Mais uma quarta feira e mais uma coluna “Formaturas, Batizados e Afins”, do Professor de Biofísica Marcelo Einicker Lamas. O tema de hoje é a nova Lei de Resíduos sancionada pelo Presidente Lula no início deste mês.

Aproveito para acrescentar a informação de que o Rio de Janeiro, hoje, vive um impasse. O aterro sanitário de Gramacho (foto acima) está com sua capacidade esgotada e o novo, que seria em Paciência – próximo a Bangu – está esbarrando em problemas legais. Este é um problema sério e que precisa de ação imediata e urgente.

Outrossim, recomendo aos leitores utilizarem os sacos próprios para lixo, ao invés de reaproveitarem as sacolas plásticas de supermercado. Estas arrebentam muito facilmente e dificultam tanto o trabalho dos garis como depois em uma eventual reciclagem – como já havia escrito anteriormente.

Também deve-se ter cuidado com lixo hospitalar e remédios vencidos, que devem ser descartados à parte.

Passemos ao texto:

O LUXO DO LIXO

Caros amigos,

Com este título, que lembra aquele carnaval antológico da Beija-Flor de Nilópolis (1989), abaixo, vamos abordar a nova política nacional de resíduos sólidos que vem sendo chamada de lei dos rejeitos, ou a “lei do lixo” e que já pode ser considerada uma revolução.

O aumento da expectativa de vida das populações somado a altas taxas de natalidade de algumas regiões do Planeta faz com que já neste ano de 2010 algumas cidades sejam densamente populosas; e que já existam países com mais de 1 bilhão de habitantes, tais como China e Índia. Este aumento da população global implica em necessidade de mais infra-estrutura, mais condições de vida, e na base de tudo, mais alimento e água. A cadeia produtiva que vai desde a obtenção de matérias-primas diversas até a industrialização e mesmo o consumo dos produtos pela população tem em cada uma destas etapas uma característica: a produção de rejeitos, resíduos ou, simplesmente, lixo.

Ao longo dos anos a produção de lixo aumenta assustadoramente, e com isso aumentam os problemas pela falta de políticas públicas que dêem a estes rejeitos a destinação adequada. Todos sabemos bem que a forma mais utilizada pela maioria das cidades é colocar todo o lixo que foi recolhido em locais chamados “lixões”, na maioria das vezes, sem o devido cuidado e em situações de risco não apenas para os moradores das proximidades, como para os catadores de lixo e mesmo o Meio Ambiente. As pessoas muitas vezes não buscaram viver ou construir suas casas nas vizinhanças de um “lixão” ou de um aterro sanitário, mas em algumas situações a falta de planejamento de crescimento das cidades tem levado parte da população mais carente a construir casas ou barracos nestas regiões próximas aos “lixões”.

Com isso passam a viver com o desconforto dos odores desagradáveis que são praticamente constantes; bem como ficam expostos a agentes infecciosos (bactérias, fungos, vírus e protozoários) presentes no próprio lixo ou trazidos até estas moradias por ratos e insetos que sabidamente proliferam nestas condições. Nos lixões, cada vez que um novo caminhão chega para descarregar, é cercado por dezenas de pessoas, inclusive crianças, que reviram o lixo a procura de objetos que podem ter algum valor ou infelizmente, apenas para procurar alimento mesmo. Já existe até uma nova categoria de “profissionais do lixo”, normalmente organizados em associações e que buscam o mínimo de condições para seguirem nesta garimpagem diária que lhes dá o sustento. Dispensável dizer que estes catadores estão sujeitos a toda sorte de doenças que podem ser transmitidas neste ambiente insalubre.

O último e talvez mais importante prejudicado por este destino equivocado do lixo é o Meio Ambiente. Prejudicar o Meio Ambiente implica em prejudicar toda uma região…aquele bairro…aquela Cidade…todos! O lixo amontoado produz gases tóxicos e perigosamente inflamáveis (o metano por exemplo). Também resulta do processo de decomposição do lixo um fluido escuro e fedorento conhecido como “chorume”. Este “chorume” infiltra-se na terra e atinge lençóis freáticos poluindo solo e água, e tornando regiões inteiras estéreis. Por tudo isso já era urgente algum tipo de cuidado maior com os rejeitos.

Como dito no início desta coluna, o maior desenvolvimento das cidades resulta ainda em novas categorias de lixo já chamado, por exemplo, de “lixo tecnológico”. São baterias de telefones celulares, componentes de equipamentos eletrônicos, pilhas, monitores de computador e todo tipo de sucata tecnológica que também acabava jogada nos “lixões”. Baterias e pilhas são particularmente perigosas para o Meio Ambiente e para a saúde das pessoas, pois são constituídas por metais tóxicos como o cádmio, por exemplo.

