Esqueçam o Tubarão [Jaws] de Steven Spielberg. O maior clássico praiano da história do cinema, verdadeiramente assustador, é brasileiro: Bacalhau [Bacs]. Quem não viu esse filmaço de Adriano Stuart – o mesmo diretor do sensível Kung Fu contra as bonecas – não sabe o que está perdendo.
A trama parece simples: uma pacata cidade do litoral paulista é assombrada por um monstro marinho, de proporções gigantescas, que devora os banhistas com requintes de crueldade e assusta mulheres seminuas e gostosas . Quem será?
Um oceanógrafo português descobre que se trata do Bacalhau da Guiné, a fera mais temida dos sete mares. Começa, então, a epopéia para liquidar o peixe assassino. Para atrair o monstro e amolecer seus instintos homicidas, os pescadores usam como iscas pedaços de discos de Amália Rodrigues.

A simplicidade do roteiro é aparente. Uma visão crítica mais atenta mostra que Bac´s bebe em duas fontes: A Bíblia e Os Lusíadas.  A luta entre o oceanógrafo e o bacalhau se descortina como uma metáfora do embate entre o homem e a natureza, redimensionando a tensão que aproxima e repele os instintos de Eros e Tânatos e permeia toda criação artística – feito o Leviatã das escrituras e o Gigante Adamastor do épico de Camões. 

O cinema, em Bacs, nos desafia, cumprindo a função inquietante da arte: todos nós pescamos os bacalhaus que nadam em mares turbulentos [almas oceânicamente inquietas]. Personas de um fado lusitano, somos homens, bacalhaus ou iscas de nossa própria pescaria-existência ?
Além da sofisticação do embate metafísico, o filme se destaca também pelos seus efeitos especiais. Se o próprio diretor não revelasse que o bacalhau é de mentirinha, feito em fibra de vidro, aposto que todos acreditariam na existência do monstro, apesar dos cabos de aço visíveis que movimentam o bicho. 
Há um único senão, que não chega a comprometer a veracidade da coisa e é percebido apenas pelo espectador mais atento: na calda do peixe está escrito made in Ribeirão Preto. 
O elenco cumpre bem o seu papel. Maurício do Valle, Hélio Souto e Dionisio Azevedo encontraram o tom certo entre o medo e o desejo de enfrentar o bicho. A musa Helena Ramos tem, mais uma vez, uma atuação digna de produzir calos nas mãos de cinéfilos de várias gerações. Todos sabem, porém,  que a grande estrela do filme é mesmo o Bacalhau da Guiné e não tentam brilhar mais do que o peixe. Ponto para o diretor.

Como se trata de um clássico do suspense, esse crítico não vai revelar o final. Deixo apenas a dica, com gostinho de quero mais: o fã de Amália Rodrigues acaba, depois de pescado, servido à população em um banquete monumental. Quem disse, porém, que a fera morreu? A última cena, surpreendente e de assombrosa veracidade, é de deixar a famosa sequência do assassinato no chuveiro de Psicose parecer um conto de fadas da Disney. Não percam.

Fiquem com a sensacional e apavorante imagem do encontro da primeira vítima da fera marinha:

One Reply to “BACALHAU – O FILME”

  1. Realmente apavorante a história do bacalhau. Ainda mais que é a primeira que vejo cabeça de bacalhau. Tive que tirar as crianças da sala. Não sei o que impressiona mais: o bicho ou a bicha! No aguardo de outros filmes como este que dignificam a sétima arte!

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