Hoje, primeiro de abril, comemora-se o aniversário da entrada do país em uma era de trevas e autoritarismo: o Golpe Militar de 1964.
O golpe foi dado pelos comandos militares para depor o Presidente João Goulart, que vinha tentando empreender uma política extremamente moderada de concessões a classe trabalhadora e de reformas de base – que sequer teriam o alcance desejado. Que fique claro, para começo de conversa: Jango não era comunista e não chegava nem perto de ser um.
Além disso, no contexto de Guerra Fria governos reformistas mesmo que moderados não detinham a simpatia dos Estados Unidos, que desejavam que os países da América do Sul mantivessem uma política incondicional de alinhamento. Isto incluía tratamento privilegiado às grandes empresas norte americanas, com regimes tributários especiais e condições favorecidas de competição.
Desaguando, uma elite personificada na UDN que não conseguia conquistar o poder no voto e que via com horror a possibilidade dos mais pobres passarem a fazer supermercado todo mês e se organizar a fim de obter melhores condições de trabalho e influir na vida política da nação. Aliás, ainda hoje, há políticos do DEM e do PSDB que tem ânsia de vômito ao ver os menos favorecidos fazendo compras em mercado ou em grandes lojas de eletrodomésticos…
Tínhamos adicionalmente uma imprensa em campanha aberta contra o governo e com intenções claramente golpistas. Esta insuflou as classes médias mais conservadoras, em especial de São Paulo, que saía em “Marchas pela Democracia e pela Liberdade” pelas ruas das grandes cidades. Como a história mostraria, não passaram de massa de manobra de políticos e jornalistas sem voto, pois tudo o que menos houve nos vinte e um anos seguintes foram liberdade e democracia no sentido estrito dos termos. Só tiveram a liberdade de oprimir o trabalhador e a democracia de concordar com os poderosos.
Completando o quadro, uma questão militar envolvendo infiltrados em associações de baixa patente – o infame “Cabo Anselmo” era um deles – e pouca habilidade política de Jango em lidar com a questão.
Minha visão foi de que a UDN utilizou-se dos militares para dar o golpe – após a criação de todas as condicionantes descritas acima – pois não tinha votos para derrotar Juscelino Kubitschek nas eleições marcadas para 1965. Entretanto, os militares gostaram da brincadeira e apearam pouco a pouco esta elite política do poder, a ponto de o país funcionar por um certo período praticamente sem políticos após o “golpe dentro do golpe” representado pelo AI-5.
Primeiro de Abril, muito apropriadamente o Dia da Mentira, marca o aniversário desta interrupção da ordem democrática e popular no Brasil. Não deixa de ser uma coincidência bastante adequada.
Trazendo para os dias de hoje, vejo uma conjuntura muito semelhante: políticos que sempre mandaram sem votos para retomar o poder, a grande imprensa com uma atuação abertamente golpista, um governo moderadamente reformista, a classe média conservadora horrorizada em ver os mais pobres tendo condições de consumir, o Judiciário nas mãos da oposição político-partidária e um Congresso absolutamente desmoralizado.
Há duas grandes diferenças: não há tensões significativas no meio militar e Lula tem uma habilidade política muito superior a de Jango. Entretanto, dependendo do resultado das eleições de outubro eu não me surpreenderia com outra quebra da normalidade democrática brasileira.
Para encerrar, vale lembrar a herança destes vinte e um anos de arbítrio: tortura, repressão, corrupção, o surgimento dos “esquadrões da morte”, decadência da situação econômica, concentração de renda, endividamento brutal externo, uma anistia feita apenas para o lado dos vencedores e a perpetuação de práticas políticas clientelistas e atrasadas. É lembrar para que não se repita.
Como um “post scriptum”, vale lembrar a figura do ex-presidente João Goulart, talvez um dos poucos perseguidos do Regime Militar que até hoje não mereceu a devida anistia nem o reconhecimento como o que foi: um ex-presidente que tentou dar seguimento à política de Getúlio em consições geopolíticas absolutamente adversas.

3 Replies to “Golpe Militar de 1964”

  1. Otimo texto ! Temos sempre que recordar e mostrar para as novas gerações, para que não se repita nunca mais.

    ab Luiz

  2. Uma pena essa data tão importante pra valorização da democracia no país ser praticamente esquecida. Uma pena um portal brasileiro usar o dia da mentira pra falar do Bial e deixar passar um tema como esse.
    Este ano tem eleição e lamentavelmente a maioria dos eleitores prefere dizer que é ano de copa.

    ps: ao mesmo tempo,imagino que o Lula e Zé Dirceu que viveram aquilo tudo não imaginariam estar com suas imagens tão arranhadas pelas corrupção estando eles no poder pelo tão sonhado voto direto.

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