Não é preciso se mergulhar em números para perceber que o eleitor paulistano tem, nas Eleições Municipais, um comportamento muito diferente ao que costuma ter nas Eleições Gerais. Há, na maior cidade do país, como em todo o Estado, um predomínio absoluto do PSDB nos últimos 22 anos na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes. Mário Covas em 1994 e 1998, Geraldo Alckmin em 2002, 2010 e 2014 e José Serra em 2006 venceram ora com maior facilidade, ora com um pouco de dificuldade, mas sempre reafirmando a tendência da Capital a ter um eleitorado tucano, o que muitas vezes faz com que ele ganhe a pecha de “conservador”. Na disputa Presidencial, o PT de Luiz Inácio Lula da Silva só levou a melhor em 2002, onde houve um massacre petista para cima de José Serra em todo o país. No mais, mesmo em disputas como a de 2006, quando houve uma vitória tranquila de Lula, o PSDB sempre levou a melhor em São Paulo.

Já nas disputas municipais, o comportamento é bem diferente. De 1988 para cá, São Paulo elegeu três prefeitos do PT: Erundina em 1988, Marta Suplicy em 2000 e Fernando Haddad em 2012. O PSDB, por outro lado, neste período todo só saiu vitorioso com José Serra, em 2004. Mais que isso, naufragou completamente ficando longe da vitória em 1988 com o próprio Serra e sequer chegando ao segundo turno com Fábio Feldman em 1992, novamente Serra em 1996 e Geraldo Alckmin em 2000 e 2008. Essa é uma percepção curiosa. Mesmo longe de ter um perfil progressista, o paulistano reage muito melhor a uma possibilidade de mudança na esfera municipal que nas esferas Estadual e Federal. Não só tem mais facilidade em apostar em figuras mais jovens como Celso Pitta, Gilberto Kassab e Fernando Haddad (embora todos estes tenham tido padrinhos do cacife de Maluf, Serra e Lula, respectivamente), como também tem menos aversão à esquerda.

Entender esse quadro é entender não só a vitória a princípio improvável de Fernando Haddad em 2012, como também entender sua altíssima rejeição no momento. O último levantamento do Datafolha, realizado em novembro de 2015, aponta que o prefeito é considerado ótimo ou bom para apenas 15% dos entrevistados, ao passo que 32% o consideram regular e 49% classificam sua gestão como ruim ou péssima. É bem verdade que a péssima imagem de seu partido, o PT, que hoje toma conta de todo o Brasil, contribui para a avaliação ruim de Haddad, mas é um erro apontar esse motivo como o primordial. O principal fator aqui é o mesmo que, em 2012, deu a Haddad a possibilidade de ser o comandante da maior cidade do país: a imagem que o eleitor tem da figura do prefeito. Se o paulistano, tal como no resto do Brasil, quer um governador ou um presidente engravatado, que fique dentro do gabinete e saiba discursar frente a líderes estrangeiros, de um prefeito ele espera outra coisa. Por maior que seja essa cidade, o paulistano ainda quer um prefeito ativo no dia a dia da população. Um prefeito que vá até os problemas, que converse com a população. Uma coisa meio Jânio Quadros, meio Marta Suplicy. Aquela coisa de inaugurar hospital, creche, saber onde está faltando médico, onde está faltando asfalto. É no Executivo Municipal que, historicamente, o eleitor quer se sentir mais próximo do eleito. Aqui, cabe voltar a 2012 e lembrar como o PT venceu a Eleição mais disputada do país.

haddad+rbsQuando a corrida eleitoral começou, Haddad transitava entre 4% e nada nas pesquisas de intenção de voto. Havia uma tendência de uma disputa polarizada entre o velho projeto político tucano de José Serra e o “novo” de Celso Russomanno, do minúsculo PRB. Foi aí então que Haddad, a partir do início do horário eleitoral, disparou. Amparado pela estratégia sempre brilhante do mais novo hóspede da penitenciária de Curitiba, o marqueteiro João Santana, ele surgiu como o “novo viável”. Beneficiado pela falta de segurança transmitida pela imagem de Russomanno, Haddad apareceu com uma frase de efeito que encabeçava seu jingle: “um homem novo para essa cidade”. Mais que isso, a letra dizia: “muda a cor, muda a cara, renova o desbotado”. Era tudo o que o paulistano queria ouvir. Era justamente em um prefeito jovem, cheio de energia, com um pensamento mais moderno, que o eleitor queria apostar. Num confronto direto com a ideia jurássica de administração do PSDB, a vitória de Haddad no segundo turno foi até tranquila. São Paulo queria o novo e recebeu o novo, mas agora reprova o novo. Incoerência? Hipocrisia? Má vontade? Não. Suicídio político de uma gestão que tinha tudo para ser extremamente promissora.

