Bom, a coluna “Samba de Terça” de hoje retoma o assunto da última coluna, onde tivemos o caso de uma composição que foi totalmente alterada entre a disputa e o desfile. Hoje retomamos o tema, de uma forma ainda mais impressionante dado o fato de não terem havido os percalços que limitaram o tempo do concurso no caso anterior.

A Imperatriz Leopoldinense vivia uma fase onde era odiada pelo povão que gostava de carnaval. A escola fora tricampeã entre 1999 e 2001, com desfiles muito contestados; exatamente no tempo do mandato de seu patrono Luiz Pacheco Drummond como mandatário máximo da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba), entidade que organiza o carnaval e controla, especialmente, o corpo de jurados.

Pois bem: a escola vinha de um título em 99 onde sequer no Desfile das Campeãs deveria figurar. Outro em 2000 onde, para se usar um termo do mundo do samba, foi no “limite do tolerável” – haviam escolas melhores mas não foi absurdo. E um tricampeonato em 2001 onde o desfile foi bastante inferior a outros do citado ano – em especial o antológico “Agotime”, da Beija Flor.

Somando-se os três desfiles, a escola perderia apenas um único ponto no julgamento dos jurados. Ressalte-se que Luiz Pacheco Drummond deu uma entrevista na Quarta Feira de Cinzas do ano anterior dizendo “que seria tricampeão no ano seguinte (2001)”. E foi, com nota máxima em todos os quesitos. Quem viu o desfile sabe que a escola esteve longe de ser perfeita, mas manda quem pode e obedece quem tem juízo…

Além disso, para justificar o injustificável a diretoria da escola criou a lenda do “tecnicamente perfeito”: desfiles frios, visando atender aos ítens do regulamento. Em uma frase clássica, o então diretor de carnaval da escola afirmou que “desfilamos para os jurados, o povo que se dane”. Repercutida, a afirmação gerou ainda mais antipatia à escola, antipatia esta que foi assumida por seus dirigentes.

Obviamente, a escola e seus componentes não tinham culpa dos títulos questionáveis e da arrogância dos seus diretores. Mas foram eles que pagaram.

Desfile de 2002.

A Imperatriz, quinta escola a desfilar na segunda feira de carnaval, aninha-se na cabeceira da pista para iniciar o seu desfile, buscando um tetracampeonato que somente a Portela lograra obter. Só que não contava com o público do Setor 1.

Os diretores da escola começaram a distribuir prospectos com a letra do samba e fardos com bandeiras da escola para as pessoas que assistiam neste setor – um dos únicos onde a presença era majoritariamente de cariocas. Em uma reação espontânea, os prospectos e as bandeiras começaram a ser jogados de volta à pista, além de latas de cerveja e refrigerantes, muitas cheias, em direção aos componentes.

A comissão de frente da escola, com medo dos objetos que voavam em direção à pista correu para se esconder atrás do carro abre-alas. Foi a senha: aumentou a quantidade de bandeiras, prospectos, latas e garrafas atiradas, bem como as vaias e os gritos se intensificaram. A arquibancada vaiava alucinadamente a escola na Armação e gritava em coro:

“Ão ão ão, escola de ladrão!” “Ão ão ão, bando de ladrão!”

As pessoas faziam com as mãos aquele gesto típico indicando roubo, do polegar girando na palma da outra mão. Precisou o filho do patrono da escola ir ao microfone e, no sistema de som, pedir calma às pessoas dizendo que “o desfile é pra vocês”. Mais vaias… Aliás, naquele ano a escola foi vaiada antes mesmo do início da noite de desfiles, quando seu nome foi anunciado no sistema de som do Sambódromo.

O público só se acalmou quando o samba do ano começou a ser tocado. De minha parte posso testemunhar que estava no Setor 1 e foi absolutamente espontâneo o movimento das pessoas. Era como se dissessem: “na cara dura de novo, não”.

O leitor deve estar se perguntando: “o que estes fatos tem a ver com o samba de 2003”? Tudo.

