Faço muitas e contínuas críticas à PM. Tanto a do Rio quanto à de São Paulo. Escrevo num dia em que tive uma experiência bastante positiva com a PM de São Paulo. Na minha atividade profissional, sou um dos responsáveis pelas atividades culturais da empresa na qual trabalho. E que faz aniversário em maio. Portanto, mês de bastante trabalho. Recebemos a “jazz band” do Corpo Musical da PMESP. Músicos fantásticos, com repertório especialmente bem escolhido. Além de tudo, foram simpáticos, solícitos, profissionais. Ficamos empolgados para tecer outras parcerias. O que é elogiável deve ganhar destaque, sempre. E a PM paulista faz um grande trabalho cultural e social ao disponibilizar à população um grupo tão qualificado.

Retorno ao escritório e encontra no Facebook uma postagem divulgada como de um policial militar carioca sobre menores no crime. Há uma justificada comoção na cidade por conta do hediondo crime cometido na Lagoa. Muita gente foi na onda deste assassinato para vender soluções fáceis. Era o caso.

Não gosto de visões simplistas. Casos de grande comoção levam às massas a pensar como boiada. Já lembra o ditado que nada é mais fascista do que uma classe média amedrontada. Há fatos, crimes, eventos, situações que parecem encomendadas à medida para promover na sociedade esta sensação indefinível de insegurança, estupefação e revolta.

Tento não me deixar levar pelas reações menos racionais. Tento lembrar que o impacto de um caso, analisado isoladamente, por mais simbólico e impactante que seja, não deve se confundir com a análise do todo. Principalmente quando se tem em mente que, diariamente, dezenas de crimes iguais ou piores são cometidos contra uma população mais desassistida, em periferias e grotões, sem que isso cause espanto ou indignação. Mais ainda quando parte desses crimes é cometida pela polícia.

ONG Rio de Paz realizou um ato público ao redor da Lagoa Rodrigo de Freitas

Uma vida, qualquer que seja, tem um valor inestimável. nenhuma vale pouco, de forma que eu não desprezo a dor e a indignação de ninguém, seja quem se identifique com um médico da Zona Sul, seja quem se identifique com um morador do subúrbio. Eu tento compreender o impacto e a dor, mas evito a empatia, para tentar abordar o tema com alguma racionalidade.

Não sou a favor de vitimização do delinquente, seja quem for. Mas é preciso saber pesar as consequências das atitudes a serem tomadas. E é preciso mirar no resultado, no caso, no objetivo de diminuir a violência. Seja na Zona Sul, seja na periferia.

O que leva ao assunto do momento: a punição de menores infratores.

Sou absolutamente contra a falta de punição. Não punir resulta em sensação de vale-tudo. A discussão deve ser “de que forma” e a “quem” punir. É preciso, antes de tudo, lembrar que o Estatuto do Menor já prevê medidas educativas/coercitivas/restritivas de liberdade. É mentira quando dizem que um menor infrator não pode ser punido. Pode sim. E, efetivamente, é punido na maioria dos casos em que é pego. A população de jovens (menores) com restrição de liberdade no Brasil é imensa, ainda que comparado ao percentual sobre o total de jovens e à mesma relação com outro países.

Há algumas questões que merecem alguma reflexão. Por exemplo, que punir os jovens NÃO BASTA. Sem fazer nenhuma vitimização dos delinquentes, eu parto do princípio (comprovado cientificamente) de que ninguém nasce bandido. Ainda que possa ser discutida uma propensão ao crime em alguns indivíduos, da propensão à ação vai uma distância grande. Então, o bandido é formado. Ou ainda, a falta de educação (familiar, social, escolar) leva ao banditismo.

O texto do policial mesmo vai por este caminho quando diz que há uma glamourização do crime. É verdade, por triste que seja. Mas uma glamourização do crime é um processo social, pois não? Então, o jovem vive num meio com poucas chances de ascensão, vê o bem material, a roupa, a grife, o tênis ser valorizado, vê o crime ser valorizado, tem uma educação familiar falida, tem uma escola falida. A maioria não cai no crime, o que demonstra que o viés da vitimização pura é falso, porque senão qualquer jovem seria criminoso.

Uma parte desses jovens comete delitos, alguns pequenos, alguns graves. Como fugir da punição aos PAIS desses jovens? Ora, se a gente tem um filho menor de idade que atira uma pedra na janela do vizinho, a lei nos obriga a pagar o prejuízo, porque somos nós os RESPONSÁVEIS por aquele jovem. Logo, há de se punir, também criminalmente, aos pais pela ação dos filhos menores.