Em suas primeiras entrevistas já como Prefeito, Haddad se mostrou realmente um político diferente. Sempre me agradou muito o modo como ele pensava a cidade. Haddad não queria ficar marcado como o prefeito das obras de concreto que nascem para eventualmente resolver o problema do trânsito, mas apenas estimulam o aparecimento de mais e mais carros. Haddad queria era uma cidade diferente, queria era valorizar a relação entre o paulistano e sua cidade. Por isso, investiu em projetos como as ciclofaixas, os parques, os corredores de ônibus e o wi-fi em praças e ônibus. A ideia – e isso ele mesmo já disse – era que o paulistano vivesse uma relação mais saudável com a sua cidade. Que pudesse trocar as horas no trânsito por uma visão mais romântica de São Paulo. Que pudesse observar o que a cidade tem de melhor.

Ao contrário do que dizem frequentemente, não foi esse o pecado de Haddad. O prefeito sofreu com uma alta rejeição no início do mandato, mas apenas por consequência da atuação mambembe durante as jornadas de junho de 2013. Depois disso, se recuperou bem. Em agosto de 2014, tinha 44% de aprovação e 28% de reprovação, o que é um bom número. Dali para frente, começou sua queda livre e não é possível relacionar isso a expansão de sua principal bandeira na Prefeitura, as ciclofaixas. É bem verdade que o projeto era bem melhor recebido em seu início (em setembro de 2014, 80% eram a favor e 14% eram contra), mas ainda hoje os números são satisfatórios: 56% são a favor e 39% são contra. 44% dos entrevistados que consideram a gestão Haddad ruim ou péssima são a favor das ciclofaixas, aliás.

Mais que isso: a menor aceitação ao projeto (51%), ocorre justamente entre os entrevistados com renda mensal inferior a dois salários mínimos e essa aprovação vai crescendo junto da renda média atingindo seu pico (61%) entre aqueles que ganham mais de 10 salários mínimos. E nem dá para dizer que estão legislando em causa própria, já que a pesquisa também aponta que apenas 33% dos entrevistados possuem uma bicicleta. Mais que isso, não há nenhuma diferença considerando a margem de erro entre a aprovação de Haddad nos grupos que possuem ou não uma bicicleta. Ainda assim, 56% dos entrevistados já usaram alguma ciclofaixa, o que mostra que a avaliação da mesma é satisfatória. Outro projeto polêmico, o fechamento da Avenida Paulista aos domingos, é recebido com menos entusiasmo, mas também é aprovado pela maioria dos paulistanos segundo o Datafolha. Ainda no mais mal avaliado dos ousados projetos de Haddad, a redução da velocidade das marginais, há um empate: 47% são a favor e 47% são contra, embora, neste caso, haja uma tendência mais lógica daqueles que possuem carros serem mais resistentes à ideia. Ainda assim, 33% daqueles que ganham mais de 10 salários mínimos são a favor, o que é um índice bem superior ao da aprovação geral do Prefeito.

ciclofaixaMas afinal de contas, se os principais projetos de Haddad são bem recebidos, o que justifica sua má aprovação? É simples. Haddad pode conhecer os problemas da cidade – e conhece tanto que foi o melhor Prefeito que São Paulo teve nos últimos 30 anos -, pode estar atento às necessidades do povo, mas passa uma imagem cruel de “Prefeito de gabinete”. O paulistano perdoa e perdoou muita coisa em gestões anteriores, mas não suporta um Prefeito de gabinete. Os problemas básicos da cidade – especialmente saúde, educação e infraestrutura – não vêm merecendo a devida atenção de Haddad para o eleitor. O petista Fernando Haddad apanha dos dois lados porque carrega a pecha de “petista” nas camadas mais altas da sociedade (e por isso é mal avaliado mesmo tendo projetos bem recebidos) e porque parece “elitista” para os mais pobres. É até compreensível. Haddad provocou uma verdadeira revolução nas áreas centrais da cidade e essa revolução melhorou muito a vida dos habitantes periféricos, mas essa percepção não é simples. Para esse eleitor, Haddad esqueceu a periferia. Justamente a periferia que lhe deu a vitória. O próprio Haddad conta a história da moradora de Itaquera que economizou uma hora de viagem por dia com os corredores de ônibus, mas demonstrou ao próprio Prefeito um incômodo com um eventual impacto negativo dessa ideia aos carros. Enquanto isso, Itaquera continua ficando submersa a cada chuva um pouco mais forte ou duradoura. Não há “nova política” que resista a isso. O Prefeito de São Paulo sofre com a má vontade dos que nunca gostaram dele e é visto como um traidor entre aqueles que nele confiaram.