A diretoria da escola, depois dos fatos, decidiu que a Imperatriz deveria ter uma cara mais simpática ao povão. A avaliação era de que o resultado de 2002, terceiro lugar, havia sido impactado não somente pelos protestos como na ressonância na imprensa pré-carnavalesca de toda esta arrogância. Acrescentaria eu o fato de Luiz Pacheco Drummond não estar mais na Presidência da Liesa, embora tirando a campeã Mangueira o resultado dali para baixo não tenha sido nada justo.

Definiu-se o enredo “nem Todo Pirata Tem Perna de Pau, o Olho de Vidro e a Cara de Mau”, da carnavalesca Rosa Magalhães. Nas palavras da sinopse:

Sinopse

“Diz-se que os piratas foram encantados pelo alaranjado do sol, pelo azul do mar e pela virtude das belas mulheres. Por conta disso, sempre viveram errantes, a procura de um porto seguro onde fosse possível encontrar o graal da felicidade só então alcançado através das aventuras pelos oceanos”

Nem todo pirata tem a perna de pau, o olho de vidro e a cara de mau …

” Nenhuma lufada de vento agita as velas do navio, completamente imobilizadas. Silenciosamente uma chalupa se aproxima, pela traseira do grande barco. O chefe faz sinal para os seus homens escalarem a gigantesca embarcação … Em alguns minutos ele se precipita em direção da cabine do capitão… E seus homens conquistam o galeão espanhol… “

Como os grandes bandidos, a pirataria fascina. A ficção cria uma bruma sobre a realidade. No imaginário coletivo, a pirataria é indissociável das ilhas paradisíacas onde repousam tesouros escondidos. Tabernas sórdidas, pernas de pau, abordagens sanguinárias, torturas refinadas, formam todo arsenal da mitologia pirata. Escritores a partir do século XVIII ajudam a criar esta mitologia que transforma em personagens simpáticos, tipos totalmente abomináveis.

O imaginário infantil encanta-se com livros de aventuras como Peter Pan escrito por James Barrie ou ainda A Ilha do tesouro de Robert Louis Steveson, que não só cria os atributos obrigatórios para o perfeito pirata, inclusive a perna de pau e o papagaio no ombro, como também o enche de mistério, de simbolismo e de sonho.

Desde que o mundo é mundo, a pilhagem e o roubo já existiam. Mas a era mais conhecida da pirataria se inicia junto com a exploração do novo mundo, marcando o fim dos mares livres e selvagens. Piratas eram salteadores que atacavam até os navios do próprio país, os corsários tinham seus barcos financiados pelos seus soberanos e com eles dividiam o lucro da pilhagem. O termo flibusteiro tem a mesma conotação, empregado para os saqueadores dos mares das Américas.

Os portugueses e espanhóis dominavam o comércio marítimo. Outras nações com menor poderio naval, como a França, a Inglaterra e a Holanda começam a estimular a pilhagem dessas riquezas extraídas do novo mundo, sobretudo o ouro, o açúcar, o tabaco e as madeiras nobres também não eram desprezadas.

A rainha Elizabeth I, da Inglaterra, Louis XIV de França foram soberanos que apoiaram e estimularam a flibusteria.

O Brasil desde os primórdios de sua formação sofria ataques de corsários e piratas. As madeiras brasileiras, trezentos papagaios, e cinquenta macacos faziam parte de mercadoria listada e pirateada lá pelos idos de 1556 e vendida nos mercados de Londres.

Os franceses, que atacaram desde a América do Norte até a América do Sul, fizeram várias tentativas de conquistar o Rio de Janeiro. Duclere, corsário que invadiu o Rio com o intento de saqueá-lo , não teve sucesso, mas para vingá-lo, surge Duguay Trouin, um corsário apoiado por sua majestade Luis XIV.

