Em 1993, o então pré-candidato à presidência, Luis Inácio Lula da Silva, disse que no Congresso uma minoria trabalhava pelo país, mas uma maioria de ‘trezentos picaretas’ defendiam apenas os próprios interesses. A declaração do petista virou música nas mãos e voz de Hebert Vianna e do Paralamas do Sucesso.

22 anos depois, Cid Gomes disse, no plenário da Câmara, que ali existiam entre 300 e 400 achacadores que usavam do cargo para pressionar o governo em busca de benefícios próprios. Cid não poupou críticas e apontou o próprio presidente da casa como o grande achacador. A atitude foi suicida. Cid morreu de sincericídio e saiu do governo. Menos de um mês após as declarações de Gomes, a Câmara dos Deputados mostra aquilo que o ex-ministro disse: estão ali em busca de benefícios próprios.

Foi aprovado na noite dessa quarta-feira (08), o PL 4303 que estava engavetada desde 2004 e que foi alterada e votada às pressas e a mando do presidente da Casa.

Na prática, o novo projeto de lei abre as portas para a terceirização de todas as atividades de uma empresa. Hoje, pela CLT, apenas serviços como de limpeza, segurança, portaria e manutenção de máquinas é que podem ser terceirizados, a atividade-fim não pode entrar nesse caso. Agora, com a nova lei, a atividade-fim também fica oficializada.

A terceirização da atividade-fim é um retrocesso dos grandes na sociedade brasileira e nos direitos trabalhistas que foram conquistados pela população desde a era Vargas e na nossa Constituição de 1988.

Piero Locatelli, da Repórter Brasil, listou os nove motivos para desconfiarmos da nova lei e aqui reproduzo o texto do jornalista:

7abr2015---manifestantes-ligados-a-cut-fazem-nesta-terca-feira-7-em-frente-ao-congresso-nacional-em-brasilia-um-protesto-contra-o-projeto-de-lei-4330-que-liberaliza-a-terceirizacao-de-empregados-1428433776746_956x5001) Salários e benefícios devem ser cortados

O salário de trabalhadores terceirizados é 24% menor do que o dos empregados formais, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). No setor bancário, a diferença é ainda maior: eles ganham em média um terço do salário dos contratados. Segundo o Sindicato dos Bancários de São Paulo, eles não têm participação nos lucros, auxílio-creche e jornada de seis horas.

2) Número de empregos pode cair

Terceirizados trabalham, em média, três horas a mais por semana do que contratados diretamente. Com mais gente fazendo jornadas maiores, deve cair o número de vagas em todos os setores. Se o processo fosse inverso e os terceirizados passassem a trabalhar o mesmo número de horas que os contratados, seriam criadas 882.959 novas vagas, segundo o Dieese.

3) Risco de acidente vai aumentar

Os terceirizados são os empregados que mais sofrem acidentes. Na Petrobras, mais de 80% dos mortos em serviço entre 1995 e 2013 eram subcontratados. A segurança é prejudicada porque companhias de menor porte não têm as mesmas condições tecnológicas e econômicas. Além disso, elas recebem menos cobrança para manter um padrão equivalente ao seu porte.

4) Preconceito no trabalho pode crescer

A maior ocorrência de denúncias de discriminação está em setores onde há mais terceirizados, como os de limpeza e vigilância, segundo relatório da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com refeitórios, vestiários e uniformes que os diferenciam, incentiva-se a percepção discriminatória de que são trabalhadores de “segunda classe”.

5) Negociação com patrão ficará mais difícil

Terceirizados que trabalham em um mesmo local têm patrões diferentes e são representados por sindicatos de setores distintos. Essa divisão afeta a capacidade deles pressionarem por benefícios. Isolados, terão mais dificuldades de negociar de forma conjunta ou de fazer ações como greves.

6) Casos de trabalho escravo podem se multiplicar

O uso de empresas terceirizadas é um artifício para tentar fugir das responsabilidades trabalhistas. Entre 2010 e 2014, cerca de 90% dos trabalhadores resgatados nos dez maiores flagrantes de trabalho escravo contemporâneo eram terceirizados, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Casos como esses já acontecem em setores como mineração, confecções e manutenção elétrica.

7) Maus empregadores sairão impunes

Com a nova lei, ficará mais difícil responsabilizar empregadores que desrespeitam os direitos trabalhistas porque a relação entre a empresa principal e o funcionário terceirizado fica mais distante e difícil de ser comprovada. Em dezembro do último ano, o Tribunal Superior do Trabalho tinha 15.082 processos sobre terceirização na fila para serem julgados e a perspectiva dos juízes é que esse número aumente. Isso porque é mais difícil provar a responsabilidade dos empregadores sobre lesões a terceirizados.

8) Haverá mais facilidades para a corrupção

Casos de corrupção como o do bicheiro Carlos Cachoeira e do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda envolviam a terceirização de serviços públicos. Em diversos casos menores, contratos fraudulentos de terceirização também foram usados para desviar dinheiro do Estado. Para o procurador do trabalho Rafael Gomes, a nova lei libera a corrupção nas terceirizações do setor público. A saúde e a educação pública perdem dinheiro com isso.