Outra coisa: se o jovem é menor, está em idade escolar. Tem que estar matriculado, sua presença tem que ser fiscalizada. (Experimenta, em alguns países, não mandar o filho para a escola pública: eles te ligam para saber por que a criança não foi – algo, infelizmente, impensável no Brasil.) Pois é, então, se o jovem estivesse na escola, não estaria na rua cometendo crimes. Independente do interesse dos pais, obrigar a presença na escola é dever do Estado.

maioridadepenalEntretanto, “o Estado” ou “a sociedade” são entes abstratos. Existe uma autoridade, seja governador, prefeito, secretário, diretor, que representa a escola. Cadeia neles. E nada disso isenta o jovem. Também é obrigação do Estado tutelar. Se falhou a educação familiar e escolar, o Estado tem que internar, recuperar. Portanto, o problema aqui não é de vitimizar ou não o jovem, versus punir ou não o jovem. O jovem é vítima sim, mas nem por isso não deva ser punido.

Agora, a forma de punição não pode ser igual a de um adulto. E quem diz isso é a ciência e a estatística. A ciência, porque prova que é injusto e desproporcional à maturidade (não é o conhecimento e consciência do que seja crime, mas a maturidade para lidar com isso, a susceptibilidade à tal glamourização etc.). E a estatística porque mostra que a redução da maioridade legal plena não funciona como fator inibidor de crimes. Ao contrário, porque o índice de reincidência do jovem recolhido é de 30%, mas a do adulto presidiário é de quase 70%. Ora, então o jovem levado ao presídio tem mais que o dobro das chances de reincidir no crime. A matemática é cruel, porque é exata.

Acrescentemos a isso outro fator: a maior cooptadora de jovens no crime é a polícia. Sim, a polícia. O jovem é pego cometendo um pequeno delito. Aí, o policial, em vez de encaminhar à Justiça, faz a cobertura da área para garantir a “impunidade” do bandidinho e exige um pedágio para o delinquente, sem o quê o menino vai para as grades. Este esquema é conhecido, é usual, e explica por que áreas em que há reincidência crônica de crimes continua sem policiamento ostensivo.

Eu mesmo fui assaltado por três jovens há cerca de 2 meses, numa área em que isso é exatamente assim. Três jovens, um deles com pistola, outro com um facão. Não posso ter certeza se tinham 16, 17, 18 ou 20 anos. Tanto faz. Nitidamente, estavam drogados. Um usuário de drogas não tem medo de ser pego. Não seria aumentar o grau de punção desses jovens que atenuaria seu impulso ao crime. Mas talvez aumentar a certeza de que alguma punição haveria.

Isso também é assim, ou bem próximo disso, mesmo quando o criminoso não está sob ação de drogas, ou delinquindo para consegui-las. O criminoso age na esperança de não ser pego. Ou, se estiver absolutamente seguro de que não será pego, porque tem a cobertura do policial parceiro. Se a possibilidade de ser pego aumenta, diminui a propensão. O quanto ele será punido se for pego, isso não tem impacto sobre o ato criminoso.

Havia um posto móvel da PM, que foi convenientemente retirado dali. A região é conhecida. Mas não há policiamento ostensivo. A menos de cem metros do local, encontra-se vários policiais. Ora, claro que dão cobertura aos criminosos. Quando, para fazer de conta, levam algum à delegacia, ocultam provas, forjam caricaturalmente testemunhos. Fazem o possível para que o delegado, ou o juiz, não tenha outra forma senão de liberar os suspeitos. Depois, escrevem um post dizendo que prendem e a Justiça solta. Porque querem ter mais poder, querem ter o direito de apontar alguém como culpado, sem ônus da prova.

O que isso significa? Que poderão forjar crimes para obrigar mais jovens a delinquir a favor deles. As grandes cidades são hoje cobertas de câmeras de vigilância, mas estas gangs só atuam em áreas de sombra, sem provas, sem policiamento, sem surpresa para eles.

Ora, eu tenho que ser muito ingênuo para não perceber que há conluio entre policiais e bandidos, sejam eles jovens ou não. (Imprescindível lembrar que, havendo mais ou menos bandidos, jovens ou não, só há crime onde o policiamento é falho – e lugares como a orla da Lagoa, ou a Central do Brasil, ou o Anhangabaú, não podem ser áreas de sombra)

E qual é a solução? Dar ao policial mais poder? Dar à PM – uma corporação afundada em crime e corrupção – a prerrogativa de decidir quem é criminoso ou não? É isso que ELES querem nos fazer crer que seja a solução. E um crime de sangue numa área nobre da cidade é o que mais eles precisam para que a sociedade lhes dê este passe livre. Conveniente, não?

One Reply to “Crime e Castigo”

  1. “…parto do princípio (comprovado cientificamente) de que ninguém nasce bandido. Ainda que possa ser discutida uma propensão ao crime em alguns indivíduos, da propensão à ação vai uma distância grande”.

    Só essa sua frase já mostra que os governos federal e estaduais não querem saber de investir em educação.

    Posto isso, que tal punir o menor infrator, que rouba e mata, com a detenção na Fundação CASA e, ao completar 18 anos, completar o restante da pena na cadeia?

    Os menores, em sua maioria, entram para o crime pesado porque sabem que, com 18 anos, estão “livres” e “limpos”.

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