Em 1711, 17 navios surgiram na Baia de Guanabara protegidos pela densa cerração. As fortalezas da barra não atiraram e quando deram pela invasão, a cidade já havia sido tomada. Na fortaleza de Santa Cruz, apenas 30 soldados estavam de prontidão e na de São João, nada mais , nada menos que 5 soldados tinham a incumbência de defendê-la. A cidade foi saqueada em suas riquezas. Não escaparam nem os pertences dos cidadãos comuns que tiveram suas casas invadidas e o mobiliário, trajes, utensílios domésticos, tudo levado pelos invasores. Duguay Trouin, ainda exigiu um resgate para sair da cidade O preço pago foi alto 610 mil cruzados, duzentos bois, cem caixas de açúcar , além dos bens pilhados , em torno de doze milhões de cruzados. De volta a França foi nomeado chefe de esquadra e lugar-tenente da armada naval em 1728.

Séculos mais tarde vemos que a pirataria continua a fazer seus estragos pelo mundo afora inclusive, aqui no Brasil. São pirateados cds, livros, tênis, peças do setor automotivo, transportes, remédios, ervas medicinais, componentes eletrônicos, computadores e por incrível que pareça, tal como idos de 1500, a nossa madeira ainda continua sendo extraída e pirateada.

O único personagem que não nos atemoriza é o pirata da perna de pau, do olho de vidro e da cara de mau, que ataca no carnaval, com sua alegria, sem trazer nenhum estrago ou prejuízo; tripulada por mulheres bonitas, sua galera que nos sete mares não tem igual…

Rosa Magalhães”

(Fonte: Galeria do Samba)

Pois é. A disputa do samba foi recheada de polêmicas e a meu ver havia a preocupação clara da escola em adotar um samba mais “alegre” a fim de melhorar a comunicação com o público. Além disso, a escola encerraria os desfiles de 2003 e temia-se que a escola passasse com o Sambódromo às moscas.

Poderia falar sobre a disputa, mas recorro a duas testemunhas oculares do processo, os amigos e torcedores da escola Luis Fernando Júnior e Marcos Paulo Freitas. Embora um pouco longos, reproduzo os depoimentos na íntegra – e o leitor terá uma idéia precisa do que houve naquela ocasião. Lembro apenas que “cair” é o termo utilizado para os sambas que são eliminados do concurso.

O relato de Luis Fernando Jr.:

“Era uma tarde fria de Agosto de 2002. Um dia de festa para muitos Gresilenses: O dia da gravação dos concorrentes é motivo de comemoração para a nação verde e branca.

O enredo? “Nem todo o pirata tem a perna de pau, o olho de vidro e a cara de mau”. Um enredo assinado mais uma vez, por Rosa Magalhães. Caiu no gosto popular (pelo menos dos Gresilenses…. risos). A gravação, como sempre com vários momentos de risos, lendo as “pérolas” criadas por nossos poetinhas de Ramos…

A expectativa era grande… tínhamos a volta de um “medalhão” à ala de compositores da Imperatriz. O nome dele? Darcy do Nascimento! Sucesso na década de 80, com as  vitórias de 1979, 1980 e 1982. O compositor também assina o “excelente” samba de 1998. Naquela tarde fria, quase noite, Darcy e seu samba foram os últimos a se apresentarem no palco de Ramos. Além da volta de um grande medalhão, ele trazia como intérprete do seu samba o consagradíssimo Dominguinhos do Estácio. Era, para muitos, um grande samba que vinha por aí.

Mas, para nossa surpresa, o samba era… digamos assim: estranho! Achamos graça de sua letra um tanto debochada, com melodia estranha. Nem o mostro sagrado do samba Dominguinhos do Estácio conseguira interpretar o samba! Fim de festa, sambas gravados: a sorte estava lançada! … para os compositores e para a nação Leopoldinense.

Uma semana após a gravação dos sambas, começa a disputa na quadra da escola. E, logo de cara a parceria formada por Maninho do Ponto, Renatinho do Sambola e Cia desponta como uma das favoritas para vencer o concurso de samba-enredo na Imperatriz Leopoldinense para o carnaval 2003.