E para comprovar isso, novamente recorro à última pesquisa do Datafolha. Nela, fica claro que o eleitorado mais resistente a Haddad é o mais pobre. Dentre os que ganham menos de dois salários mínimos, o Prefeito de 12% em uma escala que evolui progressivamente até bater 23% entre os que recebem mais de 10 salários. O mesmo ocorre na questão da escoloridade: os que só tem o ensino fundamental (em tese menos informados) tem menor aceitação (14%) que aqueles com ensino superior (22%). A questão da idade também é interessante. Quanto mais novo o eleitor, melhor a recepção ao Prefeito: 20% entre 16 e 24 anos e 10% entre os que possuem 60 ou mais. Nota-se, portanto, que o problema de Haddad é a comunicação ruim com o eleitor. Haddad é um tremendo sucesso entre aqueles que leem o Catraca Livre e a Carta Capital, mas sofre muito entre os que se pautam pela Folha de S. Paulo ou os que não acompanham nada e avaliam a cidade pela percepção que criam no dia a dia (e essa percepção é muito melhor que aquela tida pelo Catraca Livre ou pela Folha, diga-se). E isso não significa que ele é necessariamente melhor ou pior por isso.

Estão todos – Catraca Livre, Folha, Globo, Estadão, oposição, eleitor e diria que até o próprio Prefeito – cumprindo os seus papéis. Cada um observa a cidade sob uma ótica e essa ótica diferente cria várias realidades para uma só. O problema de Haddad é o alcance de cada uma dessas realidades. A ótica mais tradicional do dia a dia da cidade não lhe favorece. E não lhe favorece em parte pela sua comunicação ruim com o público, mas também porque ele bobeou demais. Deixou em segundo plano demandas importantes da cidade que fortaleceu em seus opositores o discurso de um Prefeito alienado e quixotesco que está completamente distante do que é São Paulo. É muito fácil ver a imagem de uma cidade alagada e associar isso à tara do chefe da cidade ´por ciclofaixas, Paulista fechada ou Marginal mais lenta. Um discurso que poderia facilmente cair por terra (bastaria notar que trânsito e alagamentos acompanham a cidade há décadas, mesmo quando não existiam ciclofaixas, a Paulista era livre e era possível correr com um Fórmula 1 na Marginal), mas ganha muita força a cada dia que Haddad passa trancado em seu gabinete. Ele conhece a cidade e seus problemas muito melhor que o Datena ou o Andrea Matarazzo, mas não consegue penetrar seu discurso no seu público-alvo. Falta, sobretudo, habilidade política para ele, o que ajuda a entender porque ele é facilmente engolido pelo discurso da oposição.

Mas existe uma outra linha tênue nessa história. Os opositores até estão desconstruindo a imagem de Haddad, mas, mais uma vez, estão prestes a entrar em uma Eleição fazendo um completo erro de análise da percepção que o eleitor tem da cidade. Esse é um jeito mais leve de dizer que a oposição está caçoando da inteligência de quem irá escolher o Prefeito de São Paulo em 2016. A lógica tucana é de uma simplicidade tosca (embora não surpreendente): Haddad é o novo; Haddad é rejeitado; vamos apostar no velho!

É o cúmulo da burrice, com todo o respeito.

Como fica claro pelos números, o paulistano está descontente com Haddad, mas não com o novo. Não será o velho que irá seduzir o eleitor. Apostando num “liberal” como João Dória Júnior, apostando num empresário cuja bandeira inicial é privatizar o Pacaembu, o Autódromo de Interlagos e o Sambódromo do Anhembi, o PSDB mostra que desconhece totalmente São Paulo. Mostra que entende o paulistano como um robô que apenas vai de casa para o trabalho e que não tem nenhuma relação afetiva com sua cidade. E tal quadro não muda muito com Andrea Matarazzo porque a questão aqui não é essencialmente o nome ou o perfil, mas sim a estratégia. O discurso tucano indica uma estratégia de campanha que queira novamente confrontar o novo com o velho, o progressista com o conservador, e é aí que Haddad pode renascer. Se o problema é comunicação, nada melhor que um tempo gigantesco no horário eleitoral para resolver isso. Se conseguir descolar sua imagem à do Governo Federal, o petista tem boas chances de se reeleger e, se isso acontecer, tem que agradecer ao quase certo erro de estratégia de seus adversários. Especialmente se adotarem (como parece que adotarão) o discurso do Fla-Flu político que historicamente não interessa nem um pouco nas Eleições municipais.

