Nesse mês de janeiro tradicionalmente é disputada a Copa São Paulo de Futebol Júnior, um dos maiores e mais famosos torneios das categorias de base no mundo. Neste ano, 112 times jogaram pelos campos do Estado de São Paulo e é em alguns desses jogos que temos o primeiro contato com os futuros donos das camisas dos times profissionais do Brasil e do resto do mundo. Vendo alguns jogos – devo dizer que apesar de todos os pesares ainda é um dos torneios que eu mais gosto de assistir – e as chamadas “promessas”, acabei me transportando para o mundo do Carnaval e pensando na renovação dos quadros das escolas de samba.

O Carnaval não tem propriamente uma categoria de base. O paralelo mais próximo seriam as escolas mirins, mas, embora alguns dos profissionais que hoje brilham na Sapucaí tenham começado ali (Leandro Santos, cuja estreia como cantor principal no Grupo Especial foi protelada após a saída da Estácio de Sá para o Paraíso do Tuiuti, é um dos exemplos), não chega a ser propriamente algo que chame a atenção dos aficionados para os novos talentos que não deixarão a batida do surdo parar. No Carnaval, em geral, acontece algo ligeiramente parecido com o que acontece nos esportes americanos: os novos nomes muitas vezes surgem das “ligas menores”, no caso os grupos de acesso.paulobarrosportela

Muitos dos nomes mais aguardados no Carnaval de 2016 têm sua origem muito longe do glamour do Grupo Especial. O agora portelense Paulo Barros, hoje acusado de ser “hollywoodiano” e de fazer mais um espetáculo do que um desfile (como se as duas coisas pertencessem a universos diferentes), passou muito perrengue no Arranco do Engenho de Dentro e na Vizinha Faladeira até parar no Paraíso do Tuiuti, onde deu um show de criatividade no Acesso A em 2003. O desfile sobre Portinari não deu à escola de São Cristóvão o título, mas chamou a atenção de outra Azul e Amarelo, a Unidos da Tijuca, que por intermédio do seu presidente Fernando Horta deu carta branca para que Paulo fizesse história. Fábio Ricardo, ainda que estreando em condições melhores (e com uma “bagagem” de alguns anos trabalhando com Joãozinho Trinta e Max Lopes), foi outro que apareceu para o Mundo do Carnaval no Acesso A, pela Acadêmicos da Rocinha. De lá, foi para a São Clemente ajudar a escola a se firmar na elite e hoje tenta chegar ao desfile das campeãs pelo terceiro ano seguido.

caherodriguesCahê Rodrigues, hoje cercado de expectativa para mais um desfile pela Imperatriz Leopoldinense, começou lá no Acesso C (também com anos de experiência com J30), pela Acadêmicos do Sossego. Foi para o B com a Acadêmicos de Vigário Geral e de lá foi para a Porto da Pedra ser campeão do Acesso A e manter a escola na primeira divisão. Ainda passou no Especial por Santa Cruz e Caprichosos antes de tirar a Portela de uma seca de 10 anos longe do desfile das campeãs e se destacar na Grande Rio.

Outro carnavalesco que fez “vestibular” no acesso foi Alex de Souza, hoje na Vila Isabel. Até no Acesso D ele já fez Carnaval pela União de Jacarepaguá antes de ir pro Acesso A. Da Verde e Branca até o título do Acesso A pela Rocinha foram 10 Carnavais. O suficiente para que, depois, colhesse os frutos e se firmasse como uma das maiores revelações dos últimos anos. Já Bruno Ribas, atual voz da Mocidade, começou como apoio de Jamelão e Neguinho da Beija-Flor, mas também ganhou projeção nos dois anos em que cantou na Inocentes da Baixada, atual Inocentes de Belford Roxo. Dali foi para a Portela e seguiu uma trajetória de sucesso na Tijuca.leandrovieira

O Carnaval de 2016, ao que tudo indica, tem tudo para confirmar essa tendência de projetar os nomes que já chamam a atenção das pessoas nos desfiles dos grupos menores – hoje, o maior expoente é o desfile da Série A, que tem uma projeção até bem maior que o antigo Acesso A, o que certamente ajuda as escolas maiores a olharem com mais carinho para o que passa pela Sapucaí na sexta e no sábado de Carnaval. Algumas escolas usarão desse expediente para revelar grandes nomes.

É o caso da Mangueira, que foi atrás de Leandro Vieira. Ex-desenhista da Imperatriz, surpreendeu a todos na Série A de 2015 com um desfile extremamente criativo pela Caprichosos de Pilares. Da Série A também veio Júnior Scapin, responsável pela ótima comissão de frente da Paraíso do Tuiuti. Outras escolas, porém, fazem essa aposta apenas pelos bons resultados observados no segundo grupo.

marquinhoartsambaE o que dizer então da Imperatriz Leopoldinense? A escola se mostrou ligada e trouxe Mestre Lolo, da União do Parque Curicica, para resolver os problemas de sua bateria. A escola também trocou o experiente Nêgo por Marquinho Art’Samba. Depois de alguns anos brilhando pela Unidos de Padre Miguel, o cantor estreia logo com o samba do ano e é um dos que devem iniciar em 2016 uma trajetória de muito sucesso no Especial. É sem dúvida uma aposta acertadíssima da escola de Ramos. Talvez até mais segura do que àquelas feitas em Wander Pires e Nêgo, nomes consagrados que estão frequentemente envolvidos em saídas polêmicas de suas agremiações.

