Experiência doída mas interessante essa de voltar a acompanhar os desfiles das escolas de samba apenas pela televisão. Não sem ajuda dos grupos de mensagens instantâneas, trocando impressões e sensações com a Sapucaí online.

Ainda que, de longe, a gente não sinta aquela energia das baterias passando perto, a impressão final não divergiu muito daquela de quem estava lá – e entende do riscado.

Bem, desde que a Série A ganhou esse nome e que o desfile voltou a ser em dois dias – depois de uma experiência assim nos anos 90 – a sexta-feira sempre foi o terror das escolas do Acesso. Ninguém jamais conquistou o título desfilando na primeira noite e a tendência é que esse tabu se mantenha.

Por diferentes motivos. A chuva, sem dúvida, o principal. Mas não o único. O sorteio também deixou algumas forças do grupo concentradas no sábado. É só puxar pelo histórico recente. Das escolas que estiveram no Grupo Especial há pouco tempo apenas a Inocentes de Belford Roxo desfilou na sexta. Das escolas que estão sempre na briga pelo título apenas a Unidos de Padre Miguel. Isso com um detalhe importante. A sexta teve uma agremiação a mais!

A Unidos da Ponte fez uma abertura mais do que digna, dadas as condições da pista e, claro, as condições gerais (ou falta delas) dos barracões dessas escolas. Contribuíram o samba forte e o enredo fácil. A Alegria estava visivelmente prejudicada na parte plástica e tentou compensar na garra. O samba funcionou, a bateria também mas os excessivos percalços da apresentação a colocam numa situação perigosa. A Rocinha decepcionou. Um desfile confuso em vários aspectos, dos plásticos aos técnicos, passando por samba e enredo que não pegaram. Corre riscos.

A Santa Cruz emocionou com Ruth de Souza mas cometeu muitos erros. Foi uma das escolas que estouraram o tempo. Mas não apenas isso. Três dos quatro carros tiveram problemas e geraram uma evolução travada. Não parece ser neste ano que a escola voltará a posições de destaque no grupo.

Sempre cercada de grande expectativa e sempre favorita a Unidos de Padre Miguel voltou a esbarrar em seus próprios erros. Optou por um visual mais leve. E ainda que isso possa ter gerado estranhamento em alguns, acostumados à grandiosidade da escola, achei um fator positivo. Mais solta, mais leve, um enredo bem desenvolvido. Porém, com visível “freio de mão puxado” no que diz respeito ao investimento. E estourando o tempo em três minutos. Não houve arrebatamento e, ainda por cima, a apresentação ficou marcada por escorregões que devem manter a UPM mais um ano na Série A.

A Inocentes, com um dos enredos mais interessantes do ano e um samba que me agradava (mas nem de longe era unanimidade), começou muito bem. Foi, entretanto, uma apresentação irregular. Com visível queda plástica do meio pro fim. E (ressaltando, à distância) aparentando não ter o mesmo canto forte da Unidos, que a precedeu.

Fechando a noite, sem pretensões além de se manter no grupo, a Acadêmicos do Sossego parece ter cumprido bem essa missão. Nada além.

Diante desse quadro, o desfile da sexta-feira deixou as escolas de sábado bem à vontade para ir com tudo em busca do título ou da salvação.

Algo que a Unidos de Bangu fez. Ainda que tenha tido problemas em algumas alegorias e um enredo não tão empolgante, a vermelho e branco desfilou com confiança e seria uma zebra ver um rebaixamento inesperado. A Renascer foi além disso. Com um visual até meio retrô, sem querer ir além de suas possibilidades, cantou e evoluiu bem, contando uma história de fácil leitura e instantânea identificação. Embalada novamente por um bom samba e competente bateria fez uma apresentação segura.

A partir daí o nível subiu. E muito. A Estácio de Sá mostrou toda sua grandeza numa apresentação digna de postulante ao campeonato. O enredo cresceu, o samba cresceu, a bateria se apresentou muito bem, a escola teve chão e foi, plasticamente, muito competente. Saiu da avenida com pinta de campeã.

Mas foi seguida por grandes apresentações. A Porto da Pedra tem garantido momentos de muita alegria e leveza nos últimos anos. Jaime Cezário tem nos brindado com apresentações como Carequinha, Marchinhas, Rainhas do Rádio…não foi diferente com Antônio Pitanga. Um Tigre solto, feliz, identificado com seu homenageado. Muito bom o desfile da turma de São Gonçalo. Talvez um degrauzinho abaixo da Estácio em alguns quesitos como fantasia e alegorias. Mas, de qualquer modo, uma apresentação para manter a Porto da Pedra nessa curva ascendente rumo ao sonhado retorno ao Grupo Especial.

O Império da Tijuca foi outra escola que esteve muito bem no sábado da Série A. A meu ver com alguns problemas no desenvolvimento de um enredo que não se encontrou muito na proposta. Jorge Caribé, demissionário ainda no estúdio Globeleza, cumpriu seu papel de pesquisador e conhecedor profundo da cultura afro ao incluir a escravidão e a negritude no ciclo do café.

Mas, assim como acontece com o samba da escola, a necessidade de louvar o agronegócio e as cidades do Vale do Paraíba acabaram por criar um desvio narrativo que prejudicou o terço final da excelente apresentação. Sim, a rapaziada da Formiga fez o melhor desfile do Império dos últimos três anos, no barato. Na frieza dos números não descartaria uma ótima colocação – eventualmente até beliscar o campeonato.

No entanto, a meu ver, o desfile do ano na Série A foi o que encerrou as duas noites. Se no ano passado o trabalho de Leonardo Bora e Gabriel Haddad já merecia ser coberto de louvores – com a homenagem a Artur Bispo do Rosário – o Carnaval 2019 mostrou dois artistas seguros e amadurecidos. Com mais recursos não perderam a sua essência de basear o trabalho alegórico e de fantasias na arte popular. Fantasias e alegorias de muito requinte visual, ajudando a contar um enredo interessantíssimo. Ouvi relatos de problemas na apresentação do casal de mestre-sala e porta-bandeira em frente a um dos módulos, pelo menos, em função do chão molhado. Uma pena. Espero que sejam notas que não prejudiquem uma grande colocação, quiçá o campeonato. Depois de muitos anos sem justificar um favoritismo que lhe era atribuído no pré-carnaval, a Cubango merece o “tão sonhando passo avançar” (como dizia o lindo samba sobre Mercedes Batista, de 2008).

Se era o carnaval da crise, dos lamentos, da tristeza, da penúria, não poderia haver encerramento melhor para resgatar nossa verde esperança por dias melhores para esses guerreiros da Série A.

No meu “palpitômetro”, o título fica entre Cubango e Estácio, com Império da Tijuca e Porto da Pedra correndo por fora. Unidos de Padre Miguel e Inocentes tiveram muitos percalços, mas fizeram apresentações para ficar numa boa posição. Lá na rabeira, no rebaixamento, vejo a briga entre Rocinha e Alegria da Zona Sul. Santa Cruz, apesar da emoção, deve perder pontos valiosos em muitos quesitos. Sossego, Bangu e Ponte, as mais recentes a subir da Intendentes para a Sapucaí, me parecem manter uma distância com algum grau de alívio.

Aproveitando o mau tempo nos dias de folia, é chover no molhado a necessidade de respeito e cuidado com a Série A. A cada ano as condições pioram. Sem barracão, com subvenções pífias. E, mesmo assim, ainda capazes de nos trazer tanta cultura e tanta emoção. São todos vencedores.

Imagem/Vídeos: Ouro de Tolo

4 Replies to “A Série A Vista de Longe”

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