A máxima do nada se cria, tudo se copia é atribuída ao Chacrinha, o comunicador. Que por sua vez se inspirou no Lavoisier, o químico. Para quem na natureza tudo se transformava. O Abelardo Barbosa, que completaria cem anos no ano que vem, pode ser enredo. Isso já seria uma transformação. E não digo cópia, porque o Império Serrano o homenageou indiretamente no carnaval de 1987. E a Imperatriz usou sua famosa alusão ao bacalhau e à Terezinha como mote para falar do peixe de que quase ninguém viu a cabeça.

Mas pensando no Chacrinha, nas cópias e adaptações de ideias e ideais, me acendeu uma luz. Duas de nossas paixões nacionais, o futebol e o carnaval, estão em pleno exercício da cópia de modelos como solução para alguns problemas. Ou como alternativas de sucesso. E nem sempre isso vai dar samba.

Em campo o Barcelona virou padrão a ser seguido. De posse e toque de bola. De não rifar a bola. De optar pela beleza plástica do jogo sem abrir mão da eficiência. Mas, para isso, um trabalho de base foi feito antes. E características sociopolíticas da Catalunha colaboraram para criar uma atmosfera do jeito Barça de se jogar. O lema diz que ele é “mais que um clube”.

camp_nou_coreografia_mes_que_un_clubE, de fato, o FC Barcelona é uma das expressões máximas da cultura e do desejo catalães de autonomia. Convencer o torcedor azul e grená de que alguns anos de derrotas e resultados abaixo do maior rival, Real Madrid, poderiam ser necessários para que se aprimorasse um estilo Barça no futuro foi bem mais simples do que fazer um torcedor brasileiro aceitar ver o time levar umas goleadas aqui e ali, perder uns campeonatos, ser eliminado em alguns mata-matas em nome da consolidação de um estilo de jogo.

Muricy Ramalho passou um tempo em Barcelona estudando. E não escondeu, ao chegar ao Flamengo, a inspiração. Tenta fazer com que o clube adote o mesmo sistema tático em todas as categorias, do mirim ao profissional. Tenta fazer com que a equipe rubro-negra mantenha a posse de bola. Dá bronca no goleiro e nos zagueiros quando fazem a ligação direta. Joga com atacantes abertos e em trio. Só que não existem Messi-Suárez-Neymar na Gávea. Nunca foi feita uma La Masía, a categoria de base do Barça, no Ninho do Urubu. O Flamengo está fora da zona de classificação de um Carioca que nem queria jogar e daqui a pouco já estão pedindo a cabeça do cara.

O exemplo do Flamengo foi apenas pela proximidade com o clube, que é daqui do Rio, o que me permite uma observação mais próxima. Na mesma cidade, fazendo limonadas com limões não tão suculentos, Jorginho e Ricardo Gomes acabaram se adaptando melhor a essa realidade imediatista do futebol brasileiro. Sem tentar copiar o Barcelona têm colhido melhores resultados.

Quem está certo na empreitada? O que tenta beber de uma fonte de sucesso estrangeira, distante da nossa realidade mas com resultados incríveis ou os que, conhecendo a velocidade com que tudo muda no Brasil, apostam em, ao invés de fazer o jogador se adaptar a um sistema de jogo, adaptar os sistemas ao material humano de que dispõem?

No Carnaval, também se joga o jogo do resultado. A Mangueira sagrou-se campeã homenageando uma personalidade da MPB. E os primeiros enredos divulgados para 2017 seguiram esse modelo. Exceção feita ao patrocínio da empresa aérea marroquina à Mocidade Independente de Padre Miguel para cantar as belezas e histórias de Marrakech e adjacências. Bem como ao enredo afro de sua vizinha Unidos de Padre Miguel.

Estácio de Sá, Gonzaguinha (até segunda ordem, pois pode pintar um patrocínio e mudar tudo) [1]. Alegria da Zona Sul, Beth Carvalho (que já foi enredo, no primeiro ano da Passarela do Samba, com título da Unidos do Cabuçu, no então Grupo 1-B, o segundo grupo). Grande Rio, Ivete Sangalo. E a minha opinião vai na mesma linha do que pensava quando soube que Zezé di Camargo e Luciano tinham sido escolhidos como enredo da Imperatriz. Tudo vai depender do desenvolvimento da história. Se Ivete for uma maneira de se falar do carnaval da Bahia, sua tradição, religiosidade, expressão cultural e relevância histórica acho que pode ficar muito interessante.

No entanto, torço para que não tenhamos uma enxurrada de mais homenagens. Porque, caso isso aconteça, perde a festa em diversidade. Parece oportunismo. Somente a busca pelo resultado, sem a preocupação de deixar como legado uma história bem contada, algo inovador, curioso, diferente. Fica a cópia de um modelo pela cópia.

E um time de futebol não vai conseguir, repetindo fórmulas, chegar ao nível de jogo do Barcelona. Assim como uma escola de samba não vai emocionar, contagiar, triunfar como a Mangueira apenas porque decidiu homenagear uma personalidade popular. Na arte, o original sempre valeu mais que a reprodução.

[1] A Estácio de Sá confirmou após o fechamento da coluna o enredo sobre Gonzaguinha. PM