O caso dos intérpretes, aliás, é bastante curioso porque há uma outra porta de entrada, essa já mais comparável à realidade do futebol. Muitas vezes, é dentro das próprias escolas, que surgem os grandes cantores, inicialmente como apoio dos intérpretes principais. É o caso, por exemplo, de Emerson Dias. Apoio durante muitos anos na Grande Rio, segurou um tremendo rojão em 2008, quando Wander Pires atrasou e ele foi quem deu início ao desfile da Tricolor de Caxias. Ele ainda apoiaria Wantuir de 2009 a 2012 até receber da escola um voto de confiança em 2013. E deu conta do recado. Hoje, imprimiu sua marca e é um dos grandes responsáveis por essa Grande Rio mais jovem e descontraída.igorsorriso

Aqui cabe destacar o caso da São Clemente. A primeira metade do desfile de segunda-feira terá um pouco do trabalho da Preto e Amarelo em sua ala musical. Igor Sorriso, estreando pela Vila Isabel em 2016, começou na Mocidade Unida de Santa Marta e, em 2006, começou como apoio na São Clemente. Em 2010, a escola da Zona Sul fez uma aposta no talento do cantor e foi mais do que bem sucedida. Com um talento impressionante, ele mostrou um casamento perfeito com a escola e saiu na hora certa, após um grande desfile em 2015.

A aposta foi acertada, mas não surpreendente, já que Igor substituiu Leonardo Bessa. De 2002 a 2004, foi apoio no carro de som clementiano. Virou principal do Arranco e voltou em 2006 (curiosamente quando Igor chegou) como cantor principal. Em 2009, seu último ano na escola, já era apoio de Quinho no Salgueiro. Em 2011, formou um trio com ele e Serginho do Porto para, em 2016, logo após o desfile da Vila, fazer o segundo e provavelmente maior desfile após a saída de Quinho.

Passado o desfile do Salgueiro, entrará em cena a nova aposta da São Clemente: Leozinho Nunes estreia como cantor principal após quatro anos como apoio do próprio Igor Sorriso. Será ele a terceira revelação da escola em uma década? Não é possível ter certeza. Tal como no futebol, é preciso ter cuidado com as revelações. Precisam ser lançadas na hora certa, já maduros, mas também com a consciência de que naturalmente devem evoluir. Obviamente, Leozinho, Leandro, Mestre Lolo e talvez até o próprio Marquinho Art’Samba não serão em 2016 tão brilhante quando tendem a ser nos anos futuros, como não foram em seus primeiros anos tão brilhantes quanto são hoje Bessa, Emerson, Igor, Cahê, Alex… O público, cruel e implacável, pouco ligará para isso e fará o seu julgamento. Cabe à quem contrata ter esse discernimento e confiar no taco mesmo que o resultado não seja tão bom. Alguns destes talvez não tenham um futuro promissor, o que é um risco natural na quase obrigatória tentativa de renovar o Carnaval. Esse negócio, não tem jeito, é tentativa e erro. Não à toa tivemos tantas tentativas fracassadas ao longo dos anos.

E cabe também ficar de olho no desfile da Série A, que já mostrou nos últimos anos ótimos profissionais ainda não alçados ao primeiro grupo como os intérpretes Daniel Silva do Paraíso do Tuiuti, a dupla Diego Nicolau e Evandro Malandro da Renascer de Jacarepaguá e Leléu, da Acadêmicos da Rocinha. Alguns até já começam a trilhar seu caminho na elite, como o próprio Daniel, apoio de Wander Pires na Estácio, e Diego Nicolau, que desde 2013 é apoio primeiro de Luizinho Andanças e depois de Bruno Ribas na Mocidade, além da porta-bandeira Amanda Poblete, que depois de dois anos na Renascer já foi alçada ao posto de segunda porta-bandeira da Vila Isabel.

O segundo grupo também tem lá suas novidades nesse ano, como o intérprete Hugo Júnior da Cubango. É interessante também como alguns dos nomes citados aqui – o próprio Hugo, Leozinho Nunes, Diego Nicolau – começaram a despontar na verdade nas alas de compositores, o que leva a outro interessante debate sobre o custo das disputas. Muitas vezes é no Acesso que eles aparecem, já que os custos são menores. É o caso, por exemplo, da parceria que embalou o samba de 2015 da Grande Rio. Alguns são cantores de apoio, inclusive. Ainda que não despontem nessa função (afinal, em cada time de canto são vários almejando o posto principal), já se firmaram como compositores conhecidos.

Que os dirigentes, portanto, olhem com carinho para os seus carros de som, para os seus assistentes e, claro, nos desfiles da Série A e do próprio Grupo Especial (ou ainda na Intendente Magalhães e em outras cidades, por que não?). Apostas trazem riscos, mas vale a pena corrê-los. Ao contrário da Copinha, revelar nomes não é algo que chame muita atenção durante os desfiles das escolas de samba, mas quem sabe não estamos a menos de 20 dias de acompanhar o início de trajetórias gloriosas dos nomes que farão história na Sapucaí e darão sequência a esse espetáculo?

One Reply to “A base do samba”

  1. Bom dia!

    Prezado Leonardo Dahi:

    Aproveito a oportunidade para abordar um aspecto aparentemente exótico e pouco comentado sobre estas bases.
    Nem sempre o foco é para cima.

    Pois é, há muita gente boa (Boa mesmo!) que só quer se firmar onde está, pois, conforme sobem as divisões, algumas (Chatas) características aparecem. A maioria delas ligadas à “liberdade” de seus protagonistas.

    No mais, 2016 mostrou uma abertura no Grupo Especial do Rio há muito não vista.
    A vida continua!

    Atenciosamente
    Fellipe Barroso

Comments are closed.