E assim as apresentações, como sempre, muito bem freqüentadas em Ramos foram avançando. Porém, para nosso espanto, o samba do Darcy do Nascimento seguia firme na disputa… Procurávamos sempre uma desculpa para a sua permanência no concurso. Mas, acredito que essas desculpas ocorriam por desespero mesmo (risos)… Ao longo de dois meses de disputa, o samba não se apresentou bem uma única vez. Não entendíamos o porquê desse samba na disputa. A letra era considerada ruim… a melodia não encaixava com a bateria. Enfim… uma catástrofe resumida em forma de samba-enredo. E o pior: considerado por muitos “entendidos” fora das características da Imperatriz.

Os Leopoldinenses temiam esse samba. E, além dessa “pérola”, tínhamos no caminho um outro samba bem ruinzinho, assinado por outro medalhão: Zé Katimba. A “luta” era contra os medalhões e a favor do samba que se apresentava de forma magistral domingo a domingo: Maninho do Ponto e cia. Era quase unanimidade:  um grande samba, de letra envolvente, melodia primorosa.

E a disputa avançando e as “pedras no calo”, Katimba e Darcy não caíam. Ao longo do mês de Setembro de 2002, o desespero era total. Os boatos corriam soltos, dizendo que o samba não era do Darcy, que vinha “importado” de Niterói… Enfim, boatos de todos os lados tentavam “derrubar” o concorrente mais frágil/forte daquela disputa. Até que o concurso em sua semifinal deixa para trás uma das pedras: Zé Katimba. A quadra comemorou!!! Para os torcedores era um alívio: com a queda de um grande medalhão e com uma grande apresentação do samba favoritíssimo, a certeza por uma vitória e um grande samba era quase certa!!

Mas onde estava a outra pedra? (risos)… Na altura do campeonato, não podíamos pensar em derrota: Passamos a considerar a ida do Darcy à final como uma forma de reconhecimento a um grande nome da ala de compositores da Imperatriz Leopoldinense. E assim, saímos da quadra Luiz Pacheco Drumond, festejando a queda do samba do Katimba e a possível vitória do samba do Maninho do Ponto.

Chegando o dia da grande final, festa! Muita festa! O nosso favorito (e o da grande maioria) se apresentou de forma brilhante. A noite parecia que foi feita para aquele samba. Deu tudo certo!!! O samba foi bem interpretado pelo Wander Pires, Mestre Beto mandou ver no comando da bateria, a torcida no tom certo e o nosso papel foi cumprido: apoio a um grande samba do início ao fim.

Para deixar a festa com gosto amargo, o último samba daquela tarde/noite fria de Agosto também foi o último a se apresentar naquela noite fria/estranha de Outubro de 2002. Foi um momento de grande frustração para todos. Ficamos ali, no canto da quadra observando a “passagem” do samba. E um filme passava em nossas cabeças. Uma única pergunta pairava sob nossas mentes: o que esse samba está fazendo aqui?!!! Tensão, medo, raiva… eram os sentimentos mais presentes naquele momento. Tínhamos uma certeza de que o “nosso” samba seria o vencedor… mas, o medo de uma decepção era maior.

Num determinado momento dos seus vinte longos minutos de apresentação, um gesto nos chamou a atenção. A carnavalesca da escola, a brilhante Rosa Magalhães, cantarolava aquele “samba”! Era o início de um desespero sem tamanho! O assunto correu a quadra! Para muitos, era aquele o samba que a carnavalesca queria para contar o seu carnaval!

Após a apresentação (muito ruim, diga-se de passagem) do samba, mais tensão. Como é tradição na escola, Luiz Pacheco Drumond, Wagner de Araújo e Rosa Magalhães se reúnem na sala “do corte” (uma sala da diretoria, onde são decididos os sambas eliminados durante a disputa). Foram talvez os dez, quinze minutos mais longos daquele ano!