A mudança de percepção de que lixo é algo inútil e que a gente não tem mais nada a ver com ele depois que o colocamos num saco plástico tem ganhado muita força nos últimos 20 anos, principalmente com o aumento dos programas de reciclagem e o início de coletas seletivas de lixo. Metal, plástico, alumínio, vidro, produtos orgânicos, tudo pode ser reciclado gerando dinheiro e diminuindo o volume e as consequências do descarte casual. O Brasil tem investido muito em reciclagem, não apenas em instalações, mas também na conscientização da população que tem feito muito bem a sua parte e contribuído para que o Brasil chegasse ao posto de líder mundial de reciclagem de latinhas de alumínio e um dos principais países no ranking mundial da reciclagem de maneira geral.

Em 2 de agosto deste ano, o Presidente Lula sancionou a nova lei que passa a regular a política nacional de resíduos sólidos e pediu urgência para que ela seja rapidamente regulamentada. Pelo texto da nova lei, as empresas que produzem devem cuidar de recolher baterias, pilhas, eletrodomésticos, pneus, embalagens de agrotóxicos, enfim, os maiores vilões da questão de descarte de resíduos. A Lei também estabelece novas condições que resguardam os catadores de lixo. Fica também proibida a criação de novos “lixões”, o que impulsiona novas iniciativas para a destinação do lixo produzido nas cidades.

Além da reciclagem de alguns itens como plástico, vidro, pneus, alumínio; e além do aproveitamento de resíduos orgânicos em compostagem para geração de adubo orgânico para as lavouras e jardins, uma nova iniciativa vem crescendo e abrindo novas perspectivas, que é o uso do lixo para obtenção de energia. Energia que se originaria a partir de algo constantemente gerado e que, de alguma forma, representaria o fechamento de um ciclo – da obtenção da matéria prima, até o consumo levando a produção do resíduo que vira energia e movimenta a indústria e as moradias. Na prática é o Princípio de Lavoisier na sua mais nobre demonstração: “Na Natureza nada se perde, nada se cria. Tudo se transforma!”.

Esta tecnologia de utilização do lixo para obtenção de energia começou com o aproveitamento dos gases que são produzidos durante a decomposição do lixo, especificamente em “lixões” e aterros sanitários. Canalizar este gás e disponibiliza-lo para uso já representava um melhor aproveitamento dos resíduos. Mais recentemente, algumas iniciativas – inclusive aqui no Estado do Rio de Janeiro – mostraram ser possível o uso do lixo para geração de energia elétrica. A Usinaverde foi a primeira usina do País a produzir energia elétrica a partir de lixo, que foi concebida por engenheiros da COPPE-UFRJ e CENPES Petrobrás.

O processo de geração de energia por tratamento térmico do lixo compreende duas fases: na primeira, o lixo é separado, já que apenas matéria orgânica e resíduos não-recicláveis (papel e plástico que tiveram contato com matéria orgânica) são encaminhados para incineração. Esses materiais são fragmentados e triturados num moinho, dando forma ao Combustível Derivado dos Resíduos (CDR). Na segunda etapa, o CDR é incinerado a uma temperatura de cerca de 1000 ºC e os gases quentes são aspirados para uma caldeira de recuperação, onde é produzido o vapor que aciona um turbogerador (com potência efetiva de 0,6 MW, por tonelada de lixo tratado). Os gases extraídos da caldeira são neutralizados por um processo de filtragem, e então, lançados na atmosfera. Já os resíduos inertes são arrastados para um decantador e podem ser aproveitados na produção de materiais de construção, por exemplo (mais detalhes aqui).

Já nos moldes da nova Lei, Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro – Comlurb e a Coppe, firmaram na semana passada um acordo que prevê a instalação de uma Usina de Geração de Energia no bairro do Caju, aproveitando a localização da Usina de reciclagem de lixo já ali instalada. De acordo com o pesquisador da Coppe-UFRJ, Luciano Basto, coordenador técnico do projeto, o aproveitamento da produção diária de lixo no Rio de Janeiro (9 mil toneladas) poderá ser convertido em energia elétrica, disponibilizando o equivalente a 500 Megawatts de potência instalada. “É suficiente para abastecer 1,5 milhões de residências, com consumo médio de 200 KWh/mês”, comentou o coordenador.

Todas estas iniciativas de reaproveitamento do que hoje chamamos de lixo apontam para um volume muito menor de rejeitos e para uma melhora no uso dos recursos naturais; visto que do lixo sairá matéria prima reciclada para reabastecer indústrias. Com isso estaremos trabalhando contra o avanço da poluição e muito claramente contribuindo para uma melhor qualidade de vida de nossas futuras gerações.

Até a próxima

Marcelo Einicker Lamas”

(Fotos: O Globo)