Se for adotada essa estratégia e se ela for assumida também pelo PT, é boa a possibilidade de uma terceira força se favorecer disso. O primeiro nome que me vem à mente é o de Marta Suplicy, caso ela realmente se candidate pelo PMDB. Marta não é exatamente o “novo”, mas é capaz de passar a imagem de uma prefeita realmente atenta e presente. Uma prefeita menos Dom Quixote e mais mão na massa. Quem também pode se favorecer disso, embora ache mais difícil, é o próprio Celso Russomanno. Um nanico politicamente e sem nenhum carisma ou traquejo, precisaria saber comer pelas beiradas para não ser dinamitado pelos outros. Acho muito difícil, mas não é impossível.

Na verdade, tentar prever qualquer resultado agora é extremamente prematuro e não leva a nada. Agora é o momento de traçar estratégias e de tentar fazer a melhor análise possível do recado transmitido pelas urnas historicamente e também pela aprovação ou reprovação da atual Gestão. Quem conseguir compreender melhor esse cenário tende a sair em vantagem em uma Eleição que deve ser uma das mais disputadas da história.

3 Replies to “A gestão Haddad, o eleitor paulistano e um panorama inicial das próximas eleições”

  1. Minha opinião: Haddad tem alta reprovação porque impôs certas obras, somente com o intuito de confrontar as classes, coisa que o PT sabe fazer muito bem.

    Inúmeras ciclovias em ruas sem a menor estrutura; redução de velocidade na Marginal e em ruas como a Salim Farah Maluf são os exemplos mais claros. Quer acabar com os acidentes e atropelamentos? Que investisse em passarelas. Quer fazer ciclovias? Que fizesse em ruas onde tivesse o mínimo de estrutura.

    “Mas diminuiu o número de acidentes de trânsito nas vias com velocidade diminuída”. E alguém pesquisou a quantidade de assaltos que aumentou nesses lugares? Sim, porque é mais fácil abordar um carro a 40 km/h do que a 70!!

    Fora a indústria de multas. Ou colocar radar de VELOCIDADE nos semáforos tem outro nome?

    Eu repito sempre aos meus amigos e colegas: o PT teve a chance de fazer história no Brasil. Vai sair pela porta dos fundos.

    1. Ah! E pra não dizer que eu sou contra ciclovias: aqui em Santos, elas foram implantadas, de fato, na gestão João Paulo Papa (2005-2012). O prefeito teve mais de 80% de aprovação e apenas 4% de ruim/péssimo como avaliação.

      Eu nunca imaginei que ele fosse peitar a terceira idade daqui, que é conhecida por vetar toda e qualquer obra de mobilidade, especialmente as que ficam na orla da praia. Pois a administração dele não só fez a ciclovia por toda a extensão da praia como acabou com estacionamentos centrais na Ponta da Praia.

      O maior problema foi a ciclovia da Av. Mario Covas (antiga Av. dos Portuários) e a da N. S. de Fátima, na Zona Noroeste. E pra piorar, o atual prefeito só se preocupa com a área rica da cidade, ignorando por completo quem mora “do lado de lá” da linha férrea (que está virando VLT).

      A diferença do Papa pro Barbosinha é que o primeiro implantou as ciclovias com planejamento, sem ferrar o trânsito e muito menos o comércio. O segundo está fazendo de qualquer jeito – vide as ciclovias dos canais 4, 5 e 6. Tal como o Haddad.

      E, da mesma forma como o petista, o tucano santista está pouco se lixando para os bairros que realmente necessitam de infraestrutura. O PAB só quer “maquiagem” para se reeleger – e depois que eu ouvi de um puxa-saco dele que “ele tem é que fazer as coisas só aonde vai dar voto pra ele”, eu perco as esperanças com qualquer eleição!

  2. Basta se lembrar do que aconteceu com o ENEM e os vestibulares no Brasil para saber porque Fernando Haddad está longe de ser apontado como ícone da competência. Ele foi péssimo como Ministro da Educação.

    E faço coro ao Rodrigo: ciclofaixas são algo bom, desde que se tenha o mínimo planejamento. E foi justamente o que faltou para o projeto.

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