Wagner Araújo presidente da agremiação à época, sai da sala com uma cara desanimada… Estava decidido o futuro da escola! Todos se olhavam com aquela sensação de medo… Era quase impossível acreditar no que os nossos olhos mostravam! Como de costume, o diretor de carnaval chama todos os finalistas para o palco para anunciar o resultado da disputa de samba na Imperatriz Leopoldinense no carnaval de 2003. Pela cara descontente do Wagner, percebia-se que algo muito ruim estava para ser anunciado!

E assim foi: Ele pediu desculpas, pediu também que a direção de harmonia entendesse a escolha da escola, pediu a união dos componentes e anunciou: O samba que a Imperatriz levará para avenida no carnaval de 2003 é de autoria de: Darcy do Nascimento, Brandãozinho, Rubens Napoleão e Jorge Rita!

A quadra, que antes tomada pela festa, ficou paralisada! Parecia um funeral! Os únicos a comemorar foram de fato, os compositores campeões! Um deles, o Brandãozinho, jogou-se no palco, onde o barulho foi perceptível (tamanho silêncio na quadra)… Todos com aquelas caras de: “Não acredito no que está acontecendo”… A bateria não tocou… O portão principal da quadra foi aberto… a festa acabou! Não houve comemoração! Componentes, compositores perdedores, torcidas… andando em direção a rua… parecia uma procissão fúnebre!

Um triste final para uma novela tão boa… E assim foi escolhido o famoso: “Vem meu amor, vem me beijar… hoje eu tô que tô e você tá que tá”.

Tamanha frustração com a escolha, houve uma baixa na escola na semana seguinte: Sérgio Professor, que na época era diretor geral de Harmonia pediu dispensa da escola, alegrando que seria impossível fazer Harmonia com um samba daquele…”

Nas palavras de Marcos Paulo Freitas:

“Dia de gravação dos sambas. Primeiro samba a se apresentar, de compositores desconhecidos na escola, surpreende a todos por sua qualidade e beleza. O samba defendido pelo Wander Pires despertou o interesse e a atenção de muitos naquele primeiro dia. Será que vai longe? Alguns se perguntaram.

Época de eliminatória de samba sabe que rola muito tititi, naquele primeiro dia já rolavam vários. Os compositores tri-campeões, Tuninho Professor e Marquinho Lessa, haviam se separado, como ficaria a disputa então com os sempre favoritos agora separados? Diziam também que Darcy do Nascimento estaria de volta e seu samba seria defendido pelo Dominguinhos do Estácio.

As gravações rolavam, e nada do samba se apresentar. No meio do dia, mais tititi. Surgia o boato (nunca se confirmou boato algum em disputa de samba em Ramos, mas o povo não desiste) que já tinha vencedor, que não sabia porque os outros sambas se inscreveriam: Zé Katimba estava de volta e o samba seria dele, como ocorreu em 97.

O samba foi gravado, causando um sentimento estranho, pois não parecia ser muito bom, e várias pessoas ficaram com medo de 97 se repetir. O samba passou a ser o maior temor de muitos naquele ano. Mais sambas sendo gravado e nada do Darcy. Já no finalzinho, sobe ao palco Dominguinhos, as poucas pessoas que resitiram a maratona de gravação desde as 10:00h daquele domingo estavam curiosas para o ouvir o samba da volta do compositor de grandes sambas. Não sei se as pessoas ficaram tristes, surpresas, decepcionadas, só sei que o samba não era nada do que se esperava. A letra era confusa, uma mistureba do enredo e a melodia bem estranha. Todos acharam que não seria ano dele. Mínima chance de vencer.

Com o decorrer da disputa, o samba dos compositores desconhecidos foi crescendo, ganhando adeptos em todos os segmentos da escola. Suas apresentações eram verdadeiras explosões. O tri-campeão Lessa não passou do primeiro corte. Partes mais agressivas de sua lera incomodaram diversas pessoas, e no momento “politicamente correto” que vivemos não dava para ele. (eu curtia muito o samba…. defendido pelo Anderson Paz, tá explicado o corte prematuro – N do E: o puxador em questão tem fama de ‘pé-frio’ pelos vários rebaixamentos de escolas que já defendeu na avenida).

