Como eu disse na coluna de ontem, na qual foi republicado o conto “Cerimônia de casamento”, utilizarei os fins de semana de abril para relembrar minha trajetória nesses cinco anos de Ouro de Tolo, com os contos e as colunas que achei mais importantes.

Não é fácil escolher esses textos. Foram muitos no período e alguns importantes ficarão fora.

Esse de hoje é emblemático para mim. Foi o segundo texto que escrevi para o Ouro de Tolo e, infelizmente, retratando uma tragédia. A chacina de Realengo, em que um jovem entrou numa escola do bairro atirando e matando colegas. Algo bizarramente comum nos Estados Unidos, raro no Brasil, e que chocou a todos nós.

Eu ainda não me sentia à vontade escrevendo textos para públicos, mas aí já tem um pouco do estilo que utilizei nesse período no OT. Infelizmente essa tragédia ajudou a “me soltar” um pouco mais escrevendo, pude colocar a emoção que não só eu, mas todo o Brasil sentia no momento.

Tragédia que acabou esquecida com o tempo, como todas por aqui. Hoje não sabemos o que ocorreu com os sobreviventes. No Brasil, a desgraça de hoje embrulha o peixe de amanhã porque outras desgraças sempre irão ocorrer, como a da boate Kiss, e o espetáculo da desgraça tem que continuar.

Com vocês meu texto de 24 de abril de 2011. O outro lado de Realengo.

O OUTRO LADO DE REALENGO

Alguns dias já se passaram da tragédia ocorrida em Realengo.

O país que ficou em choque e se feriu com os estilhaços da balas já prossegue seu dia a dia, os jornais normais já falam de outros assuntos. Os noticiários sensacionalistas ainda falam um pouco, mas se dividem mais entre outras notícias e comerciais de câmeras e de milagres de emagrecimento.

Enfim, a vida segue seu curso, o assunto já foi amplamente debatido, debatemos o papel da imprensa no caso, o papel do governo, se podia ter sido evitado,  a vida do assassino foi esmiuçada, médicos falaram sobre sua personalidade e pronto, fim de história, fim?

Será?

Não, não passou pra todo mundo e pra algumas pessoas nunca passará. Que pessoas são essas?

Aquelas que viraram celebridades nos dias seguintes da tragédia, que foram em programas de TV, deram entrevistas pro Jornal Nacional, tiveram nomes de seus entes queridos em camisas de time de futebol, essas pessoas que com o tempo vamos esquecendo, os familiares das vítimas, pais, mães, irmãos, avós, tios, as vítimas que sobreviveram.

O curso natural da vida é que os pais morram antes dos filhos, a vida é assim, a gente nasce, cresce, namora, casa, tem filhos, envelhece, netos e morre. Depois que minha mãe morreu, até hoje, eu nunca disse “queria ter ido no lugar dela”,  já vi algumas pessoas falando que preferem morrer antes de seus pais… não… tá errado, é egoísmo, não existe dor maior para um pai ou uma mãe que enterrar um filho. Só quem tem um filho sabe disso.

Imagine o leitor: você tem um filho, despeja nele todo aquele amor que surge em você de uma forma inesperada, de uma intensidade que você nunca sentiu por ninguém. Aquele bebezinho vai crescendo, você o coloca na escola com esperança que vá estudar, aprender a ler, escrever, fazer contas, aprenderá  sobre História, Geografia… Um dia vai se formar, você todo bobo irá chorar vendo essa sua criança que já é um homem ou uma mulher com canudo na mão ser alguém e você vai pensar que enfim cumpriu a missão da sua vida…

Então, imagine um dia você vai acordar essa criança, fazer café para ela, botar margarina no seu pão, preparar sua lancheirinha, dar um beijo na sua testa, lhe desejar boa aula e depois ela não voltar para casa porque um maluco entrou no colégio dela e lhe deu um tiro na cabeça?

O Willian Bonner não estará do lado desses pais na hora deles irem dormir e lembrarem de sua criança que não está mais ali, a Sonia Abrão não dará um beijo no rosto deles e fará um carinho quando na hora do café a cadeira estiver vazia, nenhuma torcida de time de futebol fará um minuto de silêncio na missa de sétimo dia, um mês, um ano…

Até porque outras tragédias ocorrerão,  essas crianças que cada vez menos estarão no dia a dia de nossos noticiários e devem se despedir da gente em definitivo nas retrospectivas de fim de ano  virarão estatísticas pra gente; enquanto para os familiares e amigos serão saudade eterna. A vida é uma linha contínua, nesse momento falo desse caso, semana que vem falarei de outra situação. Tudo nessa vida passa, tudo vira passado.

Menos a saudade.

Chico Buarque tem uma canção sobre o assunto, chamada “Pedaço de Mim” (vídeo acima), em que aborda exatamente este sentimento, da mãe que perdeu o filho:

“(…)
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu (…)”

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