Levando em consideração os últimos cálculos, a velocidade de disseminação da epidemia mundial da Aids parece ter diminuído. Dois grupos da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicaram estimativas a respeito do número de pessoas HIV-positivas, que contradizem previsões anteriores. Segundo ambos estudos, haveria hoje 33,2 milhões de infectados, ao contrário dos 39,5 milhões citados nas estatísticas de 2006. O número anual de novas infecções também teria caído: 4,3 milhões de casos novos em 2006, contra 2,5 milhões em 2007. De acordo com essas avaliações a incidência mundial teria alcançado o pico na segunda metade dos anos 1990.

Contudo, se formos levar em consideração apenas o Brasil, esse número se inverte, em nosso país, o número de infectados tem aumentado a cada pesquisa. Tenho ouvido no meio LGBT diversas afirmações como: “A Aids no Brasil praticamente já tem cura”, “É só tomar o coquetel que está tudo resolvido”, “Ninguém morre de Aids hoje no Brasil”… Enfim, diante disso podemos afirmar que as pessoas estão perdendo o bom senso.

Conforme já relatamos em nossa coluna, o chamado “Grupo do Carimbo” continua firme com sua meta em disseminar o vírus da Aids. Na contramão deste fato, há aqueles que foram infectados inocentemente por um desses criminosos. E é com uma dessas vítimas que vamos conversar e conhecer o verdadeiro dia a dia de um soropositivo.

Lucas X., de 25 anos, nasceu de uma família de classe média da zona norte do Rio de Janeiro, teve uma infância comum como a maior parte dos jovens de sua idade. Assumiu sua homossexualidade ainda jovem, com quinze anos, sofreu bastante preconceito por parte de sociedade e principalmente por seus pais.

Aquenda: Lucas, como descobriu ser portador do HIV?

Lucas: Bem, vou resumir um pouco, minha sexualidade nunca foi bem aceita em casa, daí morar sozinho e ser independente acabou virando sonho e meta de vida. Neste período, conheci um rapaz na internet, começamos a namorar na mesma semana e após três meses de namoro decidimos morar juntos. Após três anos casado, apareceu uma pequena mancha no meu corpo. Com o passar dos meses ela foi aumentando e tomando volume. Procurei uma dermatologista, pensando se tratar de uma alergia. Passados alguns dias, a dermatologista me ligou pedindo para comparecer com urgência na clínica, lá ela informou que a mancha se tratava de Sarcoma de Kaposi, um câncer de pele, comum em idosos e em portadores do vírus HIV e que seria necessário realizar um teste. Neste momento, meu mundo caiu, mesmo tendo esperança que pudesse ser tudo um engano, fiz o exame. Durante alguns dias, fiquei como zumbi, entrava de cinco em cinco minutos na página de resultados e nada. Até que em uma sexta-feira, às 20h eu li a pior notícia que poderia receber, estava confirmado eu era soropositivo, mais que isso, já se estava manifestando os efeitos da Aids.

A: E você sabe como foi infectado?

L: Sempre fazia sexo com camisinha, exceto com este parceiro com quem fui casado, para mim já estava claro que ele havia me contaminado, mas até então, poderia ter sido algo sem querer de forma inocente, até que um dia passeando com ele passei em frente a um posto de saúde na Tijuca, e ele comentou: olha aqui também faz tratamento, a salinha fica bem ali no canto. Naquele momento tive um estalo nos meus pensamentos e tudo foi se conectando, não fazia muito sentido um leigo saber tanta coisa a respeito dos tratamentos como ele sabia, daí lembrei de quando ele foi morar comigo e na arrumação jogou fora uns potes de remédios que tinham os rótulos retirados, ele dizia que se tratava de remédios vencidos de um tratamento contra leucemia.

Depois de uns meses terminamos, mas mantive contato com a família dele, após algum tempo conversando com a irmã dele, confessei que era portador do HIV, e ela me disse em lágrimas que ele também era desde bem antes de me conhecer, e que quando havia me conhecido ela questionou e o mesmo informou que eu era portador, que não teria problemas, só pediu para não comentar nada comigo porque eu não gostava de falar no assunto. Naquele momento parecia que alguém tinha me alvejado com um tiro. Comecei a chorar copiosamente, fui embora e nunca mais tive contato com sua família.

A: Não pensou em fazer uma denúncia?

L: Já havia passado seis meses do término do relacionamento, não tinha contato com ele, naquele momento já estava fazendo tratamento e estava bem, então entreguei nas mãos de Deus, pois sabendo da vida desregrada que ele vivia, não iria sobreviver muito tempo sem tratamento.

A: Falando em tratamento, como foi o processo? Teve muitos efeitos colaterais?

L: O início do meu tratamento foi baseado em sorte ou graça de Deus. Uma amiga portadora do vírus me indicou o posto onde ela faz tratamento, em Santa Cruz, quando cheguei lá me informaram que estavam passando por problemas de superlotação de pacientes e que seria melhor optar por um posto próximo de casa, visitei alguns lugares sem muito sucesso de conseguir vaga a curto prazo, dai lembrei do tal posto da Tijuca que meu ex havia comentado outrora, era meados de novembro de 2013, já estava me sentindo muito fraco, sem apetite, perdia peso a cada semana. Chegando ao posto fui informado que tinha vagas apenas para maio, eram seis meses de espera, agradeci ao atendente e com olhar triste fui em busca de algum outro lugar.