O outro tri-campeão continuava na briga e assustava muitos. O samba não tinha muitos torcedores espontâneos. Dizia-se que levaria. Até que chegou o dia que o samba caiu, a vibração foi grande. A tensão tinha passado. Não seria ele.

Mas o samba do Cubiça de Ouro continuava na briga, ninguém sabia porque. Várias versões para sua permanência, mas ninguém apostava um centavo que seria o vencedor. Todos, menos os compositores, achavam que o samba estava apenas fazendo número.

Chegou o dia da final, e lá estavam o samba de Niltinho Tristeza e cia, apreciado por poucos (eu um deles), o samba de Jeferson Lima e cia, tb com poucos adeptos, o samba Maninho do Ponto e cia – o tal samba que surpreendeu no dia da gravação – que era o preferido de 8 ou 9 em cada 10 pessoas na quadra e o samba de Darcy do Nascimento e cia, fazendo número. A apresentação do primeiro samba citado (não lembro a ordem de apresentação) foi boa, mas sem contagiar. O segundo samba teve problemas de entrosamento com a bateria, passou muito mal. O samba preferido destruiu tudo, foi uma apoteose. Ninguém deu a menor bola para a apresentação do último samba.

Todas as fichas eram apostadas no samba de Maninho do Ponto e cia. Wagner pega o microfone para anunciar o vencedor. Sua cara não era das melhores. Como costume, ele anuncia falavam “A Imperatriz irá para a avenida cantando o samba dos compositores….”

Nessa hora todos esperavam que ele falasse Maninho do Ponto….. Porém para surpresa de todos ele anuncia um nome iniciado com a letra J, Jorge Rita…. Alguns segundos para processar a informação. Que samba era esse?

SILÊNCIO ensurdecedor na quadra. Apenas os compositores comemoravam. Brandãozinho se jogou no palco, com seus muitos quilos, causando um grande estrondo. As pessoas se olhavam sem acreditar no que tinha cabado de acontecer. A bateria rateou para começar a tocar, e tocou apenas meia boca. Todos na quadra se voltaram para o portão de saída e seguiram como se estivessem acompanhando um cortejo fúnebre. A final mais deprimente que presenciei. Muito triste. O que se ouviu depois foram depoimentos de revolta, irritação com a decisão da escola.

O samba foi gravado e no dia da festa dos protótpos, foi apresentado oficialmente para todos, isso menos de uma semana após a escolha. O samba cantado naquele dia não era o mesmo que havia vencido. A letra foi modificada. Trechos do samba foram mudado de posição na letra para que ficasse correta dentro do enredo. Refrão deixou de ser refrão. O que não era refrão virou refrão. Uma beleza!!!”

Meu palpite é que o samba foi escolhido por ter uma melodia “para cima” e com uma alegria que não estava presente nos sambas anteriores da agremiação. Coloco abaixo – com áudio – a letra original e depois a letra que foi para a avenida com as muitas modificações, bem como o samba que era o preferido da quadra – com áudio:

Autores
Darcy do Nascimento, Brandãozinho, Rubens Napoleão e Jorge Rita
Letra Original:
“Cobiça de Ouro
Madeira, Pedra e animais
São faces do primórdio da história
Que a Imperatriz refaz

Nem todo pirata tem a perna de pau
O olho de vidro e a cara de mau

Foi-se o tempo longe está
Pirataria de além-mar
Vejam só a covardia
Parte dessa tirania
Era destinada aos reis (aos reis)
Por corsários portugueses
Holandeses, Franceses, Ingleses
Tudo que era saqueado
Protegido era levado
Ao domínio da nação

(Mas hoje…)

Hoje a coisa ficou preta
Muito preta e com razão
Pirara se queixando de pirata
De terno e gravata na televisão
Pirateando cd até a fé
O comércio e a nação

Mas hoje eu quero ser
Pirata do prazer
Dançando um baile com você
Vem meu amor, vem me beijar
Hoje eu to que que to e você ta que ta
Vem meu amor, vem meu beijar
Beijo escondido pra ninguém clonar”