9) Estado terá menos arrecadação e mais gasto

Empresas menores pagam menos impostos. Como o trabalho terceirizado transfere funcionários para empresas menores, isso diminuiria a arrecadação do Estado. Ao mesmo tempo, a ampliação da terceirização deve provocar uma sobrecarga adicional ao SUS (Sistema Único de Saúde) e ao INSS. Segundo ministros do TST, isso acontece porque os trabalhadores terceirizados são vítimas de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais com maior frequência, o que gera gastos ao setor público.

Posto as explicações dos motivos pelos quais devemos lamentar a aprovação desse PL, listo aqui os motivos políticos pelos quais devemos nos preocupar também.

cid-hoje-11- Tanto Lula, em 1993, quanto Cid Gomes, em 2015, estavam certos. Hoje são 324 achacadores, ou picaretas, na Câmara dos Deputados que lutam por interesses próprios;

2- Interesses próprios porque esses devem satisfação aos doares de suas campanhas que irão lucrar com as mudanças na legislação.

3- É uma enorme derrota do Governo. Além de ser contra a aprovação, o governo mostra que está cada vez mais nas mãos do Congresso Nacional. Eduardo Cunha hoje se comporta mais como um primeiro-ministro do que como presidente da Câmara.

4- Eduardo Cunha que busca com uma agilidade impressionante aprovar a sua agenda. Já disse que a redução da maioridade penal está demorando para ser aprovada, aprova esse PL, tem uma PEC contra o SUS entre outros projetos. Cunha tomou posse como presidente em fevereiro – pouco mais de dois meses – e já mexeu com a estrutura política do país. O deputado está na lista dos investigados da Operação Lava Jato e, talvez com medo de ser um Severino Cavalcanti, tenta colocar em pauta aquilo que ele quer que seja aprovado.

5- Dilma e o PT tem culpa pela derrota? Sim. Estava no inferno, pela governabilidade, e teve que abraçar o capeta, mas isso não coloca toda a culpa na dupla.

6- Essa derrota do governo é mais um ponto do Movimento Anti-PT que existe no país e que desde as eleições ficou mais forte. As consequências do anti-petismo pode ser muito prejudicial ao país, não porque o PT é perfeito e a salvação do país, porque não é, mas porque é algo vingativo e quem sofre com isso é a população e o trabalhador.

7- Apenas PT, PCdoB e PSOL votaram contra. Partidos históricos na luta pelos trabalhadores, como o PSB de Arraes, o PDT de Brizola e o PTB de Vargas votaram pela alteração.

8- A alteração vai respingar em Dilma. A presidente tem que torcer para o Senado barrar essa lei ou vai se desgastar na discussão se ela veta ou não. Além disso, há o ‘prejuízo da manchete’. A candidata derrota à presidência da República, Marina Silva, já colocou na conta de Dilma. Em seu facebook, disse que ‘a vaca vai ficar rouca de tanto tossir’ em referência a campanha petista que prometeu não alterar direitos trabalhistas ‘nem que a vaca tussa’. Marina Silva só esqueceu de falar que seu partido, o PSB, votou a favor das mudanças.

Agora, o trabalhador brasileiro deve esperar. Torcer para que o Senado mude a decisão da Câmara, o que não deve acontecer, e que seus direitos não sejam tolidos. Dilma cada vez mais refém do Congresso mais conservador desde 1964.

Serão longos quatro anos de legislatura. Se chegarmos em 2018 com nossos direitos intactos será uma vitória da sociedade, mas tudo está resolvido, afinal de contas, domingo tem protesto #VemPraRua e estou torcendo para que tenhamos mais faixas pelos direitos dos trabalhadores e menos de intervenção militar.

One Reply to “300 achacadores com anel de doutor”

  1. É incrível que o articulista consiga escrever um longo texto em que Dilma e o PT aparecem como vítimas, e não como indutores da situação a que chegamos.

    Finge desconhecer que, primeiro, o voto em candidatos peemedebistas foi estmulado, na campanha, pela aliança comandada por Dilma.

    E, segundo e mais importante, que tanto a ascensão de Cunha quanto o ódio deste e de Renan Calheiros contra o governo se devem às barbeiragens do comando politico petista. São, sobretudo, resposta à tentativa de traição capitaneada por Mercadante, em conluio com Kassab.

    Não basta agora o PT votar contra o projeto e posar de vítima. È preciso reconhecer os tremendos erros na condução dos arranjos políticos, apontados pelo próprio Lula.

    E indagar pq o governo Dilma não moveu uma palha contra o projeto ANTES de ele ser votado. Preocupou-se apenas, sob a lliderança do tucano Levy, em assegurar que a arrecadação dos impostos trabalhistas não seria afetada.

    O PT se elegeu como lider de uma aliança. Tem de responder por ela. Brincar de oposição a si mesmo não cola. Ao menos ante os que ainda priorizam o espírito crítico ante os fanatismos partidários.

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