De repente, ouço o atendente me chamando: Ei rapaz, olha que sorte, achei uma desistência para 5 de janeiro, pela manhã. Meu coração palpitou, sorri e confirmei a consulta. No dia da consulta, a infectologista conversou bastante comigo, parecia um anjo, me acalmou, passou informações novas e prescreveu dois remédios que eu pude pegar na mesma hora, na farmácia do posto. Ela disse: vou passar esses dois remédios, são os mais básicos do tratamento, mas não tome até que faça o exame de sangue, pois quero ver como está sua situação antes do início do tratamento. E olha que bacana achei vaga para a próxima semana. Terminando a consulta fui para casa e fiquei ansioso pelo dia do exame para iniciar o tratamento, olhava para os remédios como se eles fossem pedras preciosas.

O tal exame iria detectar o CD4 e a carga viral presente em meu organismo, resumindo, quanto maior o CD4 e menor a carga viral melhor para o portador do HIV. Fiz o tal exame numa segunda, às 7h, assim que cheguei em casa, abri correndo a embalagem do remédio e tomei um comprimido, conforme a prescrição, era um comprimido de manhã e a noite repetia este mesmo comprimido e tomava mais um da outra embalagem. Com esse remédio de comprimido branco, o Biovir, não tive nenhuma reação, mas ao tomar o da noite tomei um susto, em alguns minutos comecei a ter alucinações, tontura e um sono intenso, está ai a explicação do por que ter de ser tomado a noite, antes de dormir. Era uma caixinha de surpresa, a cada noite eu tinha uma reação diferente, as vezes tontura, por vezes ânsia de vômitos e por vezes não sentia nada.

A: Você leva uma vida normal?

L: Bem achar que ter de tomar remédio em horários determinados, de forma ininterrupta até o fim da minha vida é um fato corriqueiro então é normal. Mas para mim, que gosto de curtir a noite é complicado, pois o remédio não pode ser ingerido com bebidas alcoólicas, é preciso esperar algumas horas entre um e outro, isso atrapalha bastante, além disso tomar o Efavirenz, que é o remédio da noite, antes da balada não é uma combinação inteligente e não tomar o remédio pode causar uma falha no tratamento e será preciso tomar outras combinações de drogas, não quero ter de tomar vários remédios por dia, como já vi acontecer com outros pacientes. Uma vez me convidaram para uma balada, decidi tomar o remédio quando voltasse, quando cheguei estava tão cansado que acabei tomando quando acordei, antes de ir trabalhar, foi a pior coisa que fiz na minha vida, tinha acesso a uma sala do almoxarifado e acabei apagando por uma hora em cima das caixas de papelão, ainda bem que não fui pego pela direção.

É bom informar que após uma semana de tratamento começou a aparecer uma alergia na pele, como aquela que dá quando um alérgico come algo que não pode, tipo camarão, a cada semana a alergia atingia uma parte do corpo, como se os componentes do remédio estivessem combatendo o vírus e quando eles “venciam” a batalha, a alergia parava e eles iam combater em outro lugar. Na consulta seguinte a infectologista me confirmou isso, e hoje vejo que poderia ser pior, pois algumas pessoas têm diarréias fortes e constantes, precisam inclusive tomar remédios para controlar. Graças a Deus não aconteceu comigo. Meu maior medo era ter lipodistrofia, que é um acumulo de gordura em partes do corpo e perda em outras, causando aquela aparência comum no aidético. Mas não passei por isso, pelo menos ainda…

A: E quanto ao CD4, carga viral e o Sarcoma?

L: Ah sim, fui ao INCA assim que comecei o tratamento e lá fui informado que este tipo de câncer nas minhas condições iria regredir ao iniciar o tratamento, meu CD4 estava em 104 e carga viral em 240 mil cópias, por pouco não passei desta para a melhor. Hoje em dia, após três anos de tratamento minha carga viral está indetectável, com CD4 em 470, o Sarcoma realmente está regredindo, as manchas mais superficiais estão sumindo, as outras só através de remoção. Mas não posso dizer que levo uma vida totalmente normal, o uso contínuo do coquetel modifica o metabolismo, hoje em dia preciso tomar remédios também para controlar o colesterol e por vezes me sinto ansioso e com princípio de depressão.

A:  Quais são seus planos para o futuro? Que mensagem gostaria de deixar?

L: Eu vivo um dia após o outro, a vida de um homossexual já não é fácil, costumo brincar que tirei a sorte grande, sou gay, pobre e aidético. Não faço planos para o futuro, apenas procuro viver cada dia intensamente. Continuo indo a baladas, festas, namorando, faço sexo sempre com camisinha, mesmo com outros portadores, pois há vários tipos de vírus e o não uso do preservativo pode-se adquirir nova contaminação, além de outras doenças, dificultando ainda mais o tratamento. O Brasil está bem avançado em relação ao tratamento, mas isso não significa que estejamos curados, além disso o vírus HIV é frágil, não sobrevive mais que 5 minutos fora do organismo, mas dentro dele é devastador, além de poder sofrer mutações se em contato com outros tipos de vírus ou numa falha de tratamento. Só peço a todos que pensem bem, em vez de querer que todos sejam soropositivos é mais inteligente querer que a cura realmente esteja presente em nossas vidas.

A: Obrigado Lucas, seu relato foi bastante esclarecedor. Esperamos que as pessoas possam se conscientizar e pensar no próximo. Com o avanço dos estudos sobre a Aids esperamos em breve ter boas notícias para o mundo.

E com este relato esperamos mostrar a realidade de um soropositivo, por mais que haja tratamentos eficazes no Brasil, o dia a dia de um portador do HIV é árduo e difícil. Tendo de se privar de lazer algumas vezes em troca da certeza de seu bem estar e a continuidade do tratamento.