Versão Oficial:
“Cobiça de ouro
Madeira, pedra e animais
São fases do primórdio da história
Que a Imperatriz refaz
Foi-se o tempo, longe está
Pirataria de além-mar
Vejam só a covardia
Parte dessa tirania
Era destinada aos reis (aos reis)
Franceses, ingleses e holandeses
Tudo era saqueado
Protegido era levado
Ao domínio da nação

Nem todo pirata tem perna de pau,
O olho de vidro e a cara de mau

Hoje a coisa ficou preta
Muito preta e com razão
Pirata se queixando de pirata
De terno e gravata na televisão
Pirateando CD, até a fé
O comércio e a nação
Mas hoje quero ser
Pirata do prazer
Dançando um baile com você

Vem meu amor, vem me beijar
Hoje eu tô que tô , você tá que tá
Vem meu amor, vem me beijar
Beijo escondido pra ninguém clonar”
O samba favorito na disputa e que acabou derrotado:
Névoa sobre o mar…
Um infinito para navegar
Nos livros temidos, tesouros perdidos…
No mastro a caveira, estampa a negra bandeira
Ilhas abordam sonhos, papagaio nos ombros
Olho de vidro, perna de pau
Imperatriz nessa festa, reafirma e contesta:
Nem todo o pirata tem essa cara de mau

Fogo nos canhões, ouro, tentações
Era preciso navegar… atacar!
Espanha e Portugal, riqueza tropical
Fez a cobiça despertar… tem combate no mar!

A Virgem Inglesa, o Sol Francês
As companhias de comércio do Holandês
Incentivavam corsários e invasões
E recompensavam os tais ladrões
Até minha Guanabara foi invadida e a cidade saqueada
A pirataria não cessou naqueles dias
Chega aos atuais…
CDs, livros, tênis, madeira
Mas sem tapa olho e bandeira…
Dos livros e tempos coloniais

Hoje o ataque é no meu carnaval
Nos sete mares não há nada igual
O meu pirata inocente e feliz
E rouba a cena com a Imperatriz”
A escola foi a última a se apresentar, já na manhã de terça feira de carnaval, quatro de março. Apesar do que se temia, o Sambódromo ainda estava razoavelmente cheio, mais ou menos com a mesma lotação que esperou a Portela no dia anterior. No grito de guerra a diretoria da escola (não me lembro exatamente quem foi) deu a ordem: “vamos brincar carnaval!”
A Imperatriz fez um desfile bem mais solto que nos anos anteriores, preocupada em agradar ao público e apagar a péssima imagem do ano anterior. O samba funcionou bem e foi bastante adequado ao cenário bolado pela carnavalesca, com alegorias e fantasias voltadas a aproveitar a luz do dia. Particularmente, gosto do samba, até porque ele me traz boas lembranças do pré-carnaval daquele ano.
Saí da Sapucaí achando que a escola seria vice-campeã, atrás somente da Mangueira – que fez uma apresentação muito acima a de qualquer outra escola. Entretanto, na abertura dos envelopes dos jurados a escola ficou com o quarto lugar, com 395,8 pontos.

Em um resultado tão esquisito quanto o de 1999 a Beija Flor sagrou-se campeã com um desfile que na opinião de todos aqueles que acompanham carnaval não conseguiria sequer retornar para o Sábado das Campeãs. Pois é… ainda mais quando se sabe que o patrono da escola nilopolitana tornara-se vice presidente da Liesa.

Aliás, o período de 1998 a 2006 é muito complicado para a história dos desfiles, com resultados finais sempre bastante questionados e que não refletiam o que se via na avenida. Mas esta é outra história…

3 Replies to “Samba de Terça: "Nem Todo Pirata Tem Perna de Pau, o Olho de Vidro e a Cara de Mau"”

  1. Eu estive na disputa e disse a um amigo, que se este samba não caísse no início ele seria o campeão , pois a Imperatriz optaria por um samba que caísse na boca do povo ,dito e feito .

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