Mais uma quarta feira, mais uma edição da coluna “História & Outros Assuntos”, do historiador e publicitário Fabrício Gomes. O tema de hoje são as diferenças.
Confesso que discordo pontualmente de alguns elementos do texto, mas é um bom panorama sobre o assunto.

Aproveito para esclarecer uma dúvida: “Não se vive sem bandeira” foi enredo da Acadêmicos de Santa Cruz em 1997, no Grupo Especial.

Vamos ao texto:
“Aproxima-se mais uma eleição no Brasil. Em outubro estaremos escolhendo nossos “representantes” que ocuparão cargos públicos e que “teoricamente” irão querer melhorar a vida da população, sob pontos-de-vistas pessoais e muitas vezes arraigados a ideologias específicas. Em meio a isso, acirram-se debates e disputas nas novas ferramentas tecnológicas, como o Twitter, por exemplo, onde, desde que ocorra uma saudável troca de idéias, sem cair para o lado pessoal, o debate é muito bem-vindo.
Não se vive sem bandeira. Se não me engano, isso já foi até enredo de escola de samba. Talvez estejamos diante de um quadro bastante pessimista nesse sentido. Atualmente, ideologia não existe mais, exceto em nichos políticos bastante restritos – e que justamente por permanecerem fiéis às bandeiras que escolheram, não obtêm sucesso nas urnas.
“Ideologia, eu quero uma pra viver”. Em fins da década de 1980, Cazuza já cantava o rock e nos passava a mensagem que seria a tônica do despertar da Era de Aquarius. No Brasil, praticamente nas duas décadas seguintes começamos a assistir um deplorável recrudescimento do casamento entre política e ideologia.
Não estou aqui defendendo essa ou aquela bandeira. Como historiador e leitor atento não somente de livros de História, mas também publicações de Ciências Políticas e Sociais, acredito que o Socialismo, que surgiu como teoria de organização econômica e posteriormente transcendeu para o campo da cultura, sociedade e política, foi uma excelente idéia, mas que infelizmente não soube lidar com a realidade do mundo contemporâneo. Por isso mesmo, dentro dessa própria teoria, distintos pensadores – entre os quais, intelectuais como Antonio Gramsci (do lado italiano) e até mesmo polêmicos (e revolucionários) historiadores como Eric Hobsbawm e Edward Palmer Thompson (fundadores da New Left britânica) – surpreendidos e incomodados com o socialismo aplicado por Joseph Stalin e reformistas do marxismo stricto sensu – não que Thompson e Hobsbawm, por exemplo, divergissem do marxismo primário, mas sim, idealizadores de novos conceitos aplicados à idéia original. E mesmo assim, aplicado ao novo cenário da pós-modernidade, o socialismo mostrou ser magnífico somente no âmbito das páginas literárias.
O que não quer dizer que, por outro lado, o capitalismo também seja interpretado como puramente perspicaz no cenário contemporâneo também. Se a idéia original foi boa, certamente precisaria de novas adequações. Infelizmente também não foi bem aplicado e o capitalismo selvagem predominou nas décadas de 1980/1990, trazendo de volta o liberalismo tão criticado em fins da década de 1920. Exemplos de explorações trabalhistas e dependência econômica de países (praticamente falidos) a companhias multinacionais (United Fruit, por exemplo, na America Central), são exemplos da luta selvagem e predatória, nada saudável para o crescimento e desenvolvimento de países terceiro-mundistas.
O surgimento do Estado de terceira via, personificado na ascensão de Tony Blair, em meados da década de 1990 – com o novo trabalhismo britânico, apresentando o modelo para o século XXI, segundo o princípio “trabalho para os que podem trabalhar” e “assistência para os que não podem trabalhar” – e também no novo socialismo francês, em contraposição a viciadas fórmulas conservadoras e ultra-direitistas (ex. Jean-Marie Le Pen, na própria França, e Silvio Berlusconi, na Itália) renovou ares não somente franceses, mas também trouxe um sentimento de resgate do Estado como condutor da sociedade. Um Estado, ao mesmo tempo, “árbitro” e “incentivador” de uma nova práxis para a sociedade, o Estado traduzido num neo-bismarckismo, em alusão ao modelo de Estado pensado por Otto Von Bismarck, na Alemanha (ver IANNI, Octávio. . “Neobismarckismo (Iseb)”. O ciclo da revolução burguesa no Brasil. Rio de. Janeiro, Civilização Brasileira, 1979.).
