Vez por outra recebo uns emails com exortações políticas, convocações para atos públicos, denúncias e quejandos. Não raro algum aluno pede que eu escreva nesse espaço sobre as eleições presidenciais, a política externa brasileira, o efeito estufa, a situação no Oriente Médio, o projeto ficha limpa, a pedofilia de padres católicos e outros balacobacos do gênero. Aviso aos navegantes: estou de altos em relação a esses assuntos sérios.
Acho, inclusive,  que estar de altos é uma das maiores invenções da diplomacia em todos os tempos e deveria constar como cláusula pétrea da Declaração dos Direitos do Homem.

Pausa para não desandar a maionese: a geração mais nova talvez nem saiba exatamente o que é  isso. Explico no próximo parágrafo.

Várias brincadeiras do meu tempo de calças curtas envolviam algum tipo de perseguição entre os participantes: pique-pega, pique-tá, polícia e ladrão, esqueleto humano, pique-esconde e pique-bandeira. No pique-pega, por exemplo, fulano era responsável por correr atrás dos outros com o intuito de pegar uma vítima. O pedro bó que fosse alcançado trocava de função com quem o tocou e passava a correr feito doido até, por sua vez, pegar alguém. É nesse contexto que o altos aparece.
Pedir altos nada mais é que levantar a mão fazendo o V da vitória e anunciar, dessa forma, que durante a vigência do altos ninguém pode te pegar. O V, inclusive, foi o gesto consagrado por Winston Churchill para comemorar o fim da guerra e a vitória dos aliados.  É o momento de andar, respirar, descansar da correria, beber água, sossegar da guerra…  O altos está para as folganças infantis como o cessar fogo para os conflitos militares. Ao sair do altos, com a bateria recarregada, é hora de continuar a brincadeira.

Vez por outra rolava a polêmica. Sempre havia algum cara de pau que dava o migué de pedir altos no exato momento de ser pego [eu mesmo cansei de fazer isso e cansei de ser a vítima da malandragem]. Começava, então, a quizumba:

Altos!!
– Que??? Não vale!
– Vale!
– Eu te toquei antes!
– Não tocou. Eu pedi altos primeiro…
Como a galera, nesses tempos virtuais, quase não tem espaço para brincar de pique e anda mais interessada em jogos de computador e contatos via orkut, msn, facebook, twitter e que tais, a diplomacia do altos está meio fora de moda. Mas voltemos às vacas frias dos temas sérios e a minha relutância em falar deles.
Eu até que andei pensando dia desses em escrever sobre as eleições e a disputa entre o PT e o PSDB. Concluí, inclusive,  que as divergências entre os dois partidos têm uma explicação óbvia: eles reproduzem – sem a gentileza, a poesia e as danças do embate –  o enfrentamento dramático dos autos de Natal dos antigos pastoris, entre o cordão encarnado e o cordão azul. Resultado: entrei de altos, desisti do texto, abri uma gelada, botei na vitrola meu LP da Marcus Pereira com cantigas do Pastoril e da Lapinha e deixei os dois partidos políticos – por enquanto – pra lá.
Acho, por exemplo, que a Copa do Mundo é um belo período para ficar de altos em relação a qualquer assunto que não seja o torneio. Nessas épocas eu prefiro não ler nem escrever nada que não se refira ao futebol e evito ao máximo me comunicar com quem não conhece a lei do impedimento.
Estar de altos, enfim, é como ficar de flozô: é direito inalienável e imprescritível do homem ignorar, no pique-pega desse mundo doido, as seriedades da vida e os homens aborrecidos.
Abraços!!

8 Replies to “ESTOU DE ALTOS !!”

  1. Legal Simas!
    Aqui na Saúde e creio que em toda Zona Portuária, o “altos” era praticado colocando-se em um plano superior em relação ao oponente: colocando-se em cima de um banco de praça,em um degrau, dependurar-se numa árvore, etc.

  2. Certo, certissimo, melhor ficar de ALTO não só no periodo da Copa mais sobe politica também, quem é teu amigo e te conhece sabe muito bem a tua origem.

  3. tá vendo. por causa desses malanrinhos infelizes é que eu sempre lançava a regra: ficar de altos somente quando a mãe chama ou tá com vontade de ir no banheiro. caiu, se estabalhacou lindamente, está com o intesnito pra fora e agonizando, o problema é seu. te peguei safado !

    de acordo. estou de altos com política e copa do mundo.

  4. Curiosos: eu conheci como “Altas”. “Tô de altas”, dizia, com o mesmo gesto do V. Usava muito com o “Hoje-não”, brincadeira pérola da fraternidade, companheirismo, boa convivência.

  5. Simas
    Você me trouxe uma lembrança fantástica. Confesso que altos já estava apagado em minha cabeça. Valeu.
    Paulo Sergio
    PS:Cheguei a seu blog através do Zé Sergio de quem sou amigo e fiel leitor.

  6. Olha.. qdo eu era criança, diziamos: dois alto! :P Acho que o dois pra simbolizar este gesto com a mão. E até hj, qdo qremos mudar uma conversa, pq não brincamos mais infelizmente, dizemos: “dois alto” :P

    Gostei de ler o texto. ;) Vou ver se leio outras publicações depois. ;)

  7. Acabei de adquirir um colar (encomendado) com os dizeres “Tô de altos”.
    Ontem tive longa conversa sobre isso com amigo que não sabia o que era. Aí venho procurar alguma explicação p mandar p ele e… encontro seu texto, q não tinha lido na época.
    :)

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