quebra um galho” e faz corte masculino. O salão ao lado do trabalho ao qual recorro em emergências é um caso clássico disso que descrevo.
Qual não foi minha surpresa ao ver um senhorzinho, já entrado em anos, para me atender. Pedi que passasse a máquina em meu cabelo, o que ele fez meio a contragosto – fazendo questão de usar a tesoura para fazer  um acabamento esmerado no corte. Até brinquei com ele que ele não devia utilizar muito a máquina.
Mas o surpreendente, então, foi verificar que a barba seria feita “à moda antiga”. Rosto todo preenchido com espuma de barbear – e não estes cremes hidratantes que muitos lugares se utilizam, navalha devidamente utilizada e todo aquele ritual à moda de Noel Rosa e outros malandros e trabalhadores históricos.
Eu tenho o hábito de sempre bater papo com o cabeleireiro ou barbeiro que me atende. No outro estabelecimento que frequento na Ilha do Governador sembre conversava com os dois profisisonais que me atendiam.
Então fiquei sabendo que o barbeiro é uma profissão em extinção. O senhorzinho, do alto de seus 74 anos de idade, me explicou que não há mais interesse em ensinar o ofício aos mais jovens devido ao alto grau de especialização, ao predomínio dos salões “unissex” e devido à perda do hábito dos homens de fazerem a barba fora de casa.
O primeiro motivo é fácil de explicar. Eu paguei R$ 20 pela barba, um valor mais alto que outros locais, onde normalmente cobra-se R$ 15. Mas ao se comparar com o valor do corte – R$ 25 – percebe-se que o retorno é maior, e muitas vezes com um “homem-hora trabalhada” idêntico ou superior. Ao compararmos com um corte ou uma hidratação feminina, que chegam a custar cem, duzentos reais, fica claro o preço relativo inferior da barba para um dado tempo de trabalho.
A segunda razão é reflexo da “generalização” a que assistimos em todos os campos da vida corporativa. É mais valorizado pelo mercado um profissional que faça cabelo, barba, cabelo feminino, escova, “megahair”, hidratação, massagem e outros badulaques associados. Então faz-se o básico, quando se oferece este serviço – a maioria dos salões denominados “unissex” não o faz. Tendo profissionais polivalentes a clientela espera menos e fica mais satisfeita, de acordo com os manuais ‘modernos’ de administração.
Finalizando, as restrições orçamentárias das famílias e o cada vez menor tempo livre disponível levaram os homens a preferirem fazer a barba em casa – é mais barato e mais rápido, embora sem a mesma qualidade. Com isso, a demanda pelo serviço diminui. 
Noto, porém, que com a melhora da economia o mercado para os barbeiros melhorou um pouco nos últimos três, quatro anos – minha percepção quando vou aos estabelecimentos é de que há mais gente procurando o serviço.
Resumindo, o quadro é que cada vez menos homens aprendem a arte da barbearia. Estabelecimentos como o da foto ilustrativa deste post são bem raros – na Ilha do Governador, onde moro, praticamente inexistem.
Ainda há outra questão que o veterano profissional comentou, que é a obrigatoriedade do uso de lâminas descartáveis nas navalhas. Isto é lei por causa do perigo de contágio do vírus HIV, mas a explicação dele é de que há perda de qualidade no serviço, porque a lâmina sempre afiada proporciona um corte mais rente. 
Como não cheguei a pegar o tempo das navalhas típicas, não posso concordar ou discordar da afirmação – mas levando-se em conta que só trabalhando na Ilha ele tem uma década a mais que eu tenho de vida (ele começou em 1965) e que tem 57 anos de experiência, ele deve estar com a razão. Obviamente, o motivo de saúde pública é nobre.
Curioso é que os dois profissionais que ele indicou como bons na área são justamente os que citei mais acima.
Penso que esta possível extinção dos barbeiros é reflexo de um mundo especialmente mais “genérico”, mais “fast-food” e menos especializado. As tradições são muitas vezes abandonadas em nome de duvidosas modernidades. Claro que o progresso é necessário, mas é muito preocupante quando se extinguem coisas que poderiam perfeitamente ser mantidas, ainda que transformadas.
Em tempo: o serviço ficou muito bom. Tenho uma pele sensível e irritadiça, e saí sem um único corte e com o rosto bem mais liso que em outras ocasiões. Pena que o meu sobrinho com meses de vida – não tenho filhos homens – muito provavelmente não terá o prazer de ter uma barba tão bem feita.
Como os dinossauros, os barbeiros estarão extintos.
Uma pena.
P.S. – Em tempo, hoje é dia de São Cosme e São Damião, e de outra tradição que vem se perdendo: a corrida atrás de doces. Escrevi sobre o tema ano passado, e pode ser lido aqui.

2 Replies to “O fim dos Barbeiros”

  1. CARA LEGAL REPORTAGEM, AQUI EM BONSUCESSO AINDA EXISTEM ALGUNS POUCOS, ESTES SENHORES TÃO SIMPÁTICOS QUE A ANOS EXERCEM ESTA PROFISSÃO. LEMBRO, QUE QUANDO ERA PEQUENO, MEU PAI ME LEVAVA PARA CORTAR CABELO NESSES SALÕES, E ERA TRADIÇÃO FREGUESES ANTIGOS QUE COSTUMAVAM FAZER CABELO, BARBA E BIGODE, JA CHEGUEI ATÉ TOMAR UNS PETELECOS NA ORELHA, PORUQ EME MEXIA MUITO, RS!RS!RS!
    VALEU MIGÃO POR MAIS ESTE POST…!!!

  2. Você está perto de mim, eu moro na Ilha.

    E você lembra algo que era verdade, sempre quando meu pai me levava para cortar o cabelo – eu nasci e fui criado em Cascadura – haviam estes fregueses antigos.

    abraço forte

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