Nas últimas semanas fomos surpreendidos com uma história real, mas que poderia ser rodrigueana e, de certa forma, tem muito a ver com os tempos atuais.

Um rapaz se jogou a ponte Rio-Niterói. Infelizmente não é uma prática tão rara assim. Durante os anos ouvi algumas histórias de suicidas na ponte, mas agora é diferente porque, nesse mundo eletrônico em que vivemos, quando qualquer celular é capaz de filmar apareceram vídeos do rapaz.

Com os vídeos e o impacto da cena, várias teorias surgiram. A primeira foi de que ele se jogou porque foi traído pela noiva, teve gente que disse que a noiva traiu com dois ao mesmo tempo e que até filmagem da transa tinha na net. É a velha história do telefone sem fio, da fofoca que existe desde que o mundo é mundo.

Confesso que acabei entrando na história da traição e escrevi sobre isso em redes sociais, mas não para julgar o rapaz ou a moça, apenas para falar sobre amor e o peso que é amar. Depois surgiu a versão, que parece ser a verdadeira, de que o rapaz tinha problemas com drogas, depressão, a noiva se juntou à família para buscar uma internação e nisso, nessa loucura do vício, ele se jogou.

Mas a história não acabou aí. Durante as semanas surgiram as versões de que ele sobrevivera e fora internado em um hospital, que ficara tetraplégico e a última – e que parece encerrar o caso – é que ele morreu, mas não bastava “confirmar” a morte, tinha que ter imagens do corpo.

É rodrigueano porque é uma história carioca, trágica e cheia de nuances, especulações e espetacularização lembrando, por exemplo, a peça “Beijo no asfalto” de Nelson Rodrigues na qual a história de um beijo de um homem em um moribundo que fora atropelado ganha tal proporção, espetacularização e versões que o homem que beijou acaba morrendo e recebendo um beijo no fim da peça.

Como podem ver, não é de hoje, apenas temos mais acessos a mídias hoje e com isso as histórias ganham repercussões maiores e privacidades são invadidas. O ser humano é macabro, ele gosta desse tipo de tragédias. Quando há um acidente de trânsito todos os carros passam devagar para verem o que ocorreu e ver se há algum corpo provocando engarrafamentos. Quando aguem morre na rua e se coloca o plástico preto em cima do corpo surge uma aglomeração para ver o corpo.

Muitos já foram em sites ver como ficaram os corpos dos Mamonas após o acidente, de Ayrton Senna, dos jogadores da Chapecoense, recentemente filmaram Arlindo Cruz no hospital e essa história deu em grande problema, invasão grave de privacidade que a investigação levou ao massoterapeuta do cantor, alguém que devia se preocupar apenas com o bem estar dele e não em fazer notícia.

Privacidade nunca existiu, hoje menos ainda. Na história da exposição do homem nu do MAM, nenhum lado se preocupou em preservar as crianças. A esquerda só se preocupou na liberdade da arte e a direita, mesmo brandando contra a pedofilia, fez questão de divulgar as fotos e ali estavam as meninas com seus rostos ganhando o mundo.

O que importa hoje é a polêmica, a grande notícia, o clique e principalmente o debate onde não existe debate na verdade. e sim a troca de ofensas. Ninguém quer saber o que aconteceu e sim ofender quem pensa diferente, propagando o ódio.

Artistas que veem censura em tudo, pessoas comuns que acusam os artistas de tudo, direita que diz que artista é pedófilo, esquerda que diz que quem vê pedofilia em arte é pedófilo em potencial, maluco que mata crianças queimadas em creches e em vez de chorarmos essas mortes e tentar entender o que aconteceu, um debate de ódio nasce se procurando culpados em ideologias e pensamentos diferentes.

E, no meio dessa guerra, o suicida, a noiva do suicida e as duas mortes, a física e a da reputação. Como a mídia oficial se recusa a divulgar suicídios, o que fica é o que se espalha. Nunca saberemos a verdade total do que ocorreu e o certo seria que a gente nem tentasse descobrir porque é uma dor daquelas pessoas envolvidas.

Que Deus tenha piedade do rapaz da ponte.

Que Deus tenha piedade de nós.

Twitter – @aloisiovillar

Facebook – Aloisio Villar

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One Reply to “O homem da Ponte”

  1. Tenso, Aloisio!! O ser humano perde cada vez mais a capacidade de ter respeito ao próximo, ao mesmo tempo que não gosta de ouvir críticas e cobra o respeito a ele mesmo! :(

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