Certamente que o debate sobre o modelo de posicionamento do Brasil, ante a esses paradigmas é condição sine qua non para a entrada do país no rol dos países mais desenvolvidos no mundo. Entretanto, vislumbro com certo pessimismo o atual cenário de práticas populistas aliadas a um assistencialismo de Estado, com vistas eleitoreiras. Muitos confundem esse modelo ao modelo britânico da terceira via, já citado nesse texto. Por sua vez, também discordo de interesses conservadores aliados a estrategemas visando o enriquecimento estrangeiro em detrimento do sucesso de nossa economia nacional.
O que me assusta é que atualmente no Brasil, não exista esse tipo de debate, principalmente nos meios acadêmicos e midiáticos. No Brasil, discute-se mais “Política” do que “economia”, “cultura” e “sociedade”. Plataformas, acordos, negociatas… partidos que se antes de ascenderem ao olimpo político atacavam o pragmatismo governamental, agora, situados no topo da cadeia governamental, defendem perversas práticas, com a explicação fajuta da “governabilidade”. E isso vem ao encontro do desaparecimento (ou desvalorização?) da ideologia. Se por um lado se ataca a continuidade do “carlismo”, nos rincões baianos, por outro, afaga-se o coronelismo renovado do clã que governa o Maranhão desde 1966.
O que certamente não exime de culpa as práticas políticas exercidas nos governos anteriores. Se há culpados, comprovadamente, que sejam punidos e trazidos à tona, emergindo para que a população aprenda a não repetir velhos erros do passado.
A população, que é em sua grande maioria alienada, passa ao largo de todo esse debate. À população interessa barriga cheia e televisão no quarto. Interessa a possibilidade do país sediar uma Copa do Mundo e Jogos Olímpicos num futuro não muito distante. Interessa pular carnaval todos os anos, ver mulher pelada e suada. Interessa esquecer da realidade, abdicada mesmo que momentaneamente, num sonho de carnaval. A existência desse traço característico, do brasileiro visto como homem cordial é inerente a este ou a alguns governos anteriores. Não, eles não são culpados pelo aparecimento deste brasileiro. São culpados sim, pela predominância deste modelo ultrapassado, que é vazio de cidadania e de consciência – política, econômica e social.
Em 18 de junho deste ano, morreu José Saramago, escritor português e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1998. Infelizmente foi conhecido por grande parte da população brasileira no momento de sua morte. Muitos livros seus devem ter sido vendidos no momento de seu enterro. Outros serão vendidos ao longo da semana, até o obituário das revistas semanais lembrarem sua morte. Depois disso, será relegado novamente ao jazigo perpétuo do esquecimento brasileiro. Enquanto isso, será mais precioso ter uma TV de ultima geração em casa, o Playstation da moda, ao invés da consciência do investimento educacional a médio-longo prazo, visando formar futuros cidadãos. A promessa do voto subverte qualquer planejamento visando o desenvolvimento de capital intelectual.
Em meio a isso, infelizmente observamos uma certa irracionalidade daqueles que, na falta de argumentos e de respeito às opiniões alheias, preferem incorrer no caminho inverso da radicalidade: “se não concorda comigo, não presta”. “Se é contra meu pensamento, é errado”. Se falta ideologia, sobra intolerância.  E o resultado disso é a constatação pessimista de que, se hoje alguns ainda questionam e estão inconformados com o quadro de alienação em que vive o brasileiro, em algumas gerações será inexistente esse tipo de debate.
Afinal, “ser diferente” não é apenas normal. É saudável.”

2 Replies to “História & Outros Assuntos: "Ser diferente não é apenas normal. É saudável."”

  1. Você deixou claro que discorda de alguns pontos. Mas adorei o texto. Barriga cheia sim. Mas o que precisamos é “trabalho para os que podem trabalhar” e “assistência para os que não podem trabalhar”.

    Se ficarmos só na assistência, sem abrir uma porta de saída, o risco é não ter mais de onde tirar dinheiro para a assistência.

    P.S. – Mando texto para a Petrobrás ou o Gmail?

  2. Bruno, eu já escrevi isso aqui uma vez no blog, mas acho que o farei novamente: o Bolsa Família tem um efeito indutor na economia. O valor do benefício estimula um pequeno comércio, uma pequena indústria, que emprega quem recebia o benefício e o recoloca no mercado de consumo de massas. Vi isso muito claramente quando de minha última visita à Bahia.

    A grande sacada do governo atual foi essa, a formação de um mercado interno de massa.

    Quanto ao texto, manda para os dois endereços, por favor. Quem vai gostar dele é o neto do Brizola, pode apostar…

    abs